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O âmbito da proteção contra cláusulas abusivas instituído pelo CDC

2.4 O problema da tutela do contratante vulnerável fora das relações de consumo

2.4.1 O âmbito da proteção contra cláusulas abusivas instituído pelo CDC

A proteção do consumidor foi elevada à categoria de direito fundamental na Constituição de 1988, insculpido no art. 5º XXXII, e positivado na Lei 8.078 em 1990. Foi fruto da necessidade de adequação do sistema jurídico às novas demandas sociais que perturbavam as codificações presas a uma concepção liberal clássica, muitas vezes alheia à prática e às anomalias presentes nas relações contratuais de consumo. Clamava-se por novas formas protetivas que não eram previsíveis dentro da mentalidade dos antigos Códigos.

Como é sabido, desde há muito, a prática comercial havia vulgarizado a forma padronizada e de adesão, reduzindo o número de contratos individualizados e, com eles, as cláusulas de comum acordo, delineadas pela negociação de detalhes das partes: nasceram as chamadas cláusulas gerais dos contratos, previamente estabelecidas pelo proponente e geralmente em seu benefício. O contrato já não poderia ser considerado acordo

378 A redução da cláusula a limites razoáveis também é admitida, em hipótese similar, pelo art. 591 do C.C.,

quando dispõe que os juros no mútuo não poderão, sob pena de redução, exceder a taxa legal de juros moratórios. Cf. NORONHA, 2002, p. 338, 345-346; cf. também SILVA, L., 2001, p. 45.

na declaração de vontades. Por isso, uma medida para restabelecer o equilíbrio foi buscar a proteção da parte mais fraca através da codificação dos direitos do consumidor.

No âmbito de proteção estabelecido pelo Direito do Consumidor, como visto, as cláusulas abusivas receberam atenção especial, precisamente em função da difusão dos contratos padronizados e de adesão, que forçaram o legislador a regulamentá-las. Como elas podem surgir em contratos de consumo sem padronização nem adesão, o legislador oferece proteção a todos os contratos de consumo. Mas, assim como nem todos os contratos de consumo são padronizados e de adesão, também nem todos os contratos padronizados e de adesão são de consumo. Quer isto dizer que nem todos os contratos padronizados e de adesão, com seu espaço propício para as cláusulas abusivas, são tutelados pelo CDC. Quando estabelecidos em vinculações contratuais que não possam ser inseridas em relações de consumo, em princípio estarão excluídos da tutela prevista no CDC379. Mas, quais são os contratos de consumo? Há controvérsias quanto a essa caracterização.

Portanto, convém definir claramente quais as relações contratuais que recebem a “proteção contratual” direta do Código de Defesa do Consumidor, sem qualquer análise sobre a busca de extensão da proteção. Ao compreender-se o alcance dessa legislação tutelar instituída, saber-se-á, por exemplo, em que casos poderão os empresários litigar uns contra os outros, com um deles invocando a qualidade de consumidor, e sem socorrer-se a uma eventual equiparação a esse, conforme o art. 29.

No ensejo de visualizar quais os contratos que estão fora do âmbito do Direito do Consumidor, definir-se-ão as relações contratuais de consumo. Em contrapartida, será possível verificar que há uma infinidade de contratos semelhantes que não se beneficiam diretamente dessa proteção específica. Assim, se verá com maior clareza quais contratos que, em princípio, não estão protegidos pelo CDC, para os quais se poderia pensar, posteriormente, alguma alternativa nesse sentido. Esse assunto precisa ser estudado neste momento.

a) Caracterização dos contratos de consumo

Desde logo, cabe estabelecer uma noção legal dos contratos de consumo: são de consumo “os contratos que regulam relações de consumo”, isto é, todos os contratos celebrados nas relações entre “fornecedores” e “consumidores”, para “fornecimento de produtos e serviços” (Código, arts. 2º, 3º, 46 e 51).

Portanto, no conceito de relação contratual de consumo, é essencial a presença de um consumidor, um fornecedor e o fornecimento de produtos ou serviços. A conceituação desses termos envolve um campo de profundas polêmicas, as quais não há condições de aprofundar, dada à exigüidade do espaço; assentimos, porém, que são fundamentais para a compreensão do âmbito de proteção do CDC.

