• Nenhum resultado encontrado

A última década do século XX 131

5   A EaD na Formação Continuada de Professores

5.3   As políticas federais para a formação de professores baseadas na EaD 130

5.3.1   A última década do século XX 131

Pela importância e por seu caráter universalizante, além de se transformar pela primeira vez em legislação específica, procuraremos entender as políticas implementadas na última década do século XX e seus reflexos na formação continuada de professores. Não nos esquecendo de toda a conjuntura já apresentada do panorama mundial que se estabelece principalmente após os anos 1990,

com a globalização, o neoliberalismo, as transformações proporcionada pelas TIC e as consequências para o trabalhador individualizado.

Após o longo período da ditadura militar e pela primeira vez em mais de 20 anos sem voto direto para Presidente da República, Fernando Collor de Mello é eleito em 1989 Presidente e assume o cargo em 1990. É nesse mesmo ano que ocorre a Conferência Mundial de Educação Para Todos, promovida pela UNESCO e pelo BIRD, coloca como prioridade da educação o ensino fundamental, além da garantia de acesso às necessidades básicas e a equidade nas políticas públicas. Em sua proposta incentiva ações que mobilizem “[...] recursos financeiros e humanos, públicos, privados ou voluntários, [...]” destacando que