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Problemas jurídicos conexos

No documento O Novo Cdigo do Procedimento Administrativo (páginas 131-136)

BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA

II. O regime jurídico da conferência procedimental

II.2. Problemas jurídicos conexos

3. A propósito do que ficou dito nas linhas anteriores em matéria de modalidades de

conferência procedimental, podem colocar-se três questões fundamentais, com assinalável relevância teórica e prática:

a) Na medida em que, quer na conferência deliberativa, quer na conferência de coordenação,

o que se visa é a prática de actos administrativos, estará vedada a participação, no seu âmbito, de órgãos titulares de mera competência consultiva?

b) Em face da prática de um acto complexo no contexto da conferência deliberativa, quem e

em que termos deterá competência revogatória e anulatória dessa decisão?

c) Diante da prática de um acto complexo no contexto da conferência deliberativa, para quem

e em que termos se pode reclamar e recorrer hierarquicamente?

4. A resposta à primeira questão é incontestavelmente negativa, ou seja, os órgãos titulares de

mera competência consultiva não se encontram impossibilitados de participar em conferências deliberativas e em conferências de coordenação. É, aliás, o próprio CPA que não deixa dúvidas

21 Cfr. o artigo 5.º, n.º 1, do novo CPA: “A Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência,

economicidade e celeridade”. Na doutrina, vide MARTA PORTOCARRERO, “Procedimento administrativo – aspectos...”, p.

81. Sobre o princípio da boa administração no anteprojecto do novo CPA, vide, ainda, CARLA AMADO GOMES, “A «boa

administração» na revisão do CPA: depressa e bem...”, in Direito&Política, n.º 4, Julho / Outubro de 2013, p. 142 e

ss. e JOÃO PACHECO AMORIM, “Os princípios gerais da actividade administrativa no projecto de revisão do Código do

Procedimento Administrativo”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 100, Julho /Agosto de 2013, p. 18 e ss.

22 Cfr. MARTA PORTOCARRERO, “Procedimento administrativo – aspectos...”, p. 83, no segmento em que refere que “a

finalidade da conferência é aqui sempre a obtenção de decisões”.

23 A expressão é de COLAÇO ANTUNES, “Dificuldades do projecto de revisão do Código do Procedimento

Administrativo”, in Direito&Política, n.º 4, Julho / Outubro de 2013, p. 146.

a esse propósito, bastando para o efeito observar o disposto nos artigos 77.º, n.º 5 e 79.º, n.º 7, ambos do novo CPA. Com efeito, por reporte às conferências procedimentais relativas a um único procedimento, o novo CPA determina que “podem envolver apenas o órgão competente

para a decisão final ou para uma decisão intercalar e órgãos titulares de competências consultivas” (cfr. o artigos 77.º, n.º 5), inexistindo razões – bem pelo contrário – que impeçam

essa mesma participação, de órgãos titulares de mera competência consultiva, em conferências relativas a vários procedimentos conexos.

Por seu turno, do artigo 79.º, n.º 7, do novo CPA resulta a necessidade de os órgãos titulares de competência consultiva que participem numa conferência procedimental terem de exprimir “o sentido da sua decisão de forma oral, juntando o parecer escrito no prazo de oito dias, para

ser anexado à acta”24.

Dito de modo totalmente claro, os órgãos titulares de mera competência consultiva podem,

rectius, devem participar nas conferências procedimentais para as quais forem regularmente

convocados, nada obstando a tal participação a circunstância de tais órgãos não se encontrarem a praticar, nesse âmbito, actos administrativos. É o que decorre, de modo clarividente, das assinaladas disposições do novo CPA e é essa a solução que melhor se coaduna com o fim da figura em apreço, supra descrito.

5. Por seu turno, a resposta à segunda questão afigura-se bem mais complexa, sobretudo no

que diz respeito aos exactos termos em que deve ocorrer o exercício da competência revogatória e anulatória. Na nossa óptica, em face do disposto no artigo 169.º, n.os 2 e 3, do

novo CPA, a competência revogatória e anulatória de decisão administrativa (previamente tomada) pertence aos próprios órgãos participantes na conferência deliberativa (no fundo, aos seus autores) e aos respectivos superiores hierárquicos25.

Sucede que tal competência deve ser exercida nos exactos moldes em que foi praticado o acto administrativo de base. Quer isto dizer que a revogação e a anulação de tal decisão devem ocorrer no contexto da conferência procedimental, em rigor, de uma segunda conferência

24 Para uma crítica, totalmente fundada, à solução que integrava o artigo 69.º, n.º 3, do anteprojecto do novo CPA,

vide JOÃO TIAGO SILVEIRA, “A decisão administrativa…”, p. 118. A solução propugnada pelo Autor, no sentido de a

emissão dos pareceres ocorrer no contexto da própria conferência, foi, entretanto, adoptada pelo legislador.