Como ensina Fernando Noronha, “as relações de consumo têm como razão de ser produtos e serviços, que os fornecedores intentam colocar no mercado. A própria caracterização dos sujeitos da relação obrigacional de consumo, em especial do consumidor, está vinculada à questão de saber o que sejam produtos e serviços”380.

O Código procura caracterizar produtos e serviços, nos §§ 1º e 2º do art. 3º, preceituando que produto “é qualquer bem, móvel, material ou imaterial”; e que serviço “é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Mas, para o Direito do Consumidor, só interessam os produtos e serviços de que os consumidores sejam destinatários finais. É essa destinação final que indica a natureza do produto ou serviço como sendo de consumo. Assim, o Direito do Consumidor considera apenas as coisas e os fatos que sejam considerados bens de consumo, por contraposição a bens de produção381.

Outro elemento essencial para que se configure uma relação de consumo está descrito no art. 3º do CDC: “fornecedor” é “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.

Essa noção legal de “fornecedor” é clara: importa saber que “de consumo serão os contratos celebrados pela empresa no âmbito da sua atividade econômica, que disserem respeito à alienação de produtos ou à prestação de serviços e tiverem consumidores como contrapartes”382.

Então, a noção de atividade econômica também se mostra importante para fixar quem é o fornecedor383. Essa é a atividade “profissionalmente organizada, de produção ou distribuição de bens, ou de prestação de serviços” (cf. art. 966 do C.C. e art. 3º do CDC). Por exemplo, o contrato não será de consumo

380 NORONHA, 2002, p. 104. 381

Cf. NORONHA, 2002, p. 104.

382 NORONHA, 2002, p. 222.

383 Como bem observa Alberto Amaral Júnior, “os bens ou serviços devem ser colocados no mercado por alguém

que se encontre no exercício da atividade empresarial. A relação de consumo não ocorre entre comerciantes ou particulares apenas” (AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Proteção do consumidor no contrato de compra e venda. São Paulo: RT, 1993. p. 107).

quando um cidadão comum vende a outro um veículo usado, ou dá em locação um apartamento384, ou mesmo quando o profissional vende objeto seu, sem qualquer relação com a atividade comercial. Se de um lado não há um fornecedor, não há um contrato de consumo; mesmo que do outro lado ainda haja um consumidor, em princípio este estaria excluído da proteção do CDC. Em hipóteses como essas, as relações contratuais que apresentarem cláusulas abusivas aparecem problemáticas.

Além disso, para a incidência do Código, não basta que haja “produtos ou serviços” e um “fornecedor”, é necessário ainda um “consumidor”. Saber quem é a pessoa que adquire os produtos ou utiliza os serviços, qual é a finalidade que tem em vista, será fundamental para a distinção entre bens de produção e de consumo. Neste ponto surge a necessidade de perquirir o conceito de consumidor, que é mais polêmico do que os anteriores.

Existem basicamente duas direções para definir o consumidor, conforme as correntes subjetivista e objetivista. A subjetivista enfatiza a pessoa física consumidora, o não profissional, como parte vulnerável merecedora de tutela, “se interessa mais sobre a pessoa do que sobre o ato, mais sobre a intenção do que ao fato”385; e a objetivista realça a condição de “destinatário final” dos produtos ou serviços.

384

Segundo Luiz Antônio Rizzatto Nunes “a idéia de atividade é o que caracteriza o conceito de fornecedor. Atividade essa que pode ser rotineira ou eventual”. Adiante explica: “Logo, numa típica relação de locação de imóvel, na qual figuram duas pessoas, uma locadora e outra inquilina, mas não sendo a locadora, fornecedora pela qualificação do CDC, esse não tem aplicação”. Pois “somente poder-se-ia falar em fornecedor se o locador desenvolvesse atividade de locação de imóveis, isto é, se se pudesse caracterizar a locação como um serviço oferecido (como o faz, por exemplo, uma locadora de automóveis)”. Ou seja, “não se deve confundir a relação existente entre locador e locatário, com a relação existente entre as imobiliárias e o locador e/ou locatário. As imobiliárias, que regularmente intermedeiam relações de locação de imóveis, são típicas fornecedoras, prestadoras de serviços e, nas relações com elas estabelecidas, há incidência, dentre outras normas, das regras do CDC” (NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Código de defesa do consumidor e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 271).

