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3. METODOLOGIA

3.1. Área de estudo

O recorte espacial da pesquisa é a Mesorregião Sudoeste do Pará, mais especificamente a microrregião de Altamira, em áreas de influência da rodovia Transamazônica. Para o Incra, esta é a jurisdição da Unidade Avançada (UA) de Altamira, abrangendo dez municípios: Altamira, Anapu, Brasil Novo, Medicilândia, Pacajá, Placas, Porto de Moz, Senador José Porfírio, Uruará e Vitória do Xingu. (Figura 1.1).

A Mesorregião Sudoeste do Estado do Pará apresenta clima Equatorial superúmido, ocupando uma área de 393.029 km2. Limita-se ao norte com a Mesorregião do Baixo Amazonas; a leste com o estado do Amapá e o estado do Pará remanescente; ao sul com o estado do Mato Grosso; e a oeste com o estado do Amazonas (COIMBRA, 1996).

Figura 1.1. Mapa de localização da Área de jurisdição da Unidade Avançada do Incra de Altamira. Fonte: SEIR/GeoPARÁ. (2010), adaptado pela Autora.

Neste estudo focalizaremos o município de Anapu, criado através da Lei Estadual nº 5.929, de 28 de dezembro de 1995, originado do desmembramento dos municípios de Pacajá e Senador José Porfírio (Figura 1.2), que apresenta uma área total de 11.895,296 km2 (IBGE, 2015).

As origens do município de Anapu estão relacionadas à construção da rodovia BR-230 (Transamazônica) e ao Programa de Integração Nacional (PIN), criado em 1970 no governo do general Médici, associado à política de desenvolvimento e de segurança nacional que o governo militar havia planejado para solucionar dois grandes problemas: trazer camponeses empobrecidos e trabalhadores rurais sem terra afetados pela seca no Nordeste para a Amazônia, e com isso ocupar o que se entendia como ―espaços vazios‖ (GUIMARÃES NETO, 2014).

Figura 1.2. Mapa de localização do município de Anapu. Fonte: Projeto Automanejo. Roberto Porro (2014), adaptado pela Autora.

Os assentamentos de Reforma Agrária do Sudoeste do Pará estão distribuídos nos Territórios da Cidadania do Baixo Amazonas (12 municípios), BR-163 (6 municípios) e Transamazônica (10 municípios). Este estudo focaliza os assentamentos no Território da Cidadania da Transamazônica, na jurisdição da Unidade Avançada (UA) do Incra em Altamira. A UA Altamira era vinculada à Superintendência SR-01, Regional de Belém até 2005, quando passou a fazer parte da SR-30 Santarém, com a criação da mesma. Em 2011 passou a ser vinculada diretamente à Diretoria de Desenvolvimento de Projetos de Assentamento do Incra em Brasília, sob justificativa de dar mais ―celeridade‖ às ações do Incra e devido ao aumento de ―tensão social e agrária‖ no entorno da usina de Belo Monte. Hoje a UA possui jurisdição sobre os dez mencionados municípios. De acordo com a sistematização do Incra/Sipra, apresentada na Tabela 2, estão vinculadas à UA de Altamira um total de 69 áreas classificadas para beneficiários da Reforma Agrária, com 23.976 famílias assentadas em 6.545.115 ha. As características e a situação destas 69 áreas são apresentadas na Tabela 3.

Tabela 2. Assentamentos, número de famílias e respectiva área na UA de Altamira, Incra Modalidade de

assentamento

Projetos Famílias Área (ha) Área média (ha/família)

PA 39 12.692 1.253.780 98,77

PDS 20 6.941 1.058.348 152,48

outros 10 4.343 4.232.987 974,67

Total 69 23.976 6.545.115 272,99

Fonte: INCRA /Sistema: SIPRA (2018)

