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Âmbito de aplicação do anterior Código; em especial, a extensão do Código a entidades exteriores à Administração

No documento O Novo Cdigo do Procedimento Administrativo (páginas 37-40)

ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO NOVO CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ∗

1. NOÇÕES GERAIS

1.4. Âmbito de aplicação do anterior Código; em especial, a extensão do Código a entidades exteriores à Administração

Façamos agora uma breve síntese sobre as linhas mestras do art.º 2.º do anterior Código.

Estabelecia o Código de 1991, logo no n.º 1 do seu art.º 2.º, a regra da integral aplicação do diploma a toda a Administração Pública em sentido subjetivo (o mesmo é dizer, a todos os órgãos das tradicionais pessoas coletivas públicas), no desempenho da sua atividade

administrativa de gestão pública (que ela Administração desenvolve por norma) e no âmbito

das relações estabelecidas com particulares – estendendo ainda a respetiva e integral aplicação aos órgãos públicos não administrativos, no desempenho de funções materialmente

administrativas.

Era pois a Administração Pública em sentido objetivo referenciada por duas expressões genéricas – «atividade administrativa de gestão pública» e «funções materialmente administrativas» –, as quais a primeira versão do anteprojeto do atual Código, ainda numa linha de continuidade com o Código de 91, começou por substituir pelo conceito amplo de «desempenho da atividade administrativa», pretendendo atribuir-lhe o mesmo significado.

Para delimitar o normal âmbito de aplicação do diploma, o Código anterior partia assim do critério orgânico de Administração Pública, para o cruzar, num segundo momento, com os referidos critérios materiais, reportando-se nomeadamente à atividade primordialmente desenvolvida pelo Estado-Administração e pelas demais pessoas coletivas de direito público, que é a atividade de gestão pública (expressa em formas jurídicas de direito administrativo).

Isto mesmo estabelecia primeiramente o legislador do anterior Código (na parte inicial do n.º 1 do seu artigo 2.º), aliás de um modo reforçado (pois o n.º 6 reiterava esse primordial âmbito de aplicação), para depois – e só depois – tratar das exceções, nomeadamente da aplicação do Código também (i) aos atos materialmente administrativos dos outros órgãos do Estado não integrados na Administração Pública (na segunda parte do n.º 1 do artigo 2.º), (ii) aos atos praticados por entidades privadas no exercício de poderes públicos de autoridade nelas delegados (no n.º 3 do artigo 2.º), e (iii), por fim, no n.º 5 do mesmo artigo, para mandar aplicar apenas as disposições do Código consagradoras dos princípios gerais da atividade

administrativa e concretizadoras de preceitos constitucionais à atuação da Administração Pública de caráter técnico (atuação material ou não expressa em formas jurídicas) e de gestão

privada (expressa em formas jurídicas de direito privado).

Nas sugestivas palavras de LUÍS FÁBRICA, o conceito de gestão pública adotado no artigo 2.º (n.ºs 1 e 6) era (e é) um conceito complexo, que traduzia (traduz) “o quadro jurídico específico dos entes públicos (ou, noutra perspetiva, do setor primordial da sua atividade)”1, enquanto

titulares de poderes de autoridade e de outras posições jus-publicísticas, que lhes caberiam (cabem) em exclusivo. Isto em contraponto aos poderes de autoridade tout court das entidades concessionárias referidos no n.º 3 do mesmo artigo 2.º, desligáveis da respetiva titularidade e “transferíveis para outros entes, exteriores à Administração Pública e exteriores ao Estado”, os quais assim “exerceriam poderes alheios, transferidos pelos entes públicos titulares dos mesmos”2. Em suma, concluía o autor, só os entes públicos atuariam “em termos

de gestão pública, limitando-se os particulares a específicos poderes de autoridade”3.

E bem se compreende a ratio deste esquema dicotómico: é que apenas as pessoas coletivas de direito público dispõem de capacidade jurídica de direito público, o mesmo é dizer que apenas elas podem à partida, e como normal manifestação dessa capacidade, praticar atos administrativos e emanar regulamentos administrativos (e, ainda, celebrar contratos administrativos).

Diferentemente, os (pretensos) atos administrativos praticados por uma qualquer entidade privada fora dos poderes que lhe estejam delegados, pura e simplesmente inexistem enquanto tal (valendo apenas como manifestações da autonomia privada dos seus autores).

Focando-nos agora especificamente no regime de sujeição das entidades privadas do anterior Código, mandava o n.º 3 do art.º 2.º aplicar os preceitos do diploma “aos atos praticados por entidades concessionárias no exercício de poderes de autoridade”.

1 Âmbito de aplicação do Código de Procedimento Administrativo, in CJA, n.º 82, Jul./Ago. 2012, p. 9.

2 Op. cit., loc. cit. 3 Op. cit., loc. cit.

A formulação deste normativo foi muito criticada por ser, no seu teor literal, demasiado restritiva.

Desde logo eram (e são) as entidades concessionárias, no rigor dos conceitos, e por definição,

entidades substancialmente privadas (privadas não apenas na sua forma jurídico-organizativa,

mas igualmente na sua natureza profunda); ora, não podiam por maioria de razão as chamadas entidades administrativas em forma privada (como as sociedades comerciais de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos), sempre que lhe fossem delegados (e não, em rigor, concessionados) poderes públicos e exercessem tais poderes, deixar de se submeter igualmente às disposições do Código.

Também as empresas concessionárias (de obras públicas, de serviços públicos e de exploração de bens do domínio público) não esgotavam (e não esgotam) o fenómeno do exercício privado de funções públicas, existindo outras entidades substancialmente privadas com poderes públicos administrativos concessionados ou delegados (como, por exemplo, as federações de utilidade pública desportiva) que não eram em rigor concessionárias mas a quem, por identidade de razão, se deveria aplicar o Código toda a vez que exercessem tais poderes.

Por último, sustentavam ainda algumas vozes que não se deveria aplicar o Código apenas aos casos de delegação e exercício de poderes públicos de autoridade, mas também e ainda a todos os demais casos de delegação e exercício, por entidades privadas, da função administrativa, ainda que as normas administrativas atributivas desses poderes públicos (entendido agora o conceito no seu sentido mais lato) não envolvessem de modo explícito prerrogativas de autoridade. Foi sobretudo este o problema a que, segundo cremos, o novo Código procurou dar resposta, como melhor verá.

Refira-se entretanto que a doutrina e a jurisprudência foram estendendo o alcance do n.º 3 do art.º 2.º do anterior Código, através de interpretação extensiva ou integração analógica, às demais entidades formal e/ou substancialmente privadas com poderes públicos delegados cuja submissão às respetivas disposições era exigida por razões de ordem lógica (argumento da identidade ou maioria de razão), sistemática e teleológica, mas que uma leitura demasiado literal deste normativo poderia excluir do respetivo âmbito de aplicação.

No documento O Novo Cdigo do Procedimento Administrativo (páginas 37-40)

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