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Cláusulas abusivas no Código de Defesa do Consumidor

2.3 As cláusulas abusivas nos contratos padronizados e de adesão

2.3.4 Cláusulas abusivas no Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor, diferentemente do novo Código Civil, não se conteve à menção de parâmetros genéricos para constatação da abusividade. Ao estabelecer todo um sistema de proteção ao consumidor e prescrever um rol exemplificativo de possíveis cláusulas que poderão trazer ínsitas a característica abusiva, nas relações contratuais de consumo, o CDC assume expressamente a nova postura do Estado no sentido de estabelecer limitações positivas à liberdade contratual.

A idéia de liberdade positiva fornece o perfil básico do CDC. Trata-se de uma tentativa de equilibrar a liberdade de contratação entre fortes e fracos, com o objetivo de proteger o consumidor (vulnerável) do capitalismo voraz. Assim, mesmo vivendo em um sistema essencialmente individualista, com a elevação da defesa do consumidor como princípio da ordem econômica, e a formalização do CDC como matéria de ordem pública, conforme o art. 1º da Lei nº 8.078, infere-se que as normas de consumo prevalecem sobre ditas relações contratuais privadas, algumas delas independentemente da vontade das partes.

Dessa forma, no âmbito dos contratos de consumo, ainda que o contrato não seja padronizado e de adesão355, são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais ou quaisquer disposições de vontade pertinentes às relações de consumo que forem enquadradas na noção legal fornecida pela definição presente no art. 51. Essa definição procurou englobar mesmo os casos não previstos na lista, ao atribuir caráter de nulidade às cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, e que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada (inc. IV). Tais cláusulas serão necessariamente tidas como abusivas, sob presunção de que desequilibram o contrato (Código, art. 51, § 1º).

serviço (art. 21, XXIV), verificando-se a utilização do conceito de abuso e excesso como núcleo das tipificações (cf. FERNANDES NETO, 1999, p. 27-33).

O Código de Defesa do Consumidor não definiu diretamente as cláusulas abusivas, mas, pelo que preceitua no art. 51, em especial no caput, nos inciso I, IV e XV, e nos §§ 1º e 4º, pode-se dizer que, para o Código, são abusivas as cláusulas “relativas ao fornecimento de produtos e serviços” (cf. caput do art. 51) que “impossibilitem, exonerem ou atenuem” as obrigações do fornecedor (cf. inc. I), ou que estabeleçam para o consumidor “obrigações consideradas iníquas, abusivas”, que coloquem “em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade” (inc. IV). Essa noção é complementada pelo § 1º, que indica diversos casos em que a vantagem se presume exagerada, e pelo § 4º, que insiste na idéia de cláusulas que não asseguram “o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes”, e ainda pelo inciso XV, o qual acrescenta que são abusivas as cláusulas que “estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor”356.

No art. 51, inciso IV e § 1º encontra-se a cláusula geral, em relação à qual os demais dispositivos respeitantes às cláusulas abusivas são meras especificações. Esses dispositivos acompanham o modelo alemão, caracterizando de modo amplo o que se deve entender por cláusulas abusivas357. Como dito anteriormente, de acordo com o inciso IV são nulas as cláusulas relativas ao fornecimento de produtos e serviços que “estabeleçam

obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade”. E o § 1º estabelece: “presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I – ofende princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual; III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso”.

Vale dizer que essa presunção legal é meramente relativa (ou juris tantum) e não absoluta (ou

juris et de jure). Em conseqüência, ao fornecedor recairá o ônus de fazer prova contrária ao presumido caráter

abusivo da vantagem.

Muitos desses preceitos têm como fundamento o princípio do mínimo contratual, ou o núcleo obrigatório constitutivo da essência do contrato. Essa idéia está conectada com a conhecida distinção entre deveres principais (primários), secundários (acessórios) e fiduciários (anexos). O mínimo contratual será

356

Cf. NORONHA, 2002, p. 299. Nesse sentido, Paulo Neto Lôbo define: “Consideram-se abusivas, nas relações de consumo, as condições contratuais que atribuem vantagens excessivas ao predisponente fornecedor e demasiada onerosidade ao consumidor, gerando um injusto desequilíbrio contratual” (LÔBO, Paulo Luiz Neto. Contratos no código do consumidor: pressupostos gerais. Revista dos Tribunais, n. 705, p. 45-50, jul. 1994. p. 48).

constituído pelos deveres principais, ou primários; por exemplo, uma cláusula que permitisse a qualquer das partes não cumprir o dever principal a cargo dela358.

