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A depuração do conceito de cláusulas abusivas na concepção objetiva

2.3 As cláusulas abusivas nos contratos padronizados e de adesão

2.3.3 A depuração do conceito de cláusulas abusivas na concepção objetiva

Agora vamos discutir melhor o conceito de cláusulas abusivas, demonstrando suas especificidades em relação a outras categorias jurídicas322. Cabe investigar mais a fundo a justificativa para rechaçar as cláusulas abusivas, distinguindo-as das demais323. Para tanto, far-se-á uma investigação da doutrina sobre os parâmetros ou critérios objetivos324 a que deve seguir a caracterização de abuso contratual. Nessa perspectiva a doutrina costuma depurar o conceito de cláusulas abusivas e distingui-las de outras figuras.

a) A concepção objetiva do abuso de direito

(autonomia) consentida, impregnada de valores sociais que descendem diretamente da Constituição. Por isso, uma fundamentação do controle das cláusulas abusivas também deve decorrer dos princípios constitucionais.

322 Por exemplo, há autores que não consideram que a figura clássica do abuso de direito possa contribuir para o

entendimento das cláusulas abusivas. Em geral se diz que, mediante o uso de cláusulas abusivas, não se está utilizando um direito, mas se está aproveitando do contexto socioeconômico propiciado pelo mercado, ou da vantagem do poder negocial, para estabelece predisposições abusivas. Por outro lado, no “abuso de direito, enfoca-se o exercício de um direito subjetivo que o sujeito já possui e que o utiliza de forma a prejudicar a outrem” (cf. BELMONTE, Cláudio Petrini. Principais reflexos da sociedade de massas no contexto contratual contemporâneo: disposições contratuais abusivas. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 43, p. 133- 157, jul./set. 2002. p. 154-155). Segundo Roberto Senise Lisboa: “A abusividade de um dispositivo contratual não se confunde com o abuso do direito, no exercício do mesmo, pelo seu respectivo titular. Aquela se refere a uma vantagem desproporcional, estabelecida no conteúdo da avença, em prol de uma das partes, quer seja o caso de formulação conjunta dos dispositivos ou de contrato pré-redigido — no contrato de adesão, invariavelmente o beneficiado é o predisponente. É cláusula excessiva, onerosa para o aderente” (LISBOA, 1997a, p. 221); cf. também NERY JUNIOR, 1999, p. 489. Porém, se for correto o modo como pensamos, parece que há uma parcial coincidência entre os fundamentos que rechaçam as cláusulas abusivas e os que coíbem o abuso de direito.

323 Segundo Luís Renato Ferreira da Silva, são três os fundamentos buscados pela doutrina para justificar que se

rechacem as cláusulas tidas como abusivas, de um ordenamento legal: (a) o abuso de direito; (b) a existência de cominação legal; e (c) o princípio da boa-fé (SILVA, L., 2001, p. 46). As cláusulas abusivas são uma especialização do fenômeno do abuso de direito, mas nele não encontram fundamentação para serem coibidas, pois “não há um direito prévio de clausular unilateralmente um contrato desde que se apoderou do direito moderno a nova visão de autonomia privada. Na verdade, a redação de cláusulas abusivas expressa o chamado abuso de poder econômico, um dado pré-jurídico, verdadeiro abuso de fato, sem revestimento formal de direito”. (SILVA, L., 2001, p. 49; cf. também SILVA, Luis Renato Ferreira da. Cláusulas abusivas: natureza do vício e decretação de ofício. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 23-24, p. 122-135, jul./dez. 1997. p. 125). A nosso ver, os contratos padronizados e de adesão, com todos os seus inconvenientes, por uma série de razões são reconhecidos pelo Direito (desde o art. 54 do CDC). Trata-se de uma extensão ligada ao direito à autonomia privada (liberdade contratual), a qual, tanto nesses como em outros contratos, não pode incorrer em abusos, fixando neles cláusulas abusivas.

324

Como ressalta Guilherme Fernandes Neto, “cabe aos doutrinadores arrostar a realidade fática da aceitação do dogma do abuso do direito, bem como a tarefa de fixar de forma definitiva os critérios de constatação da deturpação do direito e os princípios cuja força normativa fazem surgir tais balizas caracterizadoras da manifestação abusiva” (FERNANDES NETO, Guilherme. O abuso do direito no código de defesa do

consumidor: cláusulas, práticas e publicidades abusivas. Brasília: Brasília Jurídica, 1999. p. 41). Nessa análise,

A palavra abuso, do ponto de vista etimológico, deriva da expressão latina abusus325, que significa

uso excessivo de alguma coisa, mau uso, injusto, exagerado, despropositado, etc. Sob o pressuposto de que o direito não é absoluto, o que caracteriza o “abuso do direito seria a falta praticada pelo titular de um direito que ultrapassa os limites ou que deturpa a finalidade do direito que lhe foi concedido”326. Por isso, normalmente se diz que o abuso não está no direito, mas no seu mau uso, ou seja, “consiste em um exercício do direito com excesso, intencional ou involuntário, doloso ou culposo, nocivo a outrem”327. O abuso de direito não é de forma alguma conforme o Direito, pois nunca é permitido pelo Direito328.

A expressão “abuso de direito” vem desde o século XIX e as maiores discussões doutrinárias sobre o tema giram em torno da caracterização de um exercício de direitos como ato contrário ao Direito. Segundo lição de Fernando Noronha, os critérios propostos são vários: dano excessivo, ausência de interesse, escolha de modo de exercício sem utilidade para o titular, desproporcionalidade entre o interesse beneficiado e o afetado, intenção de prejudicar, desvio do direito da função social, comportamento anormal, etc. Na base dessa discussão, porém, ou está a concepção subjetivista de G. Ripert — “se só há abuso de direito quando a pessoa age com a intenção de prejudicar outrem”329 — ou a concepção finalista de Josserand — “se basta que ele tenha o propósito de realizar objetivos diversos daqueles para os quais o direito subjetivo em questão foi preordenado”. Na verdade, sempre que há intenção dolosa não resta dúvida de que há abuso de direito, mas também, sempre que

325 Guilherme Fernandes Neto afirma: “Quase que unânimes são os escritores ao admitir o direito romano como

berço da teoria do abuso do direito, cujo embrião desenvolveu-se como a vetusta teoria da aemulatio, do período medieval; tal teoria consubstanciava-se em responsabilizar o agente, se o ato fora praticado sem uma utilidade própria, com a intenção maligna de lesar, ou mesmo sem a mínima utilidade” (FERNANDES NETO, 1999. p. 43). Sobre essa ligação do instituto do abuso de direito com a aemulatio cf. também LUNA, 1959, p. 96 et seq.

326 Assim explica Cláudia Lima Marques, “apesar de presentes o prejuízo (dano) causado a outrem pela atividade

(ato antijurídico) do titular do direito (nexo causal), a sua hipótese é diferenciada. O que ofende o ordenamento é o modo (excessivo, irregular, lesionante) com que foi exercido um direito, acarretando um resultado, esse sim, ilícito”. Por isso, segundo a autora, nesse caso o ordenamento não busca sancionar quem abusou a perdas e danos, preferindo re-equilibrar a situação concreta e assegurar a volta ao status quo. A reação do direito é de grau entre o ilícito e o abusivo, não há uma diferença de natureza (cf. MARQUES, 1998, p.404-405). Sobre a ação de indenização em perdas e danos por abuso de direito cf. YASSIM, Assad Amadeo. Considerações sobre o abuso de direito. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 538, p. 16-25, ago. 1980, p. 20 et seq.

327 Cf. GALDINO, 2001, p. 01-03. 328 Cf. NORONHA, 1991, p. 194. 329

Para Ripert, há abuso de direito quando “o titular saiu dos limites legais fixados pelo exercício do seu direito”. Assim, “a regra legal que proíbe a qualquer homem causar, por sua culpa, um prejuízo a alguém, constitui uma limitação dos direitos subjetivos” (RIPERT, 2002, p. 171). Para que haja abuso, “é preciso que o contratante, mantendo-se nos limites precisos do contrato, esgote as suas prerrogativas unicamente para causar prejuízo à outra parte”, isto é, “que o exercício desse direito não represente utilidade alguma para aquele que o exerce” (RIPERT, 2002, p. 185).

haja ofensa à função do direito pela ultrapassagem dos limites internos do próprio direito, como quer Josserand, caracteriza-se o ato abusivo330.

Nessa linha, não há porque confundir a teoria do abuso de direito com a do ato ilícito, ou a fraude. Neste caso o negócio jurídico é tramado para prejudicar outrem, em benefício do declarante ou de terceiro. No abuso de direito não existe, propriamente, trama contra o direito da contraparte: ele surge do inadequado uso de um direito, sem correspondência com a sua função ou finalidade, mesmo que seja estranho ao agente o propósito de prejudicar o direito de outrem331.

A começar pelos parâmetros objetivos oferecidos pelo Código Civil para a constatação do abuso de direito, o art. 187 preceitua: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”332. Nesse preceito é necessário colocar a ressalva exposta anteriormente, de que nem sempre o ato considerado abuso de direito será ilícito (em sentido estrito). Como explica Noronha, para a prática da verdadeira ilicitude (em sentido subjetivo) é preciso a antijuridicidade e a culpabilidade, enquanto que para o abuso de direito basta “a contrariedade ao direito, isto é, a antijuridicidade”. Assim, a atuação contrária ao direito não é necessariamente uma atuação ilícita333.

Considerando o ato abusivo como ato antijurídico, convém destacar que o âmbito da antijuridicidade implica que nem todo o direito está contido na legalidade, entendida estritamente enquanto norma expressa. Assim, “o ato abusivo é exercido em virtude de um direito determinado, de um direito subjetivo,

330 NORONHA, 1994, p. 169-170. Segundo Cláudio Antônio Soares Levada: “Não importam o dolo ou a culpa,

mas o fato material, somente; causado o dano mediante a prática de um ato abusivo está o agente obrigado a reparar o dano, é responsável pelo prejuízo ocorrido” (LEVADA, Cláudio Antônio Soares. Anotações sobre o abuso de direito. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 667, p. 44-50, maio, 1991. p. 46). Sobre a divergência doutrinária e jurisprudencial cf. também YASSIM, 1980, p. 18 et seq. Everaldo da Cunha Luna divide em três grupos as teorias que visam dizer o que vem a ser e significar o abuso de direito: 1) teorias subjetivas; 2) teorias objetivas; 3) teorias subjetivo-objetivas. “Ao primeiro grupo, pertencem as teorias da intenção, da gravidade da culpa e da culpa específica; ao segundo, as teorias do destino econômico, do fim social do direito e do motivo legítimo, e ao terceiro, todas as teorias ecléticas, isto é, que tentam conciliar as subjetivas com as objetivas” (LUNA, 1959, p. 69).

331

Cf. REQUIÃO, 1969, p. 16.

332

Leopoldino da Fonseca fornece uma definição de cláusula abusiva ligada a esse artigo. Segundo ele, “uma cláusula contratual poderá ser tida como abusiva quando se constitui num abuso de direito (o predisponente das cláusulas contratuais, num contrato de adesão, tem o direito de redigi-las previamente; mas comete abuso se, ao redigi-las o faz de forma a causar dano ao aderente). Também será considerada abusiva se fere a boa-fé objetiva, pois, segundo a expectativa geral, de todas e quaisquer pessoas, há que haver equivalência em todas as trocas. Presumir-se-á também abusiva a cláusula contratual quando ocorrer afronta aos bons costumes, ou quando ela se desviar do fim social ou econômico que lhe fixa o direito. A aferição dessas condições não se faz, contudo, através da indagação da real intenção das partes intervenientes no contrato” (LEOPOLDINO DA FONSECA, 1998, p. 127-128).

333 Cf. NORONHA, 1994, p. 175-176. Na definição de Everaldo da Cunha Luna: “A essência do abuso de direito

mas pode, no entanto, ferir o Direito considerado em seu conjunto”334. Sempre observando que, “ao redor da regra formal, em torno do direito escrito, vive e se agita um mundo de princípios, de diretivas, de ‘standards’”335. Assim sendo, Fernandes Neto, inspirado pela teoria do abuso de direito assimilada pelo CDC, fixa a seguinte definição:

O abuso do direito ocorre quando se dá o desvio do direito ou das relações e

instituições por ele criadas ou normatizadas de sua finalidade econômico-

social, da eqüidade, da boa-fé, ou de sua proporcionalidade; é o excesso do

direito que afronta a finalidade e as proporções delineadas na lei, nos

princípios gerais do direito e dos sistemas jurídicos a que pertencem, podendo

dar-se mediante omissão ou ato comissivo

336

.

Essa noção de abuso de direito contribui para a enunciação do conceito de cláusulas abusivas, diferenciando-as das cláusulas ilícitas. Esse assunto será estudado agora.

b) Cláusulas abusivas e cláusulas ilícitas

A idéia ampla de abuso de direito abre caminho para a vastidão das possibilidades de abusos nos contratos. Mas, sabendo-se que o instituto das cláusulas abusivas não se confunde com o do abuso de direito, no (LUNA, 1959, p. 47). Adiante diz o autor: “Se todos os atos abusivos são ilícitos, nem todos os atos ilícitos são abusivos” (LUNA, 1959, p. 101).

334 MARINS DE SOUZA, 1996, p. 98. Como destaca Fernandes Neto, para Josserand: “ato abusivo é muito

simplesmente aquele que, praticado em virtude de um direito subjetivo cujos limites tenham sido respeitados, é no entanto contrário ao direito visto no seu conjunto e enquanto juridicidade, quer dizer, enquanto corpo de regras sociais obrigatórias. Pode-se perfeitamente ter por si ‘tal direito’ determinado e entretanto ter contra si ‘o direito’ por inteiro; é essa situação, nada contraditória mas perfeitamente lógica”. E a definição de Jorge Americano: “no direito, diremos ‘abuso’ o seudesvirtuamento, o descomedimento no seu exercício, a indevida aplicação de um princípio, a conseqüência exagerada que dele tiramos” (FERNANDES NETO, 1999, p. 38-40). No mesmo sentido Luis O. Andorno explica: “Em rigor de verdade, no abuso do direito, temos licitude, temos direito, porém são vulneradas as pautas do exercício do mesmo no modo previsto pelo ordenamento jurídico. Quer dizer, que em tal caso houve um desvio do fim moral ou econômico-social que o direito objetivo persegue quando tutela as faculdades dos indivíduos” (ANDORNO, Luis O. Abuso del derecho. Revista de Direito Civil:

Imobiliário, Agrário e Empresarial, São Paulo, RT, ano 6, v. 19, p. 15-37, jan./mar. 1982, p. 15). Para um

parecer contrário à concepção de Josserand, cf. GUSMÃO, 1948, p. 365, 370 e 371.

335 REQUIÃO, 1969, p 15. Para se compreender bem a teoria do abuso de direito é necessário considerar que se

a sociedade organizada em Estado garante prerrogativas às pessoas, “não é para ser-lhes agradável, mas para assegurar-lhes a própria conservação”, isto é, “o mais alto atributo do Direito” é “a sua finalidade social”, como diz Rubens Requião. O Direito é criado em atenção ao indivíduo, com o objetivo de ordenar sua convivência com outros indivíduos. “O exercício de seus direitos, embora privados, deve atender a uma finalidade social”. Por isso, remata Requião: “O ato, embora conforme a lei, se for contrário a essa finalidade, é abusivo e, em conseqüência, atentatório ao direito. Nem tudo que é conforme a lei é legítimo, eis o postulado fundamental da teoria de Josserand” (REQUIÃO, 1969, p.15-16).Porque, como assevera Paulo Eduardo de Gusmão, os limites do direito subjetivo não se reduzem àqueles expressamente definidos pela lei, mas também aos instaurados pelos princípios implícitos no ordenamento jurídico (cf. GUSMÃO, 1948, p. 361 e 371).

sentido abrangente de toda a antijuridicidade, para uma aproximação do sentido corrente de cláusulas abusivas é preciso reduzir da definição ampla de abuso, mencionada anteriormente, “os princípios gerais de direito”, que não são próprios do Direito dos Contratos. Mais precisamente se diz que as cláusulas abusivas ofendem o princípio da justiça (ou do equilíbrio) contratual e/ou o princípio da boa-fé, podendo ocorrer independentemente da vontade do agente.

Assim é que a doutrina mais abalizada faz a apuração da definição de cláusulas abusivas, distinguindo-as das demais cláusulas antijurídicas por ilicitude em sentido estrito. Se for considerada a ilicitude em sentido amplo, significando qualquer ato humano que contrarie comandos legais, o que coincide com a noção de ato ilícito objetivo, então será sinônimo de antijuridicidade e todas as cláusulas abusivas serão ilícitas (antijurídicas). Porém, muitas “cláusulas ilícitas” e, portanto, antijurídicas, podem não ter nenhuma característica de abuso. Por exemplo, há cláusulas ilícitas por ofensa à ordem pública externa aos contratos, como no caso de ilicitude do objeto, contrariedade a normas imperativas ou a princípios fundamentais da sociedade. Por isso, melhor será considerar as cláusulas abusivas (ou meramente abusivas) como distintas das cláusulas ilícitas em sentido estrito (e por isso mais que abusivas) 337.

As cláusulas ilícitas (em sentido estrito) são “as que tenham objeto ilícito (cf. Código Civil, art. 166, II), cujo motivo determinante seja ilícito (inc. II) ou que tiver por objetivo fraudar lei imperativa (inc. VI) e, em geral, quando a lei proibir-lhes a prática (inc. VII), ou ainda quando ofenderem qualquer princípio de ordem pública”338. Neto Lôbo lembra que o Código Civil criou a hipótese do motivo ilícito determinante, comum a ambas as partes. Para exemplo, cita o caso de uma cláusula que estipule pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, expressamente proibido pela lei (Dec. –Lei n. 857/69). A disposição dessa cláusula não constitui abuso, mas ilicitude estrita339.

Cláusulas abusivas “serão aquelas que só passam a ser proibidas na medida em que ultrapassam determinados limites intrínsecos ao próprio direito de estabelecer o conteúdo dos contratos”340. Portanto, numa noção restrita, serão cláusulas abusivas as que ofenderem os princípios dos contratos, ou a chamada ordem pública interna dos contratos, essencialmente o princípio da justiça (ou do equilíbrio) contratual e às vezes o princípio da boa-fé.

337 Cf. NORONHA, 2002, p. 318-319; LEOPOLDINO DA FONSECA, 1998, p. 129-130. 338 NORONHA, 2002, p. 319.

339 Cf. LÔBO, 1991, p. 159. 340 NORONHA, 2002, p. 319.

Assim, feitas essas distinções, a cláusula abusiva não é estranha à idéia de abuso de direito em sentido objetivo341. Nas cláusulas abusivas pode-se dizer que se supõe a existência de um direito subjetivo, a liberdade contratual relacionada à autonomia privada; em razão disso, elas, em princípio, não seriam ilícitas, mas passam a sê-lo na medida em que extrapolam os limites do exercício desse direito342. O critério a usar para dar como caracterizado o abuso de direito é “o da manifesta desproporção entre o interesse prosseguido pelo agente e aquele da pessoa afetada, ou, dizendo de outro modo, entre as vantagens do titular do direito e os sacrifícios suportados pela outra parte”343.

Seguindo essa caracterização, ao se observar o conteúdo de um contrato se dirá que é abusiva a estipulação contratual que gera um desequilíbrio grave entre direitos e obrigações das partes. Como conclui Fernando Noronha:

É de acordo com essa idéia de abuso de direito que, na noção que correntemente

se tem de cláusulas abusivas, se consideram essas como sendo as estipulações

que, em contratos entre partes de desigual força, reduzem unilateralmente as

obrigações do contratante mais forte ou agravam as do mais fraco, criando uma

situação de grave desequilíbrio entre direitos e obrigações de uma e outra

parte

344

.

De maneira semelhante, a Diretiva 93/13 da Comunidade Européia, de 05.04.93, sobre cláusulas abusivas, em seu art. 3º, dispõe: “as cláusulas contratuais que não se tenham negociado individualmente considerar-se-ão abusivas se, frente as exigências da boa-fé, causam em detrimento do consumidor um desequilíbrio importante entre os direitos e obrigações das partes que derivam do contrato”. Portanto, parece ser uma tendência também do direito comparado conectar o caráter abusivo das cláusulas a um paradigma objetivo, em especial aos princípios dos contratos, sem consideração à atuação subjetiva, dando lugar à análise do contexto do contrato, do equilíbrio contratual e da conformidade com a boa-fé objetiva345.

É bem de ver, entretanto, a possibilidade de a cláusula abusiva ofender o princípio do equilíbrio contratual, distintamente da ofensa ao princípio da boa-fé, conforme se evidencia na definição oferecida pela Lei

341 Contudo, a doutrina recomenda que: “As cláusulas abusivas não podem ser entendidas como abuso de direito,

mas sim ‘como cláusulas excessivas, muito onerosas, que comportam uma vantagem indiscriminada em favor de um contratante em detrimento do outro’” (DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao Consumidor: Conceito e extensão. São Paulo: RT, 1993. p. 239).

342

Cf. NORONHA, 2002, p. 319. No mesmo sentido, Valéria Galdino assinala: “Não se pode definir a cláusula abusiva como cláusula ilícita, porque nessa não há exercício de um direito subjetivo; aliás, não existe nenhum direito. Já naquela existe um direito subjetivo, que é utilizado no intuito de favorecer uma das partes, provocando um desequilíbrio contratual. Portanto, a cláusula abusiva não é ilícita em sua essência; o abuso decorre do contexto, ou seja, quando ela não se origina do acordo de vontades, mas da predisposição unilateral” (GALDINO, 2001, p. 16). E continua: “Apesar das diferenças entre cláusulas ilícitas e cláusulas abusivas, a conseqüência jurídica é a mesma, ou seja, a nulidade” (ibid., p.17).

343 NORONHA, 2002, p. 192, nota 36. 344 NORONHA, 2002, p. 298.

Uruguai nº 17.189, relativa às relações de consumo, no seu art. 30, que dispõe: “é abusiva, por seu conteúdo ou

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