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Évora no pós-25 de Abril – o Bairro da Malagueira

Cap.II A Cidade de Évora: evolução e contexto na perspectiva do nosso objecto de estudo

II.3. Évora no pós-25 de Abril – o Bairro da Malagueira

Sem dúvida que o processo que antecede e marca o início da Malagueira, no fim dos anos 70, é o combate e tentativa de eliminação do caos gerado pela construção clandestina, comum a todas as cidades portuguesas com alguma importância: Lisboa, Porto, Évora, etc. Do mesmo modo que o que urbanisticamente marcou os anos 50/60 foi o debate sobre a casa portuguesa, a consciencialização socio-profissional dos Arquitectos e o Inquérito à Arquitectura Popular e, nos anos 40, o que antecedeu este debate sobre a hipótese de existir “uma” arquitectura portuguesa foi o movimento de PGUs iniciado por Duarte Pacheco e que, apesar da morte prematura do seu mentor, deixou resultados no terreno, como se viu.

Era esta a situação no 25 de Abril, em Évora, cerca de 30 bairros clandestinos sem infraestruturas, sem quaisquer planos de urbanização. Por outro lado, a cultura da construção em altura, e de alta densidade, que o Movimento Moderno apresentava como uma solução para as cidades em expansão, e que depois de serem “autorizados” os quatro pisos (máximo) pelos poderes políticos a sua utilização no Bairro dos Olivais, em Lisboa, nos anos 50/60, não teve em Évora consequências maiores que as torres da Cruz da Picada…

Os habitantes da Malagueira foram actores sociais que viveram na primeira pessoa a mudança dos tempos na cidade de Évora, AAM8 (n.1950) fala-nos desses tempos e da sua experiência:

«quando eu nasci vivíamos na Comenda, era de operários agrícolas mas eu nunca conheci, vim com 3 anos e nessa altura vivemos na cidade na casa de um lavrador – ele tinha uma casa grande no monte, na herdade, mas tinha casa em Évora (…) vinha de 15 em 15 dias à cidade e tinha a casa dele onde vivia com a família, (…) na rua do Raimundo, era piso térreo e primeiro andar – tínhamos um quintal interior – como havia muitas casas de lavradores em Évora, entrava-se por um arco (…) um portão grande onde se entra e lá é que é o quintal… tínhamos que passar por ali… vivi lá vários anos, brincava no quintal e na rua – os meus irmão fazemos diferença um ano uns dos outros… (…) tínhamos cozinha e chaminé – chaminés grandes na cozinha, eram casas antigas, fazíamos a matança no quintal do porco que comprávamos, já não se podia criar na cidade, tinha um cheiro muito intenso… há uma altura em que a cidade de Évora tem um chiqueiro – uma espécie de chiqueiros colectivos – porcos … onde é hoje a Escola Severim Faria… tínhamos lá e o meu pai criava um porco branco, fazia-se criação, e depois vendia nas feiras e no quartel que havia dantes em Évora e com esse dinheiro – o meu pai tiraria algum para alimentar a casa, não me recordo, mas depois comprávamos o porco de montado, o porco preto alentejano, e depois fazíamos a matança … criávamos o branco mas matávamos o preto… (…) não tenho vivência rural mas sou do Alentejo, Évora era uma cidade agrícola, acima de tudo agrícola, mas depois transforma-

se em comércio e serviços… porquê?... a evolução das coisas… agora temos a Universidade… e cresceu muito, a vivência da cidade não mudou, os habitantes mudaram muito pouco, nós antigamente quando passávamos pelas pessoas cumprimentávamos e dizíamos … esse aspecto talvez se tenha mantido pelas pessoas velhas que as novas não são tanto assim…»

A ambivalência entre reconhecer o conforto da sociedade contemporânea e uma memória afectiva associada à juventude, torna os informantes ambivalentes na escolha e vantagens entre o passado e o presente, no entanto há unanimidade em perceber a cidade de Évora actual como uma aldeia e uma sociedade fechada, estudaremos o tema na hipótese dois, entretanto outro relato, AAM9 (n.1955):

