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CAPÍTULO 2: OBJETIVOS E METODOLOGIA DA PESQUISA

2.4 Abordagem metodológica

2.4.2 O estudo empírico: o fazer de tipo etnográfico

Para conhecer os processos de configuração do currículo no cotidiano escolar, tomamos como sujeitos da investigação duas professoras de História de uma escola da rede municipal de ensino de São Paulo, nos 6ºs anos do Fundamental II, no período da manhã e uma professora substituta que ministra aulas quando por algum motivo esses professores não comparecem.

A escolha do recorte sobre os 6ºs anos levou em conta o fato de que ele representa o início de um ciclo de escolarização – o segundo – cuja principal marca é o ingresso do aluno no currículo de base disciplinar, em que o professor especialista utiliza abordagens bastante diferentes das utilizadas pelo professor unidocente para ministrar o ensino. Pesquisas desenvolvidas por Dias-da-Silva (1997) e Domingues (1985)5, problematizam a questão de o professor especialista geralmente fazer tabula rasa do processo de escolarização dos alunos, anterior à introdução destes no currículo disciplinar, pois desconsideram que o aluno do 6º ano não está familiarizado com rotinas e procedimentos como a divisão do tempo das aulas, diferenças na quantidade, duração e intensidade no ensino dos diversos componentes curriculares.

Os problemas apontados por essas pesquisas, também foram objeto de análise no estudo de Conceição Cabrini et all (1986). Tomando como foco o ensino de História nos anos iniciais, as autoras problematizam as práticas usualmente utilizadas pelos professores da disciplina como a ênfase nas História política, o recurso à memorização de datas cívicas e a narrativa histórica pautada na linearidade histórica. Elas avaliam que “por ser a iniciação do aluno em História, sempre muito discutido o por onde começar” (p. 15), o professor da disciplina precisa reorientar suas práticas mediante a busca por formas alternativas de diálogo entre os saberes da disciplina e os contextos em que o ensino se desenvolve.

A metodologia empregada para realizar a coleta de informações sobre o cotidiano de trabalho dos professores tomou como base os pressupostos elencados por André (2000), que considera a pesquisa educacional de tipo etnográfica como um processo que se caracteriza “pelo uso de técnicas que tradicionalmente são associadas à etnografia, o seja, à observação participante, a entrevista intensiva e a análise de documentos (p. 28), a qual aponta que em investigações qualitativas de tipo etnográfico, os instrumentos e os dados coletados vão sendo construídos durante a pesquisa, em um “esquema aberto e artesanal de trabalho que permite um transitar constante entre a observação e análise, entre teoria e empiria”6 (p. 38-39).

De acordo com a autora, implícito ao uso das técnicas etnográficas existem algumas características próprias à pesquisa de tipo etnográfica: a existência de interação entre o pesquisador e o objeto da pesquisa, levando-o a se interessar por encontrar

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As pesquisas desenvolvidas por essas autoras foram realizadas com as 5ªs. séries, equivalentes ao 6º ano na atual configuração do currículo escolar.

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ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO

Data: ___/___/_______ Local: EMEF ____________________ ____ Ano: ____

Horário: _______ às ________ Número de alunos: meninos:_____/meninas_____

Parte descritiva Parte reflexiva ou analítica

OBSERVAÇÕES:_________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ respostas para algum problema relacionado à sua relação com o objeto; um princípio de interação entre o pesquisador e o pesquisado; ênfase no processo de desenvolvimento do estudo; preocupação com o significado atribuído pelo pesquisado às suas experiências; envolve um trabalho de campo, portanto pressupõe um contato direto e prolongado com pessoas e situações; utilização da descrição e indução como procedimentos de registro de diálogos, situações, pessoas, etc., reconstruídos em forma de palavras ou transcrições literais; e, finalmente, a “formulação de hipóteses, conceitos, abstrações, teorias” (p. 30).

O registro das práticas dos professores foi feito por meio de um roteiro de observação, observação, baseado em Oliveira (2001, p. 21):

Quadro nº 1: Roteiro de observação das práticas dos professores de História.

