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4. A CRIAÇÃO DA MODALIDADE DE ASSENTAMENTO PDS EM ANAPU

4.4. A criação do PDS Virola Jatobá e PDS Esperança

Segundo Santos (2011, p. 66) a proposta inicial apresentada pelo movimento social local em seminários com participação do Incra, Ibama, CPT e Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), era o da criação de uma Reserva Extrativista sobre as áreas pretendidas. Porém, inúmeras discussões com a participação dos órgãos inseridos nesse debate constataram a realidade do município, na qual muitas famílias já habitando essas áreas não apresentavam o perfil de extrativista. Portanto, devido às áreas não atenderem critérios do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), como a não existência de populações tradicionais, o movimento social opta por demandar a implementação em Anapu de um novo modelo de reforma agrária discutido no âmbito do governo federal a partir de 1999, que em sua formulação expressa o interesse social e ecológico, destinado às populações que baseiam sua subsistência no extrativismo, na agricultura familiar e em outras atividades de baixo impacto ambiental, o PDS (MDA/INCRA/ portaria N° 477/99).

Diante das discussões, em 1997 foi oficialmente registrado no Incra (sob o nº 54100.002349/00-97) o pedido dos movimentos sociais de Anapu para conciliar o assentamento de agricultores da Transamazônica em área de interesse ambiental, gerando um desenvolvimento não predatório e sustentável, onde há proteção e respeito aos direitos humanos (SAUER, 2005, p.88). A proposta inicial incluía 24 lotes de três mil hectares na Gleba Belo Monte e 21 lotes também de três mil hectares na Gleba Bacajá, totalizando 45 lotes e 135.000 hectares destinados à agricultura familiar nos PDS.

A modalidade PDS foi criada pelo Incra por meio da Portaria/Incra nº 477, de 04 de novembro de 1999 e regulamentada pela Portaria/Incra nº 1.032 de 25 de outubro do no de 20008. Na prática, o PDS flexibilizou a resolução que proibia a criação de

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Dados disponíveis no Diário Oficial da União, Seção 1 de 12 de dezembro de 2002 no site: http://www.in.gov.br/

assentamentos em área florestal, para casos onde caberiam o extrativismo e manejo dos recursos florestais existentes e agricultura familiar de baixo impacto ambiental, em áreas de interesse social e também ecológico. De acordo com normativa estipulada pelo Incra, as áreas para criação de PDS devem ser destinadas perante ―concessão de uso, em regime comunal, segundo a forma decidida pelas comunidades concessionárias, seja associativista, condominial ou cooperativista‖.

Após a entrada do requerimento para a implementação de PDS, foi solicitado ao Incra um recadastramento de todas as terras na região. Esse procedimento foi efetivado no ano de 1999, averiguando-se que todos os lotes pleiteados eram grandes e improdutivos, e, portanto, todos poderiam ser destinados ao programa de reforma agrária. Alguns lotes já tinham sido revertidos legalmente em terras da União e outros se encontravam em fase de cancelamento dos CATPs (SAUER, 2005, p.89).

No ano 2002, mais especificamente no mês de novembro, o Incra criou oficialmente os PDS de Anapu, através da Portaria Incra/SR-01 nº 39/20029. A proposta previa a implantação de quatro PDS, beneficiando cerca de 600 famílias, que receberiam assistência técnica, apoio financeiro e infraestrutura para desenvolver o projeto de forma sustentável. Porém, após emitir a Portaria, o Incra passou a travar uma batalha judicial contra fazendeiros e madeireiros que pretendiam retomar as terras pertencentes à União, o que inclusive impediu a demarcação dos lotes dos PDS (SAUER, 2005). No ano de 2003, com a eleição do novo governo federal, foram retomadas ações no sentido de acatar as reivindicações dos movimentos sociais de Anapu. Após anos de luta para que o projeto fosse implantado, finalmente em maio de 2003, foi realizada uma ação conjunta do Incra, Ibama e Polícia Federal com a finalidade de cadastrar as famílias já assentadas e outras pretendentes, retirar os madeireiros e fazendeiros ilegais e retomar a posse das áreas, já revertidas judicialmente para o Incra e destinadas aos dois PDS. E em 25 julho de 2003 na Festa do Produtor de Anapu, foi anunciada a efetivação da proposta do PDS, sendo então efetivamente estabelecidos os quatro PDS, conforme previsto, totalizando 70 mil hectares10.

O STTR de Anapu, juntamente com as organizações populares envolvidas, seguindo os critérios presentes na portaria de criação dos PDS, traçou um plano de

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Portaria publicada no Diário Oficial da União, seção 1, nº 240, de 12 de dezembro de 2002, disponível no site: http://www.in.gov.br/

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PDS Anapu I abrange os lotes 16, 20, 21, 23, 25, 27, 29, 60, 61 e 62. PDS Anapu II os lotes 56 e 58, na gleba Bacajá. PDS Anapu III, abrangendo os lotes 110, 136, 138, 139, 158, 162, 178 e o PDS Anapu IV, abrangendo os lotes 107 e 132, na gleba Belo Monte.

utilização. De acordo com esse plano, os beneficiados deveriam respeitar a legislação ambiental e seguir critérios de sustentabilidade, implantando e concretizando atividades produtivas para permitir a reprodução das espécies vegetais e o reflorestamento das áreas desmatadas, além de possibilitar melhorias nas condições de vida da população local.