25 Note-se que, por reporte à revogação de actos administrativos, o novo CPA estabelece que a competência dos

superiores hierárquicos só existe se não se estiver perante actos da competência exclusiva do subalterno (cfr. o artigo 169.º, n.º 2, in fine, do novo CPA).

procedimental. À primeira conferência procedimental, no âmbito da qual foi praticado um “acto de conteúdo complexo”, deve seguir-se uma segunda conferência procedimental26

tendente à respectiva revogação ou anulação.

Concretizando, não nos parece que um dos órgãos participantes na conferência procedimental, isoladamente considerado, possa proceder à aludida revogação ou anulação27.

Assim o impede, a nosso ver, o preceituado no artigo 169.º, n.os 2 e 3, do CPA: a autoria

material do acto é plural28, embora o exercício de competências decisórias tenha ocorrido de

modo concentrado, logo, um dos autores (parciais) do acto ou um dos superiores hierárquicos não pode proceder à respectiva revogação ou anulação.

No mais, conforme se expôs, na falta de resposta clara no novo CPA, julgamos que tal acto revogatório ou anulatório só poderá ocorrer no contexto de uma nova conferência, composta pelos mesmos órgãos participantes da primitiva conferência deliberativa ou pelos respectivos superiores hierárquicos, assim o impondo razões de identidade estrutural com o modo como foi praticado o acto que se pretende revogar ou anular. Deve, pois, ser aqui expressamente convocado (e aplicado) o princípio da identidade ou do paralelismo de formas / procedimentos, actualmente com assento no artigo 170.º, n.º 1, do novo CPA.

6. A resposta que acabou de se formular para a segunda questão, releva, mutatis mutandis,

para a terceira interrogação. Efectivamente, na nossa perspectiva, a apresentação de uma reclamação administrativa de um acto de conteúdo complexo, praticado no âmbito de uma conferência deliberativa, deve ocorrer perante os seus autores (cfr. o artigo 191.º, n.º 1, do novo CPA), que, para efeitos de apreciação e decisão de tal meio gracioso, deverão reunir novamente, nos exactos termos em que ocorreu o “exercício conjunto das competências

decisórias”, a que se refere o artigo 77.º, n.º 3, alínea a), do novo CPA.

26 Alternativamente, pode falar-se, não de uma nova conferência procedimental, mas de uma extensão da

conferência procedimental previamente realizada.

27 CfrMARTA PORTOCARRERO, “Procedimento administrativo – aspectos...”, p. 85 e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral

do…, p. 97.

28 Em rigor técnico, estamos perante um acto complexo, na medida em que provém de mais do que um órgão

administrativo. Trata-se, na nossa óptica, de uma complexidade igual, na medida em que, de um prisma qualitativo,

a intervenção dos órgãos participantes é similar. Sobre os conceitos em apreço, vide FREITAS DO AMARAL, Curso de

Direito Administrativo, volume II, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, p. 254 e, entre outros, MARCELO REBELO DE

SOUSA /ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2.ª edição, Dom Quixote, Alfragide, 2009, p.

95.

Fica deste modo totalmente claro que não se considera que a conferência deliberativa – e a conferência procedimental em geral – consubstancie ou possa funcionar como um órgão colegial29. É assim porque o novo CPA não a qualifica desse modo e ainda porque as

competências decisórias não pertencem à própria conferência. Como se viu, especificamente no domínio da conferência deliberativa, as competências decisórias permanecem na titularidade dos diversos órgãos participantes. O que se assiste é, tão-somente, a um exercício conjunto de tais competências decisórias, expresso na prática “de um único acto complexo”. Citando MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, o que se constata é, sem qualquer dúvida, “a reunião de diversas vontades orgânicas, que se exprimem na prática, pela manifestação necessariamente

unânime da vontade de todos os participantes na conferência, de um acto complexo”30. Ora,

assim sendo, a reclamação administrativa de um acto deste tipo deve ser apresentada, como se afirmou, perante os seus autores, que deverão reunir no contexto de uma nova conferência procedimental com esse específico objectivo, a saber, decidir a reclamação apresentada.