No trabalho empírico também recorremos a outras fontes, que de alguma forma pudessem auxiliar na compreensão das referidas práticas. Foram elas: análise do planejamento com a programação de ensino realizado no início do ano letivo, de materiais instrucionais e de cadernos dos alunos, questionários estruturados aplicados às professoras, entrevistas semi-estruturadas realizadas com elas, além de, sempre que possível dialogar com o diretor, assistentes de direção e coordenação pedagógica.

Em busca de compreender as práticas observadas durante a estada na escola, adotamos a perspectiva dos estudos de tipo etnográfico, mediante a observação e registro das ações dos professores, com ênfase na sala de aula, compreendida como o espaço em que o processo ensino-aprendizagem se concretiza pela mediação pedagógica do professor junto aos seus alunos.

Ao todo, além das atividades relacionadas ao cotidiano de trabalho dos professores nas reuniões pedagógicas, reuniões de área e planejamento das aulas também acompanhamos o desenvolvimento das práticas dos professores junto a 5 turmas do 1o. ano do ciclo II, equivalentes ao atual 6º ano do ensino fundamental de 9 (nove) anos. Foram observadas 122 aulas, discriminadas conforme o quadro abaixo:

Quadro 2: Delineamento das observações por professor.7

Professor (a) Período de observação No. de aulas observadas

Profª. Flora De 25/04/12 a 17/11/12 66 aulas Profª. Yasmin De 16/05/12 a 18/10/12 47 aulas Profª. Rosa De 23/10/12 a 13/11/12 09 aulas

As professoras que participaram da pesquisa estão na faixa etária entre 36 e 45 anos. Quanto à formação, as professoras Flora, Yasmin e Rosa cursaram o bacharelado e a licenciatura em História em faculdade particular, próxima da região onde moram e trabalham8. Além dessa formação, as duas primeiras são licenciadas em Pedagogia, fizeram pós-graduação lato sensu em História, cursos de especialização por instituições particulares, e participam com frequência de eventos da área educacional.

A investigação na escola e na sala de aula também busca compreender a trama complexa dos processos de configuração dos conteúdos históricos no cotidiano escolar, no qual os professores por meio da prática intervêm no processo de construção do conhecimento histórico. Nesse contexto, torna-se importante problematizar os critérios utilizados pelos professores para selecionar esses conteúdos, identificar os métodos de

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Professores de História do 1º. Ano-Ciclo II da EMEF Jardim da vitória.

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Com a LDB 9394/96, a formação em nível superior passou a ser pré-requisito para habilitar o professor ao exercício do magistério no ensino fundamental em qualquer etapa da educação básica. Anteriormente o curso de Magistério, equivalente ao ensino médio bastava para habilitar os professores para o exercício profissional na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental.

que lançam mão para ensinar os alunos, e as formas de avaliação que utilizam, pois assim é possível entender os aspectos envolvidos nos processos de decisão sobre a escolha do livro didático, os temas das aulas, recortes temporais, fontes, conceitos e as formas de transmissão do conhecimento histórico.

Ainda em relação aos conteúdos históricos, a análise das propostas curriculares possibilita identificar indícios de incorporação e ou recontextualização dos avanços do campo historiográfico e pedagógico ou manutenção de traços conservadores no ensino da disciplina.

No que se refere às práticas docentes, a investigação permite verificar as táticas e estratégias (no sentido atribuído por Certeau), pelas quais eles “reinventam” o currículo. Para isso, é preciso identificar e compreender as redes de significados implícitos nas mediações entre o conhecimento histórico proposto nas orientações curriculares oficiais e na escolha do livro didático e as interpretações e recontextualizações desse conhecimento que o professor faz ao planejar, concretizar o planejado e avaliar a aprendizagem dos alunos.

Do ponto de vista metodológico, busca-se articular as informações obtidas aos processos históricos e epistemológicos presentes no currículo oficial de História na rede municipal de ensino de São Paulo, no período focalizado. Esse procedimento permite apreender as diferentes dimensões em que o currículo se desdobra ao longo da sua trajetória e entender o papel desempenhado pelo professor da disciplina no processo de “tradução” do currículo oficial para o currículo em ação.