• Nenhum resultado encontrado

Cap.I Teorias estruturantes e Conceitos operativos

I.5. Modelo de análise

Recordamos as nossas hipóteses a testar-validar:

1. a satisfação residencial é tanto maior quanto a escolaridade/estatuto social dos utentes, ou não.

2. a satisfação residencial é tanto maior quanto maior a personalização identitária da casa, ou não.

3. a satisfação residencial com o espaço envolvente (setting) cresce à medida que há maior personalização identitária da casa, ou não.

4. um grupo doméstico que se constrói identitariamente no processo de personalização do seu habitat é um grupo mais homogéneo e mais preparado para o combate social de todos os dias – a satisfação residencial cresce se a participação e a coesão doméstica interna cresce.

Apresentámos, também, uma metodologia de recolha de informação com um trabalho de campo com residência in situ por 11 meses, residimos numa das primeiras ruas fundada nos anos 80 e cumprimos com o programa, além de nos instalarmos no local e vivermos no meio da população que entrevistávamos, procedemos a uma recolha de fontes locais-regionais que muito sustentam a tese. Procedemos também a um levantamento da teoria de Arquitectura que se debruçou sobre o bairro e o estudou – e faremos na abertura do terceiro capítulo um balanço sobre estas críticas e avaliações e, no próximo capítulo, a História da concepção e construção da Malagueira, devidamente enquadrada na História urbano-antropológica de Évora e região envolvente.

Especificámos objectivo a objectivo, na Introdução, a perspectiva de levantamento da informação de um modo que posteriormente fosse mais sistematizável a sua análise, recordamos: 1. Modelos de apropriação-personalização;

2. Settings, Actividades e Consumos expressivos e quotidianos – Estilos de vida; 3. Processos relacionais e de construção simbólica e identitária;84 4. Histórias de vida e Projectos, um balanço. Todos os tipos de abordagem foram quantitativos e

qualitativos, e temos neste momento cerca de 200 horas de entrevistas a 90 grupos domésticos-fogos (e a técnicos ou políticos envolvidos no processo da Malagueira) e

84

Pensávamos destacar com este tópico as relações entre os habitantes e as diversas instituições que envolviam as práticas dos mesmos, regulando-as, constrangendo-as ou promovendo-as – a CME e os seus Serviços Técnicos, as cooperativas, ou a Habévora, mas, progressivamente estas relações foram diluindo-se nos outros tópicos. As relações de vizinhança entre os habitantes – que pensávamos avaliar no tópico dos estilos de vida – também estão diluídas nos processos de apropriação-personalização e construção identitária.

152

143 inquéritos preenchidos pelos mesmos entrevistados. O objectivo era, dada a grande diversidade de informantes e a possibilidade da informação ser pouco específica, vaga ou inconclusiva, termos referentes quantificáveis que pudessem junto com as suas narrativas assumir uma coerência formal, o mais objectiva possível. Cremos ter alcançado esses objectivos e agora do que se trata é de analisar os dados colectados em relação a cada hipótese, parece-nos ser o caminho mais seguro para avançar, cada hipótese será avaliada pela narrativa da história de vida e por variáveis do inquérito a explicitar.

A segmentação de recolha, exposta em cima, parece-nos agora pouco indicada à análise e que nos dispersaria para trabalhar objectivamente cada hipótese. Um exemplo, a apropriação-personalização integrará as reflexões referentes a todas as hipóteses a testar. Enquanto, por exemplo, recolhemos pouca informação no que respeita a consumos referentes ao estilo de vida/lazer (teatros, cinema, exposições, ou desporto). Poucos informantes se terão referido a esses temas, que nunca deixámos de sugerir nas entrevistas semi-dirigidas. Pelo que se expõe decidimos confrontar as entrevistas – história de vida, narrativas de experiências residenciais e domésticas, etc. – com determinados itens dos inquéritos, este confronto é o essencial do nosso modelo de análise.

