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CAPÍTULO 5: A INVESTIGAÇÃO DO CURRÍCULO NA ESCOLA E NA SALA

5.3 O currículo em ação: práticas docentes e reconstrução histórica

5.4.4 Os usos do livro didático no cotidiano escolar

Alguns aspectos relacionados às práticas dos professores com o livro didático me chamaram a atenção. Dessa maneira, considerei oportuno criar algumas sub- categorias que me ajudassem a descrever e analisar a sua utilização, considerando o poder de decisão do professor quanto ao modo de emprega-lo; a ciência do professor

quanto à sua limitação como ferramenta de ensino; a capacidade que tem o professor de explorar seus múltiplos aspectos e adicionar-lhe funções.

Os professores pesquisados declararam desconhecer a inexistência de quaisquer restrições de ordem administrativa ou pedagógica sobre a forma e o momento adequado para utilizar o livro didático, cabendo a eles decidir a respeito.

A professora Flora declara que, nesse momento está trabalhando com o livro da Cabrini porque acha interessante a construção de conceitos, mas ressalva não trabalhar exclusivamente com ele:

Trabalho alguma coisa do livro, e depois passo pra frente. Mas eu não saberia trabalhar com um livro didático durante o ano. Acho que ele prende, e a gente não consegue sair dali. (...) A gente pode usá-lo como instrumento, como alguma coisa que vai acrescentar. Mas, usá-lo constantemente, freqüentemente, não uso porque não sei trabalhar com o livro didático como se fosse uma bíblia.

A análise da professora Yasmin sobre o livro didático adotado pela escola é de que ele facilita o seu trabalho com os alunos, porque

tem textos bem elaborados e no nível de entendimento do nosso aluno. Ele também tem ilustrações e atividades interessantes para desenvolver com a classe (...) também uso outros materiais, mas é difícil porque o conteúdo é extenso e temos pouco tempo para dar tudo. Sempre fica alguma coisa para trás (do conteúdo).

No caso da professora Rosa, o livro didático é um dos poucos recursos que dispõe em face das condições objetivas de trabalho que encontra na escola. A condição de “professor em módulo”, eufemismo utilizado pela administração municipal para designar o professor contratado por tempo determinado, com lotação provisória em alguma unidade escolar e sem turmas atribuídas.

A atuação dessa professora é limitada pela condição precária de substituta do professor titular da classe que tenha se ausentado por algum motivo. Como foi possível observar, esse profissional geralmente é pouco apoiado pelos gestores da escola, quando estão na regência em alguma turma. Quase sempre, não conhecem o programa da

disciplina e nem o estágio de conhecimento em que os alunos estão situados. Em face dessa situação ela improvisa:

Quase sempre substituo em cima da hora algum professor que tenha faltado. É normal entrar na classe sem saber que matéria eles tiveram na aula anterior. Aí pego um texto do livro didático da escola, passo na lousa e peço para os alunos copiarem em uma parte separada do caderno. Não dá para fazer mais que isso (professora Rosa).

1) A consciência das limitações do livro didático como ferramenta de ensino e a importância de utilizar outros materiais, apesar de nem sempre ser possível fazer isso:

A gente trabalha textos que eu retiro de várias fontes, não só do livro didático, um texto de jornal, de outros livros. Faço adaptações de textos numa linguagem mais simples para que possam entender melhor. (professora Flora).

No meu caso, pego alguma coisa do livro “Projeto Araribá”, tiro algumas coisas dele. Em casa, no final de semana já vejo o que vou fazer durante a semana (professora Yasmin).

2) A exploração dos múltiplos aspectos do livro didático, agregando-lhe supostas funções de caráter pedagógico como a de transpor o texto do livro didático para a lousa.

A professora Rosa, por exemplo, seleciona “recortes” de textos que considera adequados para a aula. Inquirida sobre os critérios de seleção dos textos, ela afirmou que, “quando é possível, encaixo os textos aos conteúdos que os alunos já tem no caderno, assim, quando encontro algum [texto] que considero adequado,vou e retiro para usar na aula”.