É nesse sentido que, no âmbito do Direito do Consumidor, além daquelas distinções já feitas anteriormente, Fernando Noronha considera que as cláusulas abusivas se distinguem das cláusulas restritivas (ou limitativas) de direitos. As restritivas são as cláusulas que especificam circunstâncias em que os consumidores deixam de ter direitos contra os fornecedores, sem que, todavia, se possa falar em um bloqueio de uma obrigação principal desse que atinja o mínimo contratual, ou implique limitações de obrigações que fossem contrapartida legítima dos encargos impostos aos consumidores. A distinção entre as cláusulas abusivas e as restritivas está implícita no próprio Código de Defesa do Consumidor, quando, no seu art. 54, § 4º, admite a validade de cláusulas que impliquem “limitação de direito do consumidor”, na medida em que contenham uma condição de eficácia, sejam “redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão”359.

a) Cláusula abusiva e onerosidade excessiva

Cláusula abusiva e onerosidade excessiva são figuras distintas. O próprio Código de Defesa do Consumidor permite fazer a distinção, a partir do disposto no seu art. 6º, inciso V. De acordo com o princípio do equilíbrio que permeia o CDC, a “desvantagem exagerada” (art. 51, § 1º) por si só motiva o pedido de exame judicial, para modificação da prestação desproporcional (art. 6°, V, primeira parte)360. Nesse caso permite a redução de cláusulas parcialmente abusivas ou meramente desproporcionais.

Além disso, vale lembrar que o Código permite a declaração de nulidade da cláusula abusiva (art. 51, § 4º), bastando simplesmente a vantagem exagerada, que se verifica diante da natureza do contrato, do interesse das partes e das demais circunstâncias do caso concreto. Uma vez deduzida a pretensão em juízo, se for

358 Cf. NORONHA, 2002, p. 301-302. 359

NORONHA, 2002, p. 223 et seq. Fernando Noronha menciona alguns exemplos de cláusulas restritivas de direitos: as estipulações que, nos contratos de seguro de vida, negam cobertura para moléstias preexistentes; as que, nos seguros de responsabilidade civil, isentam o segurador da obrigação de reparar danos causados quando o veículo segurado for conduzido por condutor embriagado, e as que excluem a obrigação de reparar danos morais (cf. NORONHA, 2002, p. 326-330).

360 Luís Renato Ferreira da Silva assinala que a possibilidade de revisão por incidência do art. 6º, V, primeira

parte, se refere à modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, “o que não é outra coisa senão a figura da lesão” (SILVA, L., 2001, p. 92). Porém, é preciso esclarecer que, nessa parte do dispositivo, inclui-se a revisão fora do instituto da lesão, pois não há necessidade do elemento subjetivo característico da lesão.

verossímil a alegação ou se a parte for hipossuficiente (art. 8º, VIII), cumpre ao fornecedor provar o contrário, haja vista que tal vantagem advém de presunção juris tantum361.

A revisão judicial por onerosidade excessiva e superveniente está prevista no art. 6º, V, 2ª parte do CDC, cujo conteúdo possibilita ao juiz revisar cláusula para reencontrar o equilíbrio contratual perdido, não exigindo que o fato superveniente seja imprevisível ou irresistível. Como explica Cláudia Lima Marques, para a sua configuração apenas requer a quebra da base objetiva do negócio, a quebra do equilíbrio intrínseco, a destruição da relação de equivalência entre prestações, o desaparecimento do fim essencial do contrato362.

Outrossim, conforme definido na conclusão nº 3 do II Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor – Contratos no ano de 2000 - com o seguinte texto: “Para fins de aplicação do art. 6º, V, do CDC, não são exigíveis os requisitos da imprevisibilidade e excepcionalidade, bastando a mera verificação da onerosidade excessiva”363.