Para efeitos comparativos, trazemos à colação dois modelos de análise que têm relação directa com o nosso trabalho, Rosales (2008) ao estudar a re-construção identitária de uma população em processo migratório através, sobretudo, dos consumos domésticos, inscreve a casa na categoria de “artefacto”, embora a descreva de seguida como uma estrutura: «uma vez que as suas dimensões materiais (físicas) interagem, e em certa medida, poderão intervir e condicionar, quer os processos de apropriação que ocorrem no seu domínio, quer os modos como ela própria é apropriada pelos sujeitos que a habitam.» (2008: 292) A autora começa por estudar a localização das casas coloniais ou as actuais, fazer a sua caracterização e depois as «políticas de gestão e organização do espaço doméstico» (ibidem). As casas coloniais trazem memórias e destacam sobretudo a espaciosidade das salas e dos espaços exteriores e a boa localização no tecido urbano, mas são omissos quanto ao lay-out ou qualquer referência à arquitectura ou a estrutura física das casas em Moçambique

(ibidem: 296), sobressai o papel central das mulheres na organização e gestão da casa, ambos os membros do casal trabalhavam fora na maioria dos informantes, sobressai também o papel dos “criados” na organização das tarefas domésticas e a atribuição de um espaço fundamental de sociabilidade à casa onde se reuniam com os amigos muito regularmente, além de outros espaços públicos (ibidem: 298 e 302).

As casas eram decoradas ao “estilo europeu”, quando analisa as casas em Portugal dirá que é um “estilo clássico”, objectos africanos era impensável. Os objectos africanos de artesanato eram considerados “exóticos” e eram enviados para a Metrópole, Arte Africana só foi considerada no pós-25 de Abril. As peças orientais ou chinesas, ou indo-portuguesas eram para a “classe alta”, um “privilégio” (ibidem: 308). Afirmava-se em Moçambique um cosmopolitismo que contrastava com o provincianismo da Metrópole. A distinção era uma prática afirmada no modo de receber. O chá era um momento importante de afirmação do estatuto – uma “especificidade identitária” além da complexidade do ritual, mas as novas gerações (já em Lisboa) não têm tempo para aprender a “receber” (ibidem: 384). Enquanto os portugueses se foram esquecendo do caril de domingo (ibidem: 408) e do chá das cinco, os goeses intensificaram as relações com a “origem” (ibidem: 436) fizeram viagens a Goa e descobriram a “sua casa de família” e a parentela que lá vive, as casas de Portugal materializam com os objectos que trazem dessas casas a sua casa primeira (primordial) – a “primeira casa perdida”85 (ibidem: 446): «algumas das peças transportadas de Goa provêm directamente das “casas de família”, uma parte destes objectos possui a capacidade de representar e materializar a “primeira casa perdida”.» (ibidem: 446)

Resumindo, analisa a localização das casas e a sua caracterização genérica, sistematiza a organização social do espaço doméstico. No que respeita aos consumos domésticos investidos na casa, selecciona os seguintes itens: 1. Opções decorativas, mobiliário e outros objectos (que obedeciam a critérios cénicos de ambiência), 2. Práticas alimentares, 3. Consumos “específicos” – literatura, música e artes, podemos dizer que são os consumos distintivos. Aborda ainda práticas sociais como rituais de sociabilidade e distinção, e estabelece uma hierarquia émica dos objectos. É um

85 Que imediatamente remete para Bachelard, não sendo no entanto referido.

154

sintético exemplo do trabalho de Rosales, que queremos ter presente no nosso modelo de análise. De uma perspectiva interna à própria casa e apresentamos um outro exemplo sobretudo referindo os aspectos urbanos, tanto um como outro já foram abordados antes na nossa tese.

Feijó Barreira (2000) ao estudar as representações e estilos de vida num bairro de habitação social, um texto que faz a avaliação pós-ocupacional clássica de um processo de realojamento, apresenta a seguinte estrutura:

1. O bairro social das Andorinhas – uma caracterização física; 2. Objectivos do projecto de investigação; 3. A população do bairro das Andorinhas; 3.1. Qualificações e emprego - a estrutura sócio-económica; 3.2. «Em casa manda ela, e nela mando eu» - a estrutura de organização familiar; 3.3. A «má vizinhança» - relações entre vizinhos e redes de sociabilidade; 3.4. «Gosto da casa mas não gosto do bairro» - identidades e representações sociais; 4. Reflexões em torno de um projecto de intervenção

Resumindo, depois de caracterizar fisicamente o bairro e a estrutura socio- económica que o contextualiza, faz a caracterização da população, passa ao interior da casa com as relações entre o grupo doméstico, a seguir sai do fogo e estuda as relações entre os habitantes nos espaços colectivos e públicos para concluir sobre a satisfação residencial e o balanço émico e ético que se pode fazer deste empreendimento estatal de habitação social.