Tabela 3. Situação dos assentamentos PA e PDS, na UA de Altamira, Incra

Modalidade de assentamento Municipio Área (ha) Famílias Ato de criação

Situação

PA ASSURINI Altamira 32.140,1565 454 17/07/1995 7

PA MORRO DOS ARARAS Altamira 20.820,3357 169 03/09/1999 4

PA ITAPUAMA Altamira 52.339,5167 902 03/09/1999 5

PDS BRASÍLIA Altamira 19.947,7786 339 23/11/2005 3

PDS ITATÁ Altamira 105.734,2392 730 08/11/2006 3

PDS MÃE MENININHA Altamira 12.651,7884 219 14/12/2006 3

PDS ESPERANÇA Altamira 15.172,1312 220 14/12/2006 3

PA ESPERANÇA Altamira 12.654,7997 165 14/12/2006 3

PA LAJES Altamira 47.479,6600 527 08/04/2014 3

PDS TERRA NOSSA Altamira 149.842,4738 989 03/06/2006 3

PA GROTÃO DA ONÇA Anapu 12.782,0591 159 25/08/1997 6

PA PILÃO POENTE Anapu 14.800,0000 235 25/08/1997 6

PA PILÃO POENTE III Anapu 31.568,4890 173 22/12/1997 3

PA PILÃO POENTE II Anapu 86.902,1507 951 22/12/1997 6

PDS ANAPU I (PDS ESPERANÇA) Anapu 26.161,6731 225 05/10/2004 4

PDS ANAPU IV (PDS VIROLA JATOBÁ) Anapu 14.695,8484 113 13/08/2004 6

PDS ANAPU III (PDS VIROLA JATOBÁ) Anapu 23.558,0619 102 13/08/2004 6

PA ANAPUZINHO Anapu 17.500,0000 107 13/10/2006 3

PA BRASIL NOVO Brasil Novo 7.189,8522 70 17/12/1997 6

PA IGARAPÉ FLORES Brasil Novo 19.930,0000 240 13/11/1998 6

PA PENETECAUA Brasil Novo 21.734,9214 249 10/11/1998 6

PA LARANJAL Brasil Novo 14.105,0000 181 23/12/1998 6

PDS ADEMIR FREDERICCE Medicilândia 230.847,5741 1.149 23/11/2005 3

PA PARAÍSO DO NORTE Medicilândia 1.166,7700 339 27/12/2006 3

PA SURUBIM Medicilândia 196.537,0000 1.352 18/05/1988 6

PA BOM JARDIM Pacajá 87.600,0000 701 22/12/1997 6

PA RIO ARATAÚ Pacajá 72.000,0000 678 22/12/1997 6

PA RENASCER Pacajá 8.558,6860 50 16/12/2005 3

PA CUPUZAL Pacajá 19.291,3343 147 16/12/2005 3

PA TERRA PARA PAZ Pacajá 66.031,1256 197 16/12/2005 3

PDS LIBERDADE Pacajá 227.661,0000 1.458 29/12/2005 4

PA ALTO PARÁ Placas 7.527,0000 382 22/12/1997 5

PA PLACAS Placas 28.945,0000 268 27/11/1998 4

PA RIO DAS PEDRAS Placas 23.916,0000 224 27/11/1998 4

PA CURUÁ-UNA Placas 16.100,0000 110 14/12/1998 4

PDS ÁGUA PRETA Placas 24.784,6444 95 12/12/2005 3

PDS CASTANHEIRA Placas 26.164,0521 108 12/12/2005 3

PA MACANÃ I Placas 25.727,3453 196 06/11/2006 3

PDS ARTHUR FALEIRO Placas 23.176,1586 203 12/12/2006 3

PDS AVELINO RIBEIRO Placas 21.754,7594 210 12/12/2006 3

PA ACARAÍ Porto de Moz 8.600,0000 90 06/11/1998 6

PDS HORIZONTE NOVO Porto de Moz 20.622,6277 46 20/10/2006 3

PA CANOÉ Senador José Porfirio 10.709,8748 419 25/08/1997 6

PA ARARAQUARA Senador José Porfirio 11.168,8500 147 08/10/1997 6

PA RESSACA Senador José Porfirio 30.265,6330 439 03/09/1999 4

PA JURAUÁ Senador José Porfirio 5.263,0200 64 07/10/1999 6

PA ARAPARI Senador José Porfirio 54.234,0000 547 08/10/1999 6

PA ITATÁ Senador José Porfírio 51.755,6400 423 08/04/2014 3

PDS CASTANHEIRA II Senador José Porfírio 7.470,9100 65 25/09/2014 3

PA RIO DO PEIXE Uruará 26.234,3125 240 25/10/1995 6

PA UIRAPURU Uruará 18.900,0000 262 10/06/1997 6

PA TUTUÍ SUL Uruará 16.000,0000 172 10/06/1997 6

PA RIO TRAIRÃO Uruará 17.000,0000 158 07/10/1997 4

PA TUTUÍ NORTE Uruará 28.000,0000 337 29/10/1999 5

PDS SANTA CLARA Uruará 23.909,1167 123 13/10/2006 3

PDS OURO BRANCO Uruará 58.731,1605 405 27/12/2006 3

PDS IRMÃ DOROTHY Uruará 22.531,7821 142 28/12/2006 3

PDS NOVA REPUBLICA Uruará 2.930,5769 27 28/08/2018 3

Total 59 assentamentos 2.312.128,62 19.660

00- Em obtenção 01 - Pré-Projeto de assentamento 02 - Assentamento em criação 03 - Assentamento criado 04 - Assentamento em instalação 05 - Assentamento em estruturação 06 - Assentamento em consolidação 07 - Assentamento consolidado 08- Assentamento cancelado 09- Assentamento revogado

Fonte: INCRA/ Sistema: SIPRA (2018)

Ao analisar a tabela com os dados das modalidades de assentamento PA e PDS nos municípios sob jurisdição da UA de Altamira, verifica-se que apenas no município de Anapu há assentamentos na modalidade PDS que efetivamente estão ativos, seja em fase de estruturação ou consolidação. Dessa forma, optou-se pela seleção dos assentamentos neste município, levando em conta aspectos como proximidade e acesso aos mesmos, tornando possível a realização da pesquisa no período proposto.