Assim, o Código de Defesa do Consumidor não obriga, como pressuposto para a revisão contratual e modificação clausular, a imprevisibilidade da desproporcionalidade, como insistentemente se tem exigido até hoje no Brasil, nem exige que o prejuízo atinja uma das partes e simultaneamente beneficie a outra, como dá a entender a regra do art. 478 do Código Civil364.

Em suma, a partir da disciplina do Código de Defesa do Consumidor é possível verificar que cláusulas abusivas e onerosidade excessiva superveniente são dois conceitos legais distintos. A teoria do controle das cláusulas abusivas e da onerosidade excessiva, no âmbito das relações de consumo, tem o seu pano de fundo na compatibilidade do exercício da liberdade contratual com o igual direito de todos, consubstanciado nos princípios fundamentais dos contratos.

Mais coerente com a nova realidade contratual, o Código de Defesa do Consumidor procura, através de uma especificação exemplificativa das cláusulas abusivas, vincular concretamente os poderes e órgãos

361 FERNANDES NETO, 1999, p. 23. 362 Cf. MARQUES, 1998, p. 413. 363 MARQUES, 1998, p. 413.

364 Cf. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Aspectos do Código de Defesa do Consumidor. Ajuris, Porto Alegre,

n. 52, p. 167-187, jul. 1991. p. 181. Segundo Antônio Carlos Efing, “a excessiva onerosidade imposta a uma das partes contratantes não pode se sobrepor aos objetivos almejados no momento da contratação. Na maioria das vezes, as partes contratantes têm como fator decisivo para a formação do vínculo contratual, a equivalência e equilíbrio das obrigações (ou prestações) assumidas”. Adiante acrescenta: “Na realidade, qualquer obrigação que se mostre indevida, mesmo que não possua expressão financeira, já representa onerosidade a ponto de ensejar a revisão contratual com base na aplicação da Teoria da Onerosidade Excessiva” (EFING, 2002, v. 1, p. 32). Por fim, o autor destaca que a onerosidade excessiva de que trata o art. 6º, inc. V, da Lei 8.078/90 somente revela o interesse de modificar ou revisar obrigações válidas, isto é, quando houver a possibilidade de restabelecer o equilíbrio contratual afetado por fato superveniente à celebração do contrato. De outra parte, proporciona que se examinem até mesmo as condições contratuais já extintas ou obrigações já realizadas, com o fim de buscar a equivalência obrigacional que informou a celebração do contrato (cf. EFING, 2002, v.1, p. 37).

do Estado responsáveis por coibir o desvio do direito de sua função social. Em última instância, trata-se de uma reação contra a amoralidade e certos resultados anti-sociais que decorrem da doutrina clássica dos direitos absolutos e da noção de liberdade negativa365, a qual se faz ainda muito presente na teoria do Direito Civil. É na perspectiva de garantir maior efetividade que o Código do Consumidor firma os princípios do equilíbrio contratual e da boa-fé, e desenvolve a narrativa das cláusulas abusivas366.

Antes de observar mais especificamente o regime de nulidade das cláusulas abusivas no Código do consumidor, cabe enfatizar o enquadramento dessa análise na teoria geral.

b) Os efeitos das cláusulas abusivas: o regime de nulidade

Tal como o estudo dos negócios jurídicos, a análise do contrato pode ser dividida em três planos, conforme menciona Fernando Noronha, reportando-se a Pontes de Miranda: em primeiro lugar, é preciso verificar se estão reunidos os elementos de fato para que ele exista (plano da existência); depois, é necessário saber se estão preenchidas as condições, ou requisitos, para que ele possa valer, como capacidade dos agentes, declaração de vontade sem vícios, objeto lícito e possível (plano da validade); finalmente, ainda que estejam preenchidos os requisitos de validade, é necessário examinar se não estarão presentes fatores que sejam impeditivos da produção dos efeitos manifestados como queridos (plano da eficácia)367. Portanto, no exame do contrato cabe indagar se ele contém os elementos para existir, os requisitos para ser válido368, e os fatores para ser eficaz.

365 Cf. FERNANDES NETO, 1999, p. 35,39-40.

366 Essas são algumas das razões por que se afirma que os princípios do CDC permitem contrapor à teoria

individualista, demonstram maior sentido de socialização do Direito Privado e se coadunam perfeitamente às diretrizes constitucionais de tutela da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), de redução das desigualdades sociais (art. 3º, III), de conformidade com os ditames da justiça social (art. 170, caput) e de defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, e art. 170, V). (Cf. BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A revisão contratual por onerosidade superveniente à contratação positivada no Código de Defesa do consumidor sob a perspectiva civil- constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 279-306. p. 288.)

367 NORONHA, 2003, p. 395-396.

368 Como todo negócio jurídico, o contrato requer, para a sua validade, a observância dos requisitos do art. 104

do Código Civil: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei. Desse modo, será necessária a presença de requisitos subjetivos, objetivos e formais, para que o contrato seja válido, como explica Maria Helena Diniz. Segundo a autora os requisitos subjetivos são: a) a

existência de duas ou mais pessoas, já que o contrato é negócio jurídico bilateral ou prurilateral; b) capacidade genérica das partes contratantes para praticar os atos da vida civil, as quais não devem enquadrar-se nos arts.

A inexistência pressupõe que um contrato nem sequer chegou a ser concluído, enquanto a invalidade pressupõe que ele foi concluído, sim, mas sem que sejam atendidos os requisitos que legalmente é necessário observar na sua conclusão para que daí se sigam os efeitos jurídicos pretendidos.

Também é especialmente importante distinguir as noções de validade e de eficácia. Aplicando a teoria geral dos negócios jurídicos aos contratos, pode-se dizer com Fernando Noronha que, será um contrato

inválido “aquele que se constitui padecendo de vícios originários, que o impedem de produzir efeitos (nulidade

propriamente dita, ou absoluta), ou que o impedirão de produzir, se algum interessado invocar o defeito existente (anulabilidade, ou nulidade relativa)”. E será um contrato ineficaz “aquele que, mesmo quando intrinsecamente perfeito, não pode produzir efeitos por lhe faltar alguma circunstância externa, algum fator extrínseco que seria necessário no caso concreto”369

.

Desse modo, é possível conceber contratos inválidos que mesmo assim sejam eficazes e produzam pelo menos alguns dos efeitos jurídicos, como ocorre nos contratos anuláveis, que somente deixam de produzir efeitos quando for decretada a sua anulação (art. 177).

Como foi dito, a invalidade do contrato pode ocorrer tanto pela nulidade propriamente dita ou absoluta, como pela anulabilidade ou nulidade relativa. Além disso, a invalidade do contrato pode ser total ou

parcial. Um contrato totalmente inválido será aquele que carrega um vício que atinge todo seu conteúdo como,

por exemplo, a omissão da forma legal (arts. 104, III e 107). Contrato parcialmente inválido será aquele que apenas algumas cláusulas serão inválidas como, por exemplo, as cláusulas abusivas cuja nulidade não invalide o contrato na parte constituída sem vício.

Essas noções permitem indicar um caminho para o enquadramento das cláusulas abusivas. Um contrato que contém cláusulas abusivas, efetivamente, se trata de um contrato existente. De outra parte, também

ordem jurídica impõe certas limitações à liberdade de celebrar determinados contratos; d) consentimento das

partes contratantes, visto que o contrato é originário do acordo de duas ou mais vontades isentas de vícios (erro,

dolo, coação, lesão estado de perigo, simulação e fraude) sobre a existência e natureza do contrato, o seu objeto e as cláusulas que o compõem. Os requisitos objetivos dizem respeito ao objeto do contrato, ou seja, à obrigação constituída, modificada ou extinta: a) licitude de seu objeto, que não pode ser contrário à lei, à moral, aos princípios da ordem pública e aos bons costumes; b) possibilidade física e jurídica do objeto; c) determinação de

seu objeto, pois este deve ser certo ou, pelo menos, determinável; d) economicidade de seu objeto, isto é, deverá

versar sobre interesses economicamente apreciáveis. Os requisitos formais são atinentes à forma do contrato. Atualmente não há rigorismo quanto à forma, pode ser oral ou escrita, por meio de instrumento público ou particular (art. 107 e 111). A regra é a liberdade quanto à forma, conforme determina art. 107, do Código Civil (cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 27-31).

369

NORONHA, 2003, p. 396. Segundo o autor, a ineficácia pode ser definitiva ou temporária. Por exemplo, o contrato simulado é definitivamente ineficaz; o contrato sob condição suspensiva é exemplo de ineficácia temporária. Também pode ser ineficácia absoluta ou relativa. Será absoluta quando se opera em relação às partes e terceiros; ou relativa quando não produz efeitos em relação a terceiros, ou a certas categorias de terceiros. O contrato firmado por representante sem poderes é ineficaz em relação ao representado até que seja ratificado por este (cf. Idem, p. 397).

será um contrato eficaz, na medida em que produza pelo menos alguns dos seus efeitos jurídicos, porém, sempre será um contrato que apresenta implicações problemáticas no âmbito da validade.

As cláusulas abusivas atingem diretamente o plano da validade, por que elas constituem um vício originário do contrato que, pelo menos, nessa parte impede-o de produzir efeitos desde sua formação. Essa parte do conteúdo contratual considerada abusiva é nula em sentido absoluto, ou nula de pleno direito, como se refere o art. 51, do CDC.

Por outro lado, trata-se de uma nulidade parcial. A nulidade de cláusula abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes, como preceitua o art. 51, § 2º do Código de Defesa do Consumidor. E de acordo com o Código Civil, será possível essa invalidade parcial desde que respeitada a intenção das partes e seja separável da parte válida, conforme determina o art. 184.

As cláusulas abusivas sempre existiram, ainda que lhes fossem atribuídas outras designações, como cláusulas leoninas, vexatórias, etc. No direito brasileiro, os efeitos da velha cláusula leonina (art. 1008 do CC, antigo art. 1.372) são os mesmos da moderna cláusula abusiva, isto é, nulidade.

O fato das cláusulas abusivas serem nulas em sentido próprio (ou de pleno direito) insere-as no âmbito dos atos nulos, distinguido-se do regime dos atos meramente anuláveis.

As nulidades absolutas operam ipso jure ou ipsa vi legis, decorrem da lei operando de pleno direito. Isto significa que a nulidade absoluta das cláusulas abusivas opera sem necessidade de ser invocada por quaisquer interessados, ou seja, sem precisar de uma declaração de vontade no sentido de que se produzam os efeitos correspondentes à nulidade. Significa também que ela pode ser declarada ex officio pelo juiz, sempre que no processo tenha elementos para se verificar a sua existência, pois a nulidade absoluta é de interesse público370, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes (cf. art.168, parágrafo único). Outrossim, por motivos de interesse público a nulidade é insanável por confirmação dos interessados.

Ao enquadrarem-se no âmbito das nulidades absolutas, as cláusulas abusivas podem ser invocadas por qualquer pessoa que tenha interesse em que se não produzam em relação a si os efeitos do respectivo contrato371. O interessado aqui significa qualquer sujeito que de algum modo possa ser afetado pelos efeitos que tal cláusula contratual abusiva tendia a produzir. Nesta linha de raciocínio, verifica-se que a nulidade da cláusula

370 Cf. ANDRADE, Manuel A. Domingues de. Teoria geral da relação jurídica. Coimbra: Almedina, 1960. v. 1.

p. 417.

abusiva, por se revestir de caráter de ordem pública, em que está explícito o interesse da coletividade, pode ser argüida inclusive pelo Ministério Público (art. 168 do CC).

Ademais, a sentença que reconhece a nulidade de cláusula abusiva tem efeito erga omnes, enquanto os efeitos da decisão que afirma a existência da anulabilidade limita-se às partes que a alegaram, excetuando-se apenas as hipóteses de solidariedade ou indivisibilidade (cf. art. 177, segunda parte).

Por se caracterizarem como nulidade absoluta, as cláusulas abusivas não produzem qualquer efeito desde sua origem, isto é, ao serem declaradas como tal, pela sentença judicial, essa declaração opera ex tunc, e a cláusula, por ser absolutamente inválida, nunca se integra ao contrato ou produz efeitos jurídicos. Desse modo, o

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