«viemos para Ev, o meu pai comprou um estabelecimento comercial para o qual não tinha vocação de tipo nenhum… sempre esteve ligado à agricultura… aos tractores, e depressa percebeu que não tinha vida para aquilo [um café] e deixou aquilo, ainda voltou para os tractores alguns anos… (…) depois veio o 25 de Abril, foi muito importante, aqui no Alentejo, como em todo o país, mas aqui viveu-se de uma maneira muito intensa, por razões óbvias, essa data, esse tempo, essas alterações profundas de facto na vida social, nas relações do trabalho, portanto eu apanhei isso muito cedo, tinha 19 anos… (…) fomos viver para o centro histórico, na rua dos caldeireiros, a rua que desce que vai dar àquele bloco de apartamentos que é recente … havia lá uma esplanada de cinema, que era o Éden Esplanada aquele espaço e os Grandes Armazéns do Progresso e o meu pai comprou precisamente o café que estava em frente (…) foi uma época extremamente importante (…) a casa de Ev não tinha quintal, (…) casa de banho tinha, era um café, tinha que ter uma retrete, não sei como hei-de chamar àquilo, porque o banho … não tinha chuveiro nem nada disso porque … tinha aquela coisa de asa e esse cubículozinho, que era muito saudável, digo eu, em vez das sanitas, um quadradinho onde os homens e as mulheres, os homens, basicamente, que as mulheres

na altura não iam ao café, a não ser pontualmente uma ou outra (faz reforço),

naturalmente, iam lá fazer as suas necessidades (…) no café era um piso térreo e nós vivíamos no café, numa casinha que havia ao lado (…) uma casa muito pequenina onde a gente vivia, eu dormia com os meus dois irmãos no mesmo quarto, os meus pais fizeram uma casinha de banho ao fundo do nosso quarto, que era uma sanita e uma bacia de lavar, que a gente não tinha onde tomar banho, tomávamos banho no esquema de alguidar como se fazia na aldeia». (o bold é nosso)

Este informante apesar de admitir que a cidade se transformou, insiste por outro lado que «a dimensão rural da cidade era muito forte, e eu penso que ainda hoje é, essa dimensão da ruralidade da cidade de Ev é fortíssima… uma coisa a preservar… porque é uma das coisas que caracteriza a cidade na sua essência.» Registamos este essencialismo muito presente nos discursos emic. Mas é sobretudo para os que vieram de fora que esta sociedade é dita “fechada” por uns, “atrasada” por outros, é mais problemática para os que vieram de fora, CAM29 (n.1956):

« em termos de vivências, Évora tem a universidade e isto é muita gente e mexe um bocado – mas no dia-a-dia vamos a casa uns dos outros? Se calhar não vamos muito, nos Açores íamos mais – tínhamos um grupo de amigos que à quarta-feira íamos para casa do tal… havia grupos e pontos de encontro… quando cheguei achei que isto em termos de mentalidade era mais atrasado que os Açores – mais retrógrado – em 1976 ainda apanhei muito resquício daquela grande disparidade do que era o grande agrário e do que era o resto, não é… mas isso perdeu-se … tive aí um cliente meu … pessoas com muito património mas nem sempre têm muita liquidez… ouvir na casa dele, dessas pessoas … que tinha a minha idade, contar as memórias boas que tinham de uma varanda de onde atiravam nos dias de anos rebuçados para os miúdos [filhos dos trabalhadores rurais] apanharem… ouvir… (ri-se) … ir às portas de S. Romão, onde está o PCP hoje… antes de ser do PCP e chegar lá e ver num primeiro andar, numa varanda, um guichet tipo… falta aqui uma escadaria para se chegar lá… não, era assim, para a pessoa receber [o salário], [o lavrador] dizia o nome e ele atirava o dinheiro para cá em baixo apanharem, quer dizer, havia coisas que eram impensáveis, isso nos Açores não era nada assim… isso mudou muito e rapidamente porque os novos eborenses, quem são? São as minhas filhas que nasceram cá…»

Para a maioria dos meus informantes esta “mudança” não é muito evidente, no entanto, a seguir ao 25 de Abril assume o poder local uma Comissão Provisória, encabeçada pelo Arqº. Manuel Bagulho, católico oposicionista determinado ao regime de Salazar-Caetano, mas os seus poderes e decisões foram limitados, e em entrevista, referiu que as maiores preocupações recaíram nas infra-estruturas, empreendendo essa Comissão vários estudos sobre o abastecimento de água, saneamento, o fornecimento de electricidade e equipamentos que se entendia faltar. Nas palavras do Arquitecto, dado a transitoriedade dos cargos, na cidade pouco mais fizeram que o alinhamento de cérceas e impedir que os jardins dentro e fora da cidade fossem regados pelo abastecimento central, assim como impediram a lavagem de carros pela rede pública, organizaram ainda nas escolas do Concelho uma campanha para a sensibilização do uso da água pública. Complementando a informação com os meus entrevistados, todas as infra-estruturas que não existiam ou eram débeis ou insuficientes, em Évora, foram relançadas nesta altura (1974-1976).