Além disso, o município de Anapu ainda hoje é palco de diversos conflitos sociais decorrentes principalmente das consequências da política de colonização, marcado pelo desmatamento de extensas áreas para a implantação dos projetos agropecuários e a grilagem de terras. Diante disso, foram selecionados dois pares de assentamentos no município, sendo que cada par inclui um PA e um PDS com localização relativamente próxima. Este é o caso do PDS Anapu I (Esperança) e o PA Pilão Poente III; e do PDS Anapu III e IV (Virola Jatobá) e PA Pilão Poente II (Figura 1.3).

Figura 1.3. Mapa de localização dos assentamentos. Fontes: Incra, 2017; IBGE, 2015. Elaboração Cristiano Reis.

Abelém e Hébette (1998) afirmam que muitos agricultores que são assentados em projetos de assentamento da reforma agrária na região amazônica já eram antigos moradores dessas áreas, e que houve uma regularização das ocupações já existentes:

Esses dados permitem distinguir, na ação do Incra na Amazônia, por um lado, o processo de abertura da fronteira e de instalação de colonos com vista ao ―povoamento‖ da região por meio da colonização oficial e, por outro lado, a política de assentamento como forma de regularizar ocupações espontâneas existentes. Isto é típico do nordeste do Pará, na Transamazônica, em algumas áreas no sul do Pará, aonde o percentual de ocupantes anteriores à criação do assentamento chega a representar mais de 80% dos atuais assentados (ABELÉM; HÉBETTE, 1998, p. 246).

O histórico das áreas que hoje constituem os assentamentos estudados no município de Anapu em parte reflete essa situação, pois foram inicialmente ocupadas, sendo posteriormente criados os projetos de assentamento oficiais, em terras anteriormente ‗negociadas‘ entre poder público e particulares, durante a execução do projeto de colonização da Transamazônica. As áreas que hoje constituem os PAs foram ocupadas espontaneamente por agricultores familiares, sendo regularizadas após reivindicação e pressão dos movimentos sociais locais sobre o Incra. Já nos PDS, as primeiras famílias se organizaram em acampamento coletivo,

em barracões improvisados, sendo posteriormente assentadas de maneira mais controlada pelo Incra.

Através de entrevistas com assentados foi possível constatar que as primeiras famílias que ocuparam as áreas de assentamento de fato chegaram à procura de terra para garantir sua sobrevivência, e que a luta pela criação do assentamento e para a garantia de outros direitos decorrentes da condição de assentado da reforma agrária foi iniciada pela atuação das organizações sociais locais. Com efeito, em virtude dessa região ser palco de diversos conflitos pelos recursos naturais, surgiu entre os movimentos sociais atuantes no final da década de 1990 forte intenção em requerer terras para os agricultores familiares, utilizando-as de acordo com as regras ambientais vigentes, conforme observado no relato de uma das lideranças que na época acompanhava a missionária Dorothy Stang (1931-2005), e que participou do processo de colonização na rodovia Transamazônica, nos anos 1970:

―No final da década de 1990, nós, junto com a irmã Dorothy começamos a ver que as matas do município de Anapu estavam indo todas pro chão. A única alternativa que tinha era a gente tomar conta de um pedaço de terra, e começar um projeto alternativo, um projeto de conservação... já existiam vários PAs e a prática de desmatamento era comum, então a gente começou a estudar as áreas que menos tivesse pessoas morando e que tivesse uma quantidade considerável de floresta pra tentar implantar esse projeto‖ (Ivam Chagas, sócio fundador da ASSEEFA).

A formalização da criação do PDS Esperança (PDS Anapu I) e PDS Virola Jatobá (PDS III e IV), por meio da Portaria Incra/SR01 nº 39 de 13 de dezembro de 2002, partiu, portanto, da iniciativa e luta das organizações sociais locais, sobretudo a igreja católica, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) e o Movimento Fraterno das Mulheres Lutadoras de Anapu (MFMLA), apoiados pelo Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica e diversas associações da região. Esta trajetória será apresentada em detalhes no Capítulo 4.