A professora Yasmin informa recorrer a esses textos porque os recursos disponíveis na escola nem sempre são compatíveis com o que ela se propõe a ensinar. Ela afirma que a despeito de utilizar bastante o livro didático, também recorre a outros materiais:

Eu passei a utilizar o livro porque não tinha condições de trabalhar com apostila, contextos diferenciados. Eu trabalhei com o livro [textos do livro na lousa] e alguns textos que eu tinha em casa e levei para trabalhar com eles.

A professora Flora afirmou utilizar o livro didático a partir de alguns critérios, como adequar o texto, ilustração, atividades e exercícios ao tema proposto ao estudo. Ela considera que “o livro didático contribui para veicular informações importantes, às quais os alunos dificilmente teriam acesso por outros meios”. No entanto, ela considera que “essas informações devem ser contextualizada em relação à condição de aprendizagem da classe porque não adianta querer que o aluno faça uma pesquisa como se fosse um historiador, se ele não consegue”.

Entretanto, foi possível observar que em algumas aulas, a professora também recorreu à estratégia de passar resumos de textos, atividades e questões do livro didático na lousa para os alunos copiarem. Perguntada a respeito, ela afirmou que “o registro no caderno seria um meio para evitar que eles treinem a escrita e não se dispersem em relação ao conteúdo”. É também uma oportunidade para eles “aprenderem a anotar o texto da lousa (...) porque eles chegam ao fundamental II com uma série de dificuldades de escrita, então, se ele copiar vai concentrar sua atenção e pode ser que melhore”.

3) As professoras, também costumam utilizar o livro didático como suporte de leitura, em que pese não terem citado essa função nas entrevistas ou durante as conversas informais que mantivemos.

Entretanto, em diversos momentos foi possível observar e registrar no caderno de campo o fato de os professores solicitarem aos seus alunos que lessem trechos do livro. Nessas ocasiões, os professores faziam a mediação com a classe pedindo silêncio, pediam ao leitor [aluno] que aumentasse o volume da voz, e estimulavam-no a prosseguir a leitura.

A aula do dia 30/08/2012, no 6ª. Ano “A”, ministrada pela professora Flora, é um exemplo desse procedimento. Após cumprimentar os alunos e fazer a chamada, iniciou a leitura:

- Renata. Vamos começar a leitura do texto. Em voz alta, que é o recreio das outras classes. O barulho atrapalha a leitura.

E prosseguiu:

- Ronaldo, continue...

O aluno iniciou a leitura, gaguejou, leu em voz baixa... A classe aguardou em silêncio as determinações da professora.

- Agora o Vitor vai ajudar o Ronaldo a ler a sua parte [do texto] para a gente...

Com pequenas variações, a leitura de textos do livro didático seguiu esse padrão de procedimentos. A justificativa dada pela professora Flora é de que alguns alunos chegavam ao 6ª. Ano com sérias dificuldades de leitura e escrita.

Alguns chegam mal sabendo ler e escrever. O Ronaldo, por exemplo, no início do ano não conseguia ler sequer um parágrafo. Agora, apesar das dificuldade, se comparado aos outros alunos, já consegue ler.

C) Estudo com imagens:

A imagem é um recurso ao qual os professores recorrem com freqüência ao trabalhar com os alunos a relação presente-passado. Nesse aspecto, os livros didáticos utilizados pelas professoras (Montellato, Cabrini e Catelli Junior: 2000; Apolinário: 2007), por oferecerem ilustrações compatíveis com o tema abordado [Pré-História], foi utilizado durante várias aulas. Ao mencionar a utilização de ilustrações, a professora Flora reconheceu a importância desse material, principalmente diante das dificuldades enfrentadas por causa das carências materiais dos alunos e da escola:

É que o livro enriquece na questão das ilustrações. Ele acaba ilustrando muito, coisas que a gente às vezes não tem recursos na escola para tentar demonstrar alguma coisa

que você esteja trabalhando. Então, o livro didático acaba ilustrando muita coisa. Então acho que no início ele acaba contribuindo.