385 BOURGOIGNIE, Thierry. O conceito jurídico de consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo,

n. 2, p. 07-51, [1992]. p. 26. Thierry Bourgoignie faz uma interessante análise das vantagens e desvantagens de se adotar a concepção objetivista ou a subjetivista da definição jurídica de consumidor e conclui: “Somente uma compreensão subjetivista do fenômeno do consumo centrada sobre a pessoa do consumidor e sobre as condições nas quais ele realiza seu papel no centro do ciclo de produção-distribuição-troca-consumo, permitem revelar as oposições que atravessam o campo do consumo, identificar as fraquezas e necessidades do grupo sócio- econômico ‘consumidor’ no seio do ciclo e chegar assim a uma definição mais exata dos remédios que o direito é suscetível de trazer à situação do consumidor. Longe de se afastar a realidade econômica, uma tal tentativa dá conta das reais influências que se exercem sobre a função de consumir e os desequilíbrios que caracterizam as relações de consumo no centro do sistema econômico, influências e desequilíbrios que a concepção objetiva da definição do consumidor tende a passar silenciosamente, se não até negar” (BOURGOIGNIE, [1992], p. 26). Adiante o autor admite a seguinte extensão do conceito de consumidor, nessa corrente subjetivista: “Partindo-se da presunção que o profissional não é consumidor, deve ser deixada ao profissional a faculdade de tomar essa qualidade, desde que ele preencha duas condições, que se acumulam: de uma parte, a ausência de similitude entre o bem e o serviço que são objeto do ato para o qual o profissional reclama sua qualidade de consumidor, e os bens ou serviços que são objeto de sua especialidade comercial ou profissional; de outra parte, a pequena dimensão de sua empresa revela uma presumível fraqueza no mercado. A qualidade de consumidor ver-se-á recusada ao profissional, mesmo de dimensão modesta e sem força efetiva no mercado, que opera, por necessidade de sua atividade comercial ou profissional, operações ligadas à sua especialidade. Ela (qualidade de consumidor) também será recusada ao profissional que atua fora de sua especialidade, e portanto sem particular

Para construir o conceito legal de consumidor do CDC é preciso conjugar o art. 2º e o art. 4º, I, do CDC. Em primeiro lugar, o que merece mais destaque é precisamente o art. 2º, de acordo com o qual consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Mas é importante combinar a idéia de “destinatário final” com uma outra, a de “vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”, que está no art. 4º, I, e que é “o grande princípio cardeal do Direito do Consumidor”. Consumidor é efetivamente o destinatário final dos produtos ou serviços oferecidos no mercado, mas ele é protegido não propriamente por ser destinatário final e sim porque, nessa condição, é “vulnerável”386, em decorrência da padronização e da desigualdade de poder negocial.

O legislador brasileiro fez concessões aos subjetivistas, reconhecendo a condição de vulnerabilidade dos consumidores, porém adotou a corrente objetivista387. O Código é objetivista, enfatiza a “posição de elo final da cadeia de distribuição da riqueza”, deixando em segundo plano a vulnerabilidade do consumidor. Por isso, toda pessoa física ou jurídica, que adquire ou utiliza um bem ou serviço na condição de “destinatária final”, cumpre a condição necessária e suficiente para caracterizar-se como “consumidor”. Nessa concepção, a característica da “vulnerabilidade” indica “a razão justificativa do especial regime jurídico tutelar”388. Por isso, ela é fundamental para esclarecer outros preceitos do Código, como o art. 29, que mais interessa neste estudo.

A concepção objetivista permite a seguinte conclusão: o Código admite que o empresário seja qualificado como “consumidor”. Ou seja, “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços” (cf. C.C., art. 966) poderá, sem recorrer à equiparação aos consumidores, invocar as normas tutelares do CDC. Como diz Fernando Noronha, essa categoria pode ser chamada de consumidores-empresários: “terão essa condição as entidades que têm como substrato uma empresa, quando sejam destinatárias finais de produtos ou serviços”389.

capacidade mas cuja dimensão ou sua posição no mercado lhe confere alguma força de negociação”. Por hipótese, aquelas empresas que são beneficiadas pela contabilidade simplificada (microempresas) poderiam ser beneficiadas da qualidade de consumidor quando negociam fora de sua especialidade (BOURGOIGNIE, [1992], p. 31).