O Estado central assumiu um carácter de urgência no prover de habitação social para os mais desfavorecidos e sob a orientação de Campos Matos (CM) vai nascer o Plano de Expansão Prioritária (PEP). A Direcção Geral de Serviços de Urbanização (DGSU) declarou a zona a Oeste de Évora e a ela contígua como de Expansão Prioritária, expropriou 27 hectares das Quintas da Malagueirinha e da Malagueira e desenhou um plano marcadamente à Carta de Atenas com zonamento e

com edifícios em altura. Estavam definidas 1200 casas e 4120 habitantes para a área da Malagueira, esses números foram respeitados, mas não a construção em altura, nem o zonamento Modernista (Duarte, 1999: 59-61). Era intenção integrar os bairros clandestinos e as pré-existências, tudo isso foi igualmente cumprido. Aliás as casas clandestinas são uma das referências das casas depois desenhadas por Siza, a par da casa alentejana tradicional (ibidem: 62 e 89).106

O PEP teve que ser repensado depois dos fogos construídos pelo FFH na Cruz da Picada (1975) terem começado a ser rejeitados pela população, devido à sua construção em altura e materiais e acabamentos que não convenciam os seus habitantes. Esta rejeição vai gerar o Plano de Expansão Oeste (PEO), este da responsabilidade de Siza Vieira. Campos Matos foi o responsável na DGSU do acompanhamento de ambos os Planos junto da CME. São apontados como principais obstáculos à efectivação o serem inicialmente em altura e terem um zonamento típico da Carta de Atenas (Seabra, 2006: 23-26). A consequência da construção das torres da Cruz da Picada não se fez esperar: «Rapidamente, o plano da DGSU e os novos edifícios multifamiliares (…) transformou os bairros circundantes a este plano, Stª. Maria, Nª. Senhora da Glória e o Vale do Escurinho em guetos» (ibidem) e por arrastamento, a própria Malagueira que não descola da dita experiência de “habitação social”.

Abel, não referindo o Plano de Expansão Prioritária como antecedente e gerador do Plano de Expansão Oeste (PEO), critica no entanto as características do primeiro que se repercutem no segundo, na sua perspectiva, afirma que estes Planos são «praticamente coincidente[s] com as propostas do Plano Conceição Silva,107 no que diz respeito às densidades populacionais previstas: 1200 habitantes, mas divergindo na metodologia de abordagem» (2007-8: 98), ao recusar os edifícios em altura.

Simplício comentando a construção em altura que se praticou no primeiro Plano afirma que no pós-74 a Cruz da Picada – que é curiosamente o bairro com mais

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Para o autor, a influência de ambas «é ao mesmo tempo formal e funcional. O espaço doméstico está organizado em pequenos quartos interiores à volta de um grande pátio, denotando um estilo de vida centrado no exterior.» (ibidem).

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Esta aparentemente irrisória luta de Planos representa, na realidade, uma luta entre as Escolas de Arquitectura do Porto e de Lisboa, que teve consequências duradouras e bastante graves para a Malagueira.

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espaços e equipamentos de lazer – e Horta das Figueiras, as únicas construções em altura de Évora, devem igualmente ser caracterizadas por não terem espaços privados não edificados (quintais, logradouros – na Cruz da Picada percebe-se que pretendem ser substituídos pelo espaço público de lazer) o que igualmente os distingue de toda a cidade, onde «o tipo de habitação dominante no espaço urbano de Évora é constituído pelas moradias em banda contínua; de facto, esta tipologia ocorre em praticamente todos os bairros» de Évora. (Simplício, 1997: 219)

Sobre o Plano de Expansão Prioritária cabe a Jorge Silva, Arquitecto, membro da primeira vereação eleita de Évora a última palavra (Entª, Dezembro 2010):

«tenho o conhecimento que existiu um Projecto da DGSU porque antes de ir para a CME – depois do 25 de Abril – fui para o GAT em 1975 e é nessa altura que nós tomámos conta de todas as iniciativas urbanísticas possíveis (…) é a Expansão Oeste de Évora e nessa situação tomámos conhecimento da existência desse Plano [da DGSU] (…) da autoria do arquitecto Campos Matos. (…) No GAT esse Plano de Expansão Prioritária era uma orientação, não sei se já conformava um Plano definitivo ou se era um estudo prévio (…) eu confrontei-me na altura com os desenhos de implantação que o Campos Matos tinha e – na minha opinião – aqueles desenhos não se adequavam àquele contexto, às iniciativas que estavam em curso e obviamente era um contexto completamente diferente (…) as torres da Cruz da Picada são do Arquitecto Justino Morais (…) ele trabalhava para a o FFH tinha quase um projecto tipo para resolver os problemas de habitação social com uma certa densidade que ele aplicou na CP (…) fez- se aquela zona em função de um programa imediato de habitação que era preciso fazer (…) de certa maneira as iniciativas trabalhavam todos ao mesmo tempo (…) eu quando cheguei para ir trabalhar em Ev, em 1975, as torres já eram um facto… (…) não sou capaz de precisar com rigor (…) há uma falta de acolhimento daquela solução, sim, sim… por acaso ali na zona havia vários ciganos, mas não era isso, é a primeira vez que se

introduz construção em altura ali em Évora, e ainda são pessoas de um extracto social acabado de sair do rural, eram aquelas migrações para a cidade – vinham do rural tinham uma grande dificuldade de adaptação a um modelo mais urbano… não se

sentem bem… (…) há uma contestação da população e há de facto uma mistura de grupos étnicos, sociais que não sei se foi bem cuidada, enfim, naquela altura os principais objectivos não passavam por grandes integrações – havia outros objectivos que se sobrepunham a esses, aquilo não correu muito bem nesse ponto de vista… a questão era dar habitação a quem precisava, tentar responder às formas organizadas da população…» (o bold é nosso)

O Arquitecto Jorge Silva foi o responsável pelas linhas gerais do Plano de Expansão Oeste (PEO), eliminando o zonamento e os edifícios em altura, salvaguardadas as orientações de Nuno Portas (na altura no Governo Central) e acolhidas pelo GAT, e por trazer Álvaro Siza Vieira para realizar o PEO. Igualmente trouxe Jorge Carvalho (JC) para a CME onde se fixou durante alguns anos, dele é o

volume que faz a história do processo urbanístico de Évora nesses tempos pós 25 Abril – Évora, Administração Urbanística (1990) – o balanço que faz dos bairros clandestinos é ligeiramente diferente dos outros estudos: são 27, à volta da cidade, «21 não dispunham de estudo urbanístico, 11 não tinham água, 17 não possuíam esgotos» (Carvalho, 1990: 55). Para resolver este problema, em 1977, a CME cria um Gabinete de Recuperação das Áreas Clandestinas. Entretanto, logo em 74, tinham-se começado as infra-estruturas desses bairros, que só estarão concluídas depois de 1985.

Mas, este Gabinete é só mais um Grupo/Instituição que está no terreno a resolver os problemas, o FFH estava a lançar as torres da Cruz da Picada em 1975-6, data que JC reconhece ser a da aprovação do PEO – onde se integra a Malagueira – pela CME. O Plano, provavelmente Ante-Plano, como admite Jorge Silva, de Expansão Prioritária é associado ao PEO como «”zona prioritária de expansão de Évora”» (Carvalho, 1990: 51). Tudo estava a funcionar em simultâneo como assume o primeiro Presidente de Câmara eleito de Évora, Abílio Fernandes (Entrevista):

«fomos eleitos em Dezembro de 1976 e começámos a trabalhar em 1977, mesmo, na nossa equipa existia, éramos 7 como são hoje, existia um vereador eleito, na altura era a APU, que era arquitecto, o Jorge Silva (…) apresenta uma visão de ordenamento do território (…) defendendo o urbanismo que interessa às populações vindouras – porquê que esta preocupação é predominante? porque vivíamos numa altura pós-25 de Abril em que as solicitações à CME por parte das populações que nos elegeram eram tão diversificadas e duma dimensão tão alargada – que ia desde a luz de candeeiro, o buraco na rua, o arranjo da rua, a necessidade de equipamentos, uma visão geral das infra- estruturas… água, esgotos, eram milhentos problemas que naquele momento caíram

todos… pequenos, médios, grandes, enormes… todos ao mesmo tempo, o que

aconteceu connosco aconteceu com todas as Câmaras de Portugal – por isto considero de uma importância extrema termos tido um arquitecto» (o bold é nosso).

São, igualmente, os tempos do Serviço de Apoio Ambulatório Local, o SAAL – criado no primeiro Governo Provisório para, com carácter de urgência, apoiar tecnicamente as populações com carências habitacionais através de projectos pontuais localizados. Nuno Portas era Secretário de Estado para a Habitação e Urbanismo. Mas tudo isto tem pouca duração… o SAAL é rapidamente extinto dois anos depois: «os projectos SAAL foram suspensos, bem como a maior parte do Programa de Habitação Social, à excepção da Malagueira, cuja construção, embora interrompida entre 1978-

1980, foi concluída.» (Léger e Matos, 2010: 41)108 Mas não foi exactamente assim, o projecto da Malagueira nasceu do SAAL, mas desenvolveu-se à sua margem.

Álvaro Siza ainda trabalha com uma Comissão de Moradores – dita de S. Sebastião – fundada por actividade do SAAL (e da CME). Siza é categórico em admitir (quer na entrevista, quer por publicações) que essas populações e o trabalho que com elas desenvolveu era muito mais estimulante do que depois com as instituições com os seus sistemas burocráticos. Siza participou ainda em muitas reuniões com futuros utentes que provinham desta Comissão de Moradores de S. Sebastião fundada pelo SAAL, um dos seus membros e depois primeiro Presidente da cooperativa que lhe sucedeu, recorda assim a “Brigada” e a sua acção, Claudino Minguéns (Entª, 2011):

«isto era uma intervenção do SAAL – que foi um departamento que foi criado na altura de apoio às comissões de moradores e às cooperativas, nasceu assim… trabalhava com o Arqº Calado, eram mais, mas fundamentalmente esse… aquilo nunca [desenvolveu]… era um processo muito politizado, a política naquela altura era bastante instável as coisas não podiam ser diferentes, avançava-se um bocado recuava-se outro, mas aquilo aqui em Évora (Ev) nunca teve aplicação prática. Eles aqui em Ev ajudaram-nos apenas … tomaram-se algumas iniciativas juntamente com a CME, despertaram-nos ao fim ao cabo para esta situação, não foi mais do que isso… fomos nós a despertar pela necessidade, eles ajudaram-nos tecnicamente, trouxeram-nos coisas que nós na altura não dominávamos, porque antes do 25 de Abril essas coisas estavam todas muito fechadas, havia coisas que nem se imaginava para onde é que iriam depois, o cooperativismo, o associativismo, eles ajudaram-nos ao fim ao cabo… (…) a intervenção do SAAL era mais de recuperação desses bairros [degradados] – procurou-se que fosse através dessa associação de moradores, depois descambou [sic] e que se transformou em cooperativa – éramos 50 ou 60 pessoas, estava mais associada à esquerda, era um movimento político que… a política fez despertar, era um movimento social que as pessoas precisavam de habitação (…) [o SAAL] tinham um programa ideológico, fundamentalmente, acho que aquilo nunca passou dali, em muitos poucos lados passou, (…) no Norte, em Matosinhos, a Bouça (...) o SAAL queria fazer recuperação daqueles bairros existentes… e não uma intervenção a este nível.»

Mas em 1977 quando o primeiro executivo camarário entra em funções após eleições autárquicas a experiência revolucionária é uma mera recordação. E Abílio Fernandes, Jorge Silva e Álvaro Siza Vieira têm nas mãos as decisões fundamentais para requalificar urbanisticamente Évora. Coube-lhes essa responsabilidade com um

108 E os autores continuam: «As associações apoiadas pelo SAAL não tendo carácter político, não foram protegidas por nenhum partido político: (…) Face a esta rejeição generalizada aos projectos SAAL, por parte dos habitantes e do poder político, estes acabaram por desaparecer. Os habitantes ganharam alguns milhares de alojamentos e um conjunto de arquitectos, entre os quais Siza, conheceu a fama internacional com este programa que combina, de forma surpreendente, política, linguagem arquitectónica, participação das populações, recuperação de habitações degradadas, alternativas energéticas, diálogo entre o existente e o novo.» (ibidem)

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executivo que vai ser pioneiro nas questões urbanísticas deste país. Nuno Portas, como Secretário de Estado para a Habitação e Urbanismo, tinha sugerido novas regras: a referência à cidade, o respeito pelas pré-existências, mesmo os bairros clandestinos e