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Realização da conferência procedimental

No documento O Novo Cdigo do Procedimento Administrativo (páginas 139-143)

BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA

II. O regime jurídico da conferência procedimental

II.4. Realização da conferência procedimental

10. A realização (propriamente dita) da conferência procedimental – que pressupõe, portanto,

a sua prévia instituição, nos termos do estabelecido no artigo 78.º, n.os 1 e 2, do novo CPA –

segue o disposto no artigo 79.º do novo CPA. A conferência procedimental é obrigatoriamente convocada por reporte “a uma situação concreta”, (i) por iniciativa do próprio órgão administrativo determinado no acto que instituiu a possibilidade de realização da conferência ou (ii) a pedido de um ou mais interessados da relação jurídica procedimental.

No contexto da conferência procedimental a pedido dos interessados, a lei estabelece que o órgão administrativo, referido no artigo 78.º, n.º 3, alínea a), do novo CPA, dispõe de 15 dias para a respectiva convocação (cfr. o artigo 79.º, n.º 2, do novo CPA). Quer isto dizer que, quando requerida por um ou mais sujeitos privados da relação jurídica procedimental, a sua realização é, nos termos do novo CPA, obrigatória, devendo ser convocada no aludido prazo. Trata-se de 15 dias úteis, em face do preceituado no artigo 87.º, alínea c), do novo CPA.

Pergunta-se, todavia, o seguinte: o que sucede em caso de falta de convocação da conferência procedimental, nesse prazo? Dispõe o particular de um meio processual que lhe permita ultrapassar a inacção do órgão determinado no respectivo acto institutivo?

A nosso ver, esse meio existe e encontra-se consagrado no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante “CPTA”). Trata-se da acção administrativa de condenação à prática

44 Cfr. MARTA PORTOCARRERO, Modelos de Simplificação Administrativa..., p. 128. Sobre a necessidade de ser

assegurada a entrega de tal documento, vide, ainda, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do..., pp. 105 e 106.

de acto devido, com assento legal no artigo 66.º e ss. da aludida codificação45. Com efeito,

para fazer face a situações de omissão ou de recusa de prática de decisões administrativas, o legislador ordinário, em cumprimento do disposto no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, previu o aludido meio processual, devendo o mesmo ser accionado em situações de falta, ou seja, de omissão de convocação da conferência procedimental no prazo de 15 dias.

Note-se que, em tais casos, o acto administrativo cuja prática se pretende obter judicialmente é contenciosamente relevante, à luz do disposto no artigo 66.º, n.º 1, do CPTA. É assim, fundamentalmente, porque a omissão administrativa, que se pretende suprir com a condenação à prática do acto devido, é lesiva da posição jurídica do particular que almeja a convocação e consequente realização da conferência procedimental.

Acresce que o “procedimento prévio”46 à propositura da correspondente acção de condenação

à prática de acto devido, previsto no artigo 67.º, n.º 1, alínea a), do CPTA47, se encontra

verificado e, assim sendo, a mobilização desse meio processual não enfrenta, na nossa perspectiva, qualquer obstáculo jurídico. A dificuldade que apresenta é apenas uma e assume cariz extrajurídico: a crónica morosidade do sistema de justiça português, não sendo expectável que o particular almeje desbloquear, judicialmente, a falta de convocação da conferência procedimental num curto lapso temporal48.

Em síntese, a inacção do órgão com competência para convocar a conferência procedimental constitui um elemento paralisador, senão mesmo bloqueador, do bom propósito do legislador ao prever a possibilidade de instituição de conferências procedimentais e a existência do aludido meio processual não garante a resolução, em prazo razoável, da situação criada pelo

45 É de notar que a mesma foi, entretanto, revista pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro. Nos termos da

nova redacção conferida ao artigo 37.º do CPTA, os processos que tenham por objecto a condenação à prática de actos administrativos devidos, nos termos da lei ou de vínculo contratualmente assumido, passam a seguir a forma da acção administrativa, ou seja, da forma única, que veio extinguir o “modelo dualista” (acção administrativa comum / acção administrativa especial) até então consagrado pelo legislador. No mais, especificamente quanto à acção administrativa de condenação à prática de acto devido, continua a relevar – conforme se referiu – o preceituado no artigo 66.º e ss. do CPTA (revisto).

46 Cfr. J

OSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, 14.ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, p. 182.

47 A formulação de tal preceito normativo é a seguinte: “A condenação à prática de acto devido pode ser pedida

quando, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir: a) Não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente previsto”.

48 O direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável é, aliás, uma das posições jusfundamentais que, com

maior frequência, é violada, entre nós. A sua preterição é diária, como o comprova, sem qualquer hesitação, a numerosa jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, proferida sobre tal temática. Cfr., entre

outros, TIAGO SERRÃO, “A subsidiariedade da tutela jurisdicional conferida pelo TEDH no âmbito do direito à obtenção

de uma decisão em prazo razoável”, in O Direito, Ano 143.º, IV, Almedina, Coimbra, 2011, p. 793 e ss.

referido órgão administrativo, atenta a apontada razão relacionada com o moroso funcionamento do sistema português de justiça.