Nós, no nosso modelo de análise passamos a hipótese 1. a satisfação residencial é tanto maior quanto a escolaridade/estatuto social dos utentes, ou não, para última – será a hipótese 4 a partir daqui, porque o seu tratamento passará essencialmente pela caracterização da população (dados do nosso inquérito): idade, sexo, estado civil, profissão, escolaridade, e rendimento mensal familiar confrontados com a resposta: “quantas zonas da Malagueira é que existem, do seu ponto de vista?” e “em qual delas vive?” (Cf. a grelha do Inquérito, no II Volume – Anexos). O que nos permite aferir do grau de consciência social no que se refere à hierarquização/segregação das diversas zonas do bairro. Queremos saber como o habitante se posiciona, o que só fará sentido – como todas as validações das hipóteses – em complementaridade com a história de vida, a sua origem e o seu trajecto residencial. Mas, mais do que caracterizar o seu passado ou presente, queremos perceber como se perspectivam no futuro, quais são as suas expectativas,

pretendemos com esta hipótese não só aferir do grau de satisfação social com a casa e com a hierarquia de prestígio que o envolve, mas perceber da existência, ou não, desse habitante omnívoro que cruza as classes e os espaços de hierarquia social. A terceira parte do Inquérito respeitante à relação com a vizinhança também será considerada, é importante saber como se processam as sociabilidades – dentro ou fora do bairro. A caracterização da população será feita desde a hipótese 1, gradualmente, porque em todas as hipóteses variável “caracterização” é parte integrante do seu desenvolvimento.

Com a hipótese 2, que passará a 1. a satisfação residencial é tanto maior quanto maior a personalização identitária da casa, ou não, trataremos os dados do campo do Inquérito sobre a satisfação residencial no que respeita à casa (item 2 do Inquérito) e as entrevistas, relevando as alterações produzidas no fogo e os modos de o habitar no sentido de investigar como se processa a identificação pessoal ou do grupo doméstico na sua relação com a casa e com os outros. Os consumos centrados na casa e os estilos de vida no que respeita à apropriação do espaço doméstico são itens sempre presentes.

Com a hipótese 3 (que passará a 2). a satisfação residencial com o espaço envolvente (setting) cresce à medida que há maior personalização identitária da casa, ou não, trabalharemos os dados da Satisfação com o Bairro (primeira parte do Inquérito), confrontados com o item: Satisfação geral com a casa e com as entrevistas. O objectivo é testar-validar a tese sustentada por muitos sociólogos que nos bairros sociais se gosta da casa e se desgosta do bairro. Todas as hipóteses são cruzadas a nível das entrevistas das três áreas originais do bairro: privados, cooperativas e Habévora.

Com a hipótese 4 que passará a 3. um grupo doméstico que se constrói identitariamente no processo de personalização do seu habitat é um grupo mais homogéneo e mais preparado para o combate social de todos os dias – a satisfação residencial cresce se a participação e a coesão doméstica interna cresce, pretendemos avaliar das relações estabelecidas internamente ao grupo doméstico fundadas na sua relação com a casa. A casa mediou e fortificou as relações familiares ou, antes pelo contrário, criou desgaste, mal entendidos e conflitos entre as diversas

propostas de arranjos interiores/exteriores e entre as agencialidades de “pai”, “mãe”, “filhos” ou outros familiares ou mesmo amigos. Avaliar os enunciados dos entrevistados, em todas as áreas e de todas as idades, sobre esta participação ou ausência dela, na construção de um lar e da sua identificação perante o sistema social.

Depois de testadas estas hipóteses, que serão antecedidas por dois Sub- Capítulos em que se avaliarão (1.) as alterações sistematizadas pelos arquitectos dentro das casas da Malagueira e no exterior imediato – pátio e fachada – bem como nos espaços colectivos e públicos, também se dará a voz aos informantes sobre o carácter geral do projecto e no caso de terem participado no processo e (2.) se fará o balanço da ocupação da reduzida população portuguesa-cigana; concluiremos a nossa tese com um capítulo-ensaio sobre o que foi e é este projecto, e o que nos diz a nossa experiência teórico-empírica sobre o habitar contemporâneo neste bairro “social” de Álvaro Siza Vieira.

Registamos igualmente que esta segmentação é operatória e que as fronteiras se podem cruzar ocasionalmente, e ainda que os itens referentes às garagens não foram retirados mas que são de pouco valor heurístico, uma vez que a maior parte da população não teve acesso a essas garagens nos 418 fogos construídos pelo ex- IGAPHE, e que nem todos os habitantes provenientes das cooperativas ou mesmo privados as desejaram. Explicar-se-á o porquê no Capítulo seguinte.

Cap.II. A Cidade de Évora: evolução e contexto na perspectiva do nosso