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A reconstrução histórica: oralidade e comunicação pedagógica nos processos de

CAPÍTULO 5: A INVESTIGAÇÃO DO CURRÍCULO NA ESCOLA E NA SALA

5.3 O currículo em ação: práticas docentes e reconstrução histórica

5.3.1 A reconstrução histórica: oralidade e comunicação pedagógica nos processos de

Uma estratégia recorrente nos processos de didatização do conhecimento histórico pelo docente é a utilização da oralidade como elemento mediador do processo ensino-

aprendizagem. Na maioria das aulas observadas, o professor estabeleceu o seguinte roteiro: dirige-se à classe e explica oralmente como vai ser a atividade do dia, complementando a informação com um roteiro prévio na lousa. Somente após isso inicia a realização da atividade proposta: leitura do texto, resolução de exercícios, produção de texto, etc.

A percepção do professor a respeito da necessidade de contextualizar o ensino aos aspectos específicos do alunado, como faixa etária e nível de escolaridade, norteia os procedimentos utilizados pelo professor. Como bem observou Chervel (1990), ao fazer a análise da História das disciplinas escolares, os conteúdos explícitos de uma disciplina formam um corpus de conhecimentos estáveis a serem ensinados por meio de um modo direto de transmiti-los.

Dessa maneira:

Dos diversos componentes de uma disciplina escolar, o primeiro na ordem cronológica, senão na ordem de importância, é a exposição pelo professor ou pelo manual de um conteúdo de conhecimentos. É esse componente que chama prioritariamente a atenção, pois é ele que a distingue de todas as modalidades não escolares da aprendizagem, as da família ou da escola (p. 202).

Ao pesquisar sobre o ensino de História e as metodologias de ensino aplicadas à disciplina, Cainelli (2009), observou que a escolha pelos professores da exposição oral sobre o tema abordado decorre de representações que ele tem sobre o ensino e sobre a disciplina, segundo as quais é preciso estabelecer uma linha prévia de raciocínio sobre o tema, que indique os principais aspectos do conteúdo a ser estudado pelos alunos. Essa forma de ensinar decorre da idéia de que é preciso informar o aluno sobre o conteúdo histórico para que depois ele tenha condições de emitir opiniões sobre o tema.

A autora afirma que a opção pela exposição oral decorre da percepção de que “o ensino de História se materializa na representação do fato histórico que, por sua vez, é materializado no texto histórico” (p. 177). Assim, ao preparar as suas aulas os professores seguem essa regra, materializando o ensino através do acontecimento histórico representado pelo contexto (contextualização do acontecimento/fato), desenvolvimento do processo, espaço (onde aconteceu) e temporalidade (quando

aconteceu). Apesar de conscientes de que as formas de conceber o tempo têm sua historicidade, os professores trabalham essa noção com os alunos como algo natural; não há discussão sobre este tipo de organização temporal, tampouco são apresentadas discussões sobre eventos relacionados como marcadores de rupturas.

A forma de organizar a aula por meio da exposição oral permanece cristalizada no espaço escolar. Mesmo que apresente algumas variações, o ensino da disciplina pelas professoras pesquisadas revelou que o roteiro das aulas corresponde a um script que se inicia com a exposição da matéria (em algumas ocasiões com um esquema na lousa) ou leitura do texto (do livro didático, de um paradidático ou de algum texto avulso), exercícios, avaliação (escrita, oral, em grupo, etc), e continua com a realização da atividade pelos alunos.

A oralidade ultrapassa a função de eixo discursivo em torno do qual o professor organiza o processo ensino-aprendizagem de maneira a levar os alunos a compreenderem os conteúdos e as atividades propostas, constituindo um estágio prévio ou simultâneo à reconstrução do conhecimento. Além dessa função primária, atua como elemento constitutivo da comunicação pedagógica, condutora de um discurso pedagógico dominante, no sentido atribuído por Bernstein (op. Cit., 1996).

De acordo com esse autor a comunicação pedagógica veicula um “texto” que permeia o processo educativo e se expressa tanto nas esferas mais amplas do sistema educativo como na do currículo dominante e na prática pedagógica dominante, bem como em qualquer representação pedagógica estrita: falada, escrita, visual, espacial ou expressa na postura e vestimenta. Assim, na forma como o texto foi composto, as regras de construção, circulação, contextualização, aquisição e mudança condicionam os sentidos que ele adquire, de acordo com o contexto recontextualizador, isto é, de um espaço social para outro.

Para Magda Soares (2006), a expressão escolarização é uma via de mão dupla, que constitui e é constituída pelo currículo. Refere-se tanto à escolarização de conhecimentos, práticas sociais e comportamentos quanto aos artefatos culturais relacionados à aprendizagem escolar. A acepção de escolarização defendida por essa autora permite abordar dialeticamente os termos currículo e escolarização, e por extensão, a relação entre a comunicação pedagógica e os objetos que o professor utiliza como suporte para ensinar os conteúdos.

Nessa perspectiva, o livro didático, textos avulsos e demais materiais utilizados pelo professor nas suas aulas precisam ser “lidos” pelo pesquisador não como simples objetos voltados à instrução dos alunos, mas, essencialmente, como artefatos culturais que assim como as pessoas, são escolarizados, de modo a atender às finalidades precípuas da educação escolar. Em outras palavras, tanto os sujeitos quanto os objetos que configuram as práticas escolares são historicamente produzidos pelas estruturas do mundo social, portanto, sofrem determinações políticas, sociais e discursivos.

A oralidade como forma de comunicação pedagógica é um traço distintivo da cultura escolar, mas o reconhecimento da sua importância nos processos de transmissão do conhecimento é anterior ao advento da escola moderna. Recuperada como elemento discursivo utilizado pelo professor para roteirizar a aula, a oralidade se inscreve no âmbito das “tradições inventadas” (HOBSBAWN, 1997), que governam a prática do ensino e da aprendizagem. Ao articular essa forma de comunicação pedagógica aos artefatos culturais grafados que dão suporte ao processo de ensino, como o livro didático e textos avulsos, professor e aluno constroem sentidos sobre as suas práticas e sobre o problema ou o tema abordado na aula para além das prescrições curriculares.