386 Cf. NORONHA, 2002, p. 126. 387

Rodolfo Camargo Mancuso explica que a experiência estrangeira também registra duas correntes. A subjetivista, verificada no Direito europeu, “aquela que valoriza o conceito de aquisição de bem ou serviço fora do âmbito profissional ou comercial”; nessa, o ponto de vista é o da atividade do consumidor. E a objetivista, que “tem como referência a cadeia de consumo”, cujo elo final, o consumidor, é aquele que “adquire bens e serviços para o atendimento de uma necessidade própria, como último destinatário”. Porém, o CDC parece ter optado pela corrente objetivista, fazendo algumas concessões à subjetivista; ou , mais precisamente adota uma definição que envolve um conceito misto, entre a teoria objetiva e a subjetiva (cf. MANCUSO, 1999, p. 165 et seq.).

388 Cf. NORONHA, 2002, p. 126. 389 NORONHA, 2002, p. 139.

Sendo destinatários finais de produtos ou serviços, podem ser consumidores-empresas: os industriais, os comerciantes, prestadores de serviços em nome individual (legalmente constituídos sob a forma de firmas individuais ou não), as sociedades empresárias (a sociedade por ações), as sociedades simples (a cooperativa); as empresas públicas e sociedades de economia mista, constituídas para a exploração do comércio ou da indústria, ou para a prestação de serviços; e até mesmo as empresas que antes não eram consideradas comerciais, como as que exercem atividades agrícolas390.

Porém, nem sempre é fácil saber se um empresário está adquirindo produtos ou serviços na condição de destinatário final, e não na de destinatário intermédio. Daí vale a pena aprofundar um pouco as duas direções, conforme as correntes subjetivista e objetivista.

Em princípio, a corrente subjetivista (finalista, minimalista) acentuava a “vulnerabilidade” para afirmar que o Código daria proteção apenas aos não profissionais391, os únicos naturalmente vulneráveis392. Hoje, pelo menos alguns dessa linha tendem a considerar que uma empresa que estiver adquirindo ou utilizando um produto ou serviço na situação de “vulnerabilidade” referida no art. 4º, I, deve ser considerada “consumidora”, à luz do art. 29 [3.4.2.c].

Assim, na atualidade, alguns sujetivistas, percebendo a vulnerabilidade crescente também dos não profissionais, vêm admitindo uma extensão da proteção do Código para os “empresários-consumidores”, pela equiparação amparada no art.29. Nesse aspecto, o dispositivo serviria para pessoas jurídicas que numa concepção objetivista estariam albergadas por serem “destinatárias finais” (art. 2º). Ademais, a idéia da proteção dos vulneráveis, na perspectiva tomada por alguns estudiosos, pode conduzir a uma confusão de conceitos quando a vulnerabilidade passa ser considerada sem amparo no art. 29, para quem não é destinatário final. Uma

390 Cf. NORONHA, 2002, p. 141.

391 A Diretiva da Comunidade Européia 93/13 adota essa concepção. Na Itália, a Lei n. 821/1998 dispõe, no art.

2º, 1, que estão na condição de consumidores “as pessoas físicas que adquirem ou utilizam bens ou serviços para objetivos não referíveis à atividade empresarial e profissional eventualmente exercida”.

392 Cláudia Lima Marques considera como consumidores stricto sensu apenas os não-profissionais que contratam

ou se relacionam com profissionais. Como os subjetivistas (finalistas), ela compreende que é correto interpretar a expressão “destinatário final” do art. 2º de maneira restrita, de acordo com os princípios básicos do CDC, expostos nos art. 4º e 6º. A regra do art. 2º tem sua finalidade esclarecida pelo art. 4º, I. Então, consumidor, em princípio, seria o não profissional; os profissionais seriam os consumidores-equiparados, que, quando em condições de vulnerabilidade, teriam os benefícios do CDC. Essa conclusão veio depois que a autora verificou que está correta a tendência da jurisprudência de considerar os profissionais como equiparados a consumidores, em vista do art. 29 e da vulnerabilidade na relação contratual, pois muitas pessoas, mesmo não sendo consumidores stricto sensu podem ser atingidas pelas atividades dos fornecedores no mercado (cf. MARQUES, 1998, p.140-141 e 152 et seq.). Cláudio Bonatto e Paulo Valério Dal Pai Moraes chegam à conclusão de que o CDC oferece proteção àqueles que são “naturalmente desiguais”; disso “depreende-se que a relação entre profissionais continua a ser regulada pelo Código Comercial, sendo que a entre não-profissionais, pelo Código Civil”. Assim “o reconhecimento da pessoa jurídica como consumidora deve ocorrer excepcionalmente, ficando ordinariamente outorgada tal condição às pessoas físicas, naturalmente desiguais no mercado de consumo, em

pessoa vulnerável, mesmo não sendo destinatária final, poderia invocar a tutela do Código na qualidade de “consumidor”, porém tal proteção somente poderia ser admitida na condição de “consumidor-equiparado”. Talvez, por isso a leitura que caracteriza apenas o consumidor stricto sensu, não profissional, como merecedor da tutela especial, ou aquela que tende a assimilar todos os vulneráveis na qualidade de “consumidores” não parecem ser as mais adequadas.

Por seu turno, os objetivistas destacam o aspecto econômico da “destinação final” e dizem que “a empresa só poderá ser considerada consumidora quando os bens por ela adquiridos ou serviços a ela prestados não se incorporem nos bens ou serviços que ela própria oferece no mercado”393.

Dessa conclusão, depreende-se que as pessoas jurídicas que exercem atividade empresarial são os

consumidores-empresários (ou empresas consumidoras) e os demais são consumidores comuns ou não empresários, como é o caso do cidadão comum ou da pessoa jurídica que não exerce atividade empresarial

(sindicatos, associações, fundações, etc)394. Englobando essas duas categorias, quando se fala em proteção do consumidor “quer-se referir ao indivíduo ou grupo de indivíduos, os quais, ainda que empresários, se apresentam no mercado como simples adquirentes ou usuários de serviços, sem ligação com a sua atividade empresarial própria”395. Nessa linha, fica claro que as empresas podem ser consumidores.

b) A identificação dos consumidores-empresários sob um critério objetivista

Na exposição feita acima, viu-se que os empresários podem ser consumidores, mas ainda não está claro o seguinte: qual é o âmbito abarcado pela atividade empresarial própria, no qual os produtos adquiridos e os serviços prestados não são bens de consumo e a empresa não é consumidora? Para destrinçar essa questão é importante saber se um produto adquirido ou um serviço prestado é essencial ao desenvolvimento da atividade da empresa, pois, nessa condição, não estaria sendo o “elo final da cadeia produtiva”, mas tratar-se-ia de um bem

de produção, e portanto, não haveria um contrato de consumo. É o conceito de insumo que oferece uma noção

relação às empresas fornecedoras”. Essa excepcionalidade será para os casos de reconhecida vulnerabilidade (cf. BONATTO; MORAES, 1999, p. 71-82).

393 NORONHA, 2002, p. 143; cf. COELHO, 1994, p. 47 et seq. 394 Cf. NORONHA, 2002, p. 141.

importante para verificar qual o empresário que merece proteção, na qualidade de “consumidor”, quando adquire um produto ou utiliza serviço fornecido no mercado.

Sem entrar na polêmica sobre os vários critérios que os autores objetivistas apontam para tentar identificar até onde vai o “elo final da cadeia produtiva”396, adotou-se a doutrina de Fábio Ulhoa. Este autor parte do conceito de insumo e considera o critério da indispensabilidade estrita o melhor para conceituá-lo juridicamente. Segundo ele, insumo é tudo aquilo que o empresário procura no mercado para colocar na linha de produção e que é estritamente indispensável para o desenvolvimento da atividade econômica397.

Desse modo, se “a atividade econômica puder ser desenvolvida, sem alterações quantitativas ou qualitativas em seus resultados, apesar da falta de determinado bem ou serviço, então a sua aquisição será, juridicamente, consumo, e o empresário estará tutelado pelo Código de Defesa do Consumidor”. Por outro lado, se estiverem em causa elementos imprescindíveis para a produção dos bens ou serviços pela empresa, de forma que sem eles há aquelas alterações nos resultados, nesse caso, não existirá “destinação final”, pois teremos

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COMPARATO, Fábio Konder. A proteção do consumidor: importante capítulo do direito econômico. Revista

de Direito Mercantil: industrial, econômico, financeiro, São Paulo, ano 13, n. 15/16, p. 89-105, 1974. p. 90.

396 Segundo Fernando Noronha são três, basicamente, os critérios objetivistas para definir o destinatário final: 1)

Todos os produtos e serviços de que os empresários se utilizam são bens de produção, portanto eles não podem

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