As organizações envolvidas se preocupavam em organizar uma metodologia de uso do PDS na qual o beneficiado não voltasse a repetir os erros outrora cometidos por aqueles que utilizaram de forma irregular seus CATPs, como a venda de suas terras, ou utilizar as mesmas de forma indevida. Assim, o plano de utilização elaborado pelo STTR estabelecia não somente os direitos dos beneficiados, mas também as responsabilidades e um método de fiscalização, juntamente com suas penalidades.

Contudo, a violência imposta pelos madeireiros, fazendeiros e grileiros nos lotes destinados aos referidos projetos tem sido desde o início um grande obstáculo na implementação dos PDS. Tal configurou um cenário de abuso e medo, no qual as famílias são intimidadas e expulsas dos lotes por milícias armadas, contratadas por grileiros e madeireiros (SAUER, 2005).

Desde então o processo de consolidação destes assentamentos caracteriza-se por diversos problemas. Alguns deles relacionados à demora dos órgãos governamentais na regularização dos PDS. Outros, à falta de clareza, por parte dos próprios assentados, do que venha a ser um Projeto de Desenvolvimento Sustentável, que surge como uma alternativa aos tradicionais assentamentos realizados na Transamazônica por meio da colonização dirigida. De fato, os PDS perpassam por diferentes realidades e desafios na construção de seus propósitos. As propostas sustentáveis e restritivas nem sempre são aceitas por todos, já que o sistema produtivo predominante na região é baseado na utilização indiscriminada dos recursos naturais. Aliado a isso está a insuficiente infraestrutura básica (escolas, hospitais, estradas, segurança) para os assentados em áreas com predominância de floresta, o que provoca a saída dessas famílias para as cidades, expondo-as a uma condição de vida com acentuada exclusão social, além de causar o enfraquecimento da atividade extrativista.

Apesar dos incansáveis esforços, os PDS de Anapu continuam enfrentando problemas, inclusive no que diz respeito à gestão ambiental, devido ao pouco conhecimento sobre a legislação pelos assentados, que têm dificuldade para entender e respeitar as áreas de preservação permanente (APP) e de reserva legal, que podem servir como fonte de renda, seja através da venda de madeira colhida de forma sustentável, ou

da exploração de outros produtos. Além desse fator, devido à falta de alternativas tecnológicas e de infraestrutura de qualidade, os assentados acabam por buscar renda em seus lotes com estratégias de curto prazo, isto é, pela retirada da madeira e pela conversão da terra em pastagem para uma futura venda, mesmo que proibida. Dessa forma, no processo de efetivação dessa política no PDS, a atuação do Incra, e de outras instituições do poder público, foi muitas vezes questionada pelas organizações sociais e pelas famílias assentadas.

Como experiência pioneira, os PDS de Anapu ainda geram opiniões controversas. De um lado estavam os grileiros que pretendiam o controle dessas áreas, e do outro os movimentos sociais da região que aderiram e fortaleceram a luta pela criação da modalidade de assentamento, num movimento em favor da permanência e viabilidade da agricultura familiar, visando uma agricultura mais satisfatória em relação aos aspectos ecológicos e econômicos. Conforme pode se observar na narrativa,

Travou-se uma grande política de pensamentos nessa época, porque muita gente, mesmo que não pretendesse um pedaço dessa terra, acompanhava a gente e nos apoiava, porque tinha esse mesmo pensamento de daqui a muito tempo, nós iriamos ter uma área de mata bem preservada dentro do município. Mas, por outro lado, quem gosta de destruir mesmo, inclusive o setor madeireiro, travou uma grande disputa, começando aquelas intrigas entre os pequenos que eram os agricultores com os grandes fazendeiros e os madeireiros, porque realmente eles não pensavam nisso. Eles pensavam era em invadir tudo, tirar toda a madeira, aquela coisa, então deu aquela disputa. Principalmente porque foi a época que mais tinha madeireira em Anapu, tinha 21 madeireiras, e os madeireiros pretendiam demais aquela área (Ivan- Asseefa).

Pacheco e colaboradores afirmam que até o ano de 2004 o município de Anapu estava incluso no maior polo madeireiro da microrregião de Altamira, com 22 empresas madeireiras funcionando. Além disso, segundo os autores, era intensa a utilização de Licenças de Desmatamentos e Autorizações de Transportes de Produtos Florestais (ATPF) pelos madeireiros locais intermediários, que têm nessa transação barata a possibilidade de maquiar a madeira retirada ilegalmente de áreas da União (PACHECO et al., 2009, p. 20). A premissa de desenvolvimento sustentável ainda é motivo de muitas discussões por parte de defensores e críticos. Neste sentido, a implementação do PDS em Anapu é um grande desafio, pois implica em subverter a ordem estabelecida há décadas, pelo modelo de desenvolvimento excludente (SACHS, 2004), que ainda predomina na Amazônia.