Mas, posto isto, importa questionar: se a conferência deliberativa não é um órgão colegial e se, assim sendo, a reclamação deve ser apresentada aos autores do acto complexo praticado no contexto da assinalada conferência, como é que, em termos práticos, se deve comportar o reclamante? Deve apresentar, no prazo legalmente estipulado, um exemplar da reclamação junto de cada um dos órgãos participantes – no fundo, perante cada um dos órgãos autores da decisão administrativa praticada – que depois se reunirão em sede de nova conferência deliberativa? Ou bastará que o reclamante, dirigindo-a formalmente a todos os órgãos participantes na conferência, apresente um único exemplar da reclamação ao órgão com competência para convocar e presidir à conferência, equivalendo tal comportamento, para todos os efeitos legais, a uma apresentação da reclamação junto dos autores do acto administrativo?

Perante a lacuna legislativa que se constata neste domínio, entendemos que a melhor solução – no fundo, a solução normativa “que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar

dentro do espírito do sistema” (cfr. o artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil) – se encontra na

29 No contexto do anteprojecto do novo CPA, e por referência à conferência deliberativa, há, na doutrina, quem se

tenha referido à proximidade da figura com um órgão colegial, em termos de funcionamento (cfr. JULIANA FERRAZ

COUTINHO, “O que há de novo no procedimento administrativo do acto?”, in Revista da Faculdade de Direito da

Universidade do Porto, ano X, Porto, 2013, p. 259). A Autora questiona, inclusivamente, se ao funcionamento das conferências deliberativas não deve ser aplicável o regime jurídico dos órgãos colegais. Negando, expressamente, o

funcionamento das conferências deliberativas como órgãos colegiais, vide MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do...,

p. 96 e LUIZ S.CABRAL DE MONCADA, Código do Procedimento…, pp. 298 e 299. Sobre a questão em apreço vide, ainda,

MARIANA FARIA MAURÍCIO, “Algumas notas sobre...”, p. 1056 e ss.

30 Cfr. M

ÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do..., p. 96.

segunda via enunciada. É essa a solução que, também aqui, se mostra juridicamente mais adequada, atento o propósito, oportunamente referenciado, da figura em apreço: a promoção da eficiência, da economicidade e da celeridade da actividade administrativa. Assim sendo, a apresentação da reclamação junto do órgão com competência para convocar e presidir à conferência deve equivaler, para efeitos de cumprimento do disposto no artigo 191.º, n.º 1, do novo CPA, a apresentar a reclamação junto dos autores do acto reclamado.

Em suma, a reclamação deve ser formalmente dirigida aos diversos autores do acto, mas, atentas razões pragmáticas não despiciendas, a respectiva apresentação deve ocorrer, unicamente, junto do órgão com competência para convocar e presidir à conferência, seguindo-se os demais trâmites procedimentalmente previstos31.

No que concerne ao recurso hierárquico, entendemos que o mesmo deve ser apresentado junto dos autores do acto (cfr. o artigo 194.º, n.º 2, do CPA), leia-se, junto do órgão com competência para convocar e presidir à conferência procedimental em que foi praticada tal decisão administrativa. Recorre-se, também aqui, a um expediente prático: simula-se que a apresentação do recurso junto do órgão com competência para convocar e presidir à conferência procedimental em que foi praticada a decisão administrativa equivale, para todos os efeitos legais, à efectiva apresentação de tal meio gracioso junto dos autores do acto32.

Por força do disposto no artigo 194.º, n.º 1, do novo CPA, o recurso hierárquico deve ser dirigido aos mais elevados superiores hierárquicos dos autores do acto, “salvo se a

competência para a decisão se encontrar delegada ou subdelegada”. No mais, a decisão do

recurso hierárquico deve ser tomada pelos mais elevados superiores hierárquicos dos autores do acto, em sede de nova conferência, assim o impondo as aludidas razões de identidade estrutural de cariz procedimental. Neste domínio pode, pois, falar-se, com propriedade, da necessidade de ser realizada uma conferência procedimental de segundo grau, onde será praticada a decisão a que se refere o artigo 197.º do novo CPA.

31 Cfr. o artigo 192.º do novo CPA.

32 Entendemos que é o órgão com competência para convocar e presidir à conferência procedimental que deve dar

cumprimento ao trâmite estabelecido no artigo 195.º, n.º 1, do novo CPA. Seguir-se-á a pronúncia dos autores do acto, reunidos em nova sessão da conferência procedimental de base (ou de primeiro grau), e a remessa do recurso para o “órgão competente para dele conhecer, notificando o recorrente da remessa do processo administrativo”, a que se refere o artigo 195.º, n.º 2, do novo CPA.

No documento O Novo Cdigo do Procedimento Administrativo (páginas 131-136)

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