11. Ainda no que diz respeito à realização da conferência procedimental, importa assinalar que

a convocatória deve observar um prazo mínimo de 5 dias (igualmente úteis) em relação à data pretendida para a realização da conferência, “podendo os órgãos participantes, em caso de

impossibilidade fundamentada, propor um adiamento não superior a 10 dias” (cfr. o artigo

79.º, n.º 3, do novo CPA). No mais, a par do modo tradicional de realização de reuniões administrativas, a conferência procedimental, em clara homenagem ao princípio da administração electrónica49, pode ocorrer por videoconferência (cfr. o artigo 79.º, n.º 4, do

novo CPA).

Ademais, o primeiro segmento do artigo 79.º, n.º 5, do novo CPA estabelece, de modo cristalino, um dever – supra referenciado – de participação na conferência procedimental, de cada um dos órgãos convocados50. Conexo com tal dever de participação, o legislador

determinou que a realização da conferência procedimental não fica comprometida pela ausência de um órgão regularmente convocado (cfr. o primeiro segmento do artigo 79.º, n.º 6, do novo CPA).

A par da determinação derradeiramente referida, o legislador fixou ainda uma solução normativa adicional para os casos de ausência – e, nessa medida, de não pronúncia – de um órgão administrativo regularmente convocado para participar na conferência procedimental. Nos termos, do preceituado no segundo segmento do artigo 79.º, n.º 6, do CPA, tal inacção administrativa ou, noutra formulação, tal silêncio endoprocedimental comporta valor positivo. Se, todavia, se verificar a invocação, no prazo de 8 dias, de justo impedimento, não se poderá considerar que o órgão em apreço “nada tem a opor ao deferimento do pedido” (cfr. o segmento final do artigo 79.º, n.º 6, do novo CPA). Dito de modo claro, a invocação, no prazo

49 Sobre este princípio vide, por reporte ao anteprojecto de revisão do novo CPA, MIGUEL PRATA ROQUE, “Mais um

passo a caminho da Administração globalizada e tecnológica?”, in Direito&Política, n.º 4, Julho / Outubro de 2013,

p. 166 e ss. e, por referência ao novo CPA, PAULO OTERO, Direito do Procedimento Administrativo, Volume I,

Almedina, 2016, pp. 102 e 103. Na letra da lei, atente-se, fundamentalmente, no disposto no artigo 14.º do novo CPA.

50 Para efeitos de participação (válida) na conferência procedimental, cada um dos órgãos deve delegar, “para o

efeito, num dos seus membros, no caso de órgãos colegiais, ou em agentes dele dependentes os poderes necessários para nela assumir, de modo definitivo, a posição do órgão sobre a matéria da deliberação a adoptar, ou para tomar ele próprio a decisão correspondente à competência do órgão, no âmbito das conferências de coordenação” (cfr. o artigo 79.º, n.º 5, do novo CPA).

assinalado, de justo impedimento impede a atribuição de valor positivo ao silêncio do órgão faltoso, apesar de regulamente convocado.

A solução em apreço é, naturalmente, de louvar51 e é a única que se coaduna com o fito da

figura em apreço, devendo valer, inclusivamente, por identidade de razões, nos casos em que o órgão se encontra presente na conferência deliberativa, mas, por qualquer motivo, não exprime a sua posição52. Note-se, contudo, que, no projecto, rectius, no anteprojecto que

esteve na base do novo CPA, a proposta normativa nesta matéria era diferente, ou seja, não se atribuía valor positivo à ausência de um determinado órgão à conferência procedimental deliberativa, tendo o legislador, em boa hora, mudado tal posicionamento. Se não o tivesse feito, o risco de inacção procedimental seria considerável e, nessa medida, a solução normativa seria altamente criticável.

12. Sempre no que se refere à realização (propriamente dita) da conferência procedimental, o

novo CPA prevê, conforme supra referido, que os órgãos titulares de competência consultiva que nela participem devem exprimir oralmente o sentido da sua decisão no contexto da própria reunião, dispondo do prazo de 8 dias (úteis), para proceder à junção do suporte escrito (cfr. o artigo 79.º, n.º 7, do novo CPA).

Por fim, o mesmo diploma legal estabelece que, sendo “necessário a uma boa decisão”, o interessado pode ser convocado para estar presente na conferência procedimental53, não

dispondo, porém, de direito de voto (cfr. o artigo 79.º, n.º 8, do novo CPA).

Esta solução é, na nossa perspectiva, criticável, nos casos em que a conferência procedimental tem lugar a requerimento do interessado. Enquanto agente impulsionador da realização da conferência procedimental, ao interessado deveria ser reconhecido o direito a estar presente na mesma, independentemente de a Administração entender (ou não) que a sua assistência se revela fundamental para “uma boa decisão”. É o que nos parece à luz do princípio da

51 Concordamos, assim, com M

ARTA PORTOCARRERO, Modelos de Simplificação Administrativa..., p. 134 ss.

52 Trata-se de casos em que não se constata uma falta física, mas verifica-se uma falta de participação efectiva do(s)

órgão(s) em causa.

53 A solução normativa em apreço é, assim, muito próxima da que consta do artigo 22.º, n.º 6, do Regime Jurídico

do Sistema de Indústria Responsável.

transparência administrativa54. A possibilidade de estar presente na conferência

procedimental cuja iniciativa lhe pertence seria, no fundo, uma espécie de prémio, face à sua conduta impulsionadora, circunstância que, em alguma medida, poderia, inclusivamente, motivar o(s) interessado(s) a requerer a convocação de tal figura. Não foi essa, porém, a solução que vingou no novo CPA.

No documento O Novo Cdigo do Procedimento Administrativo (páginas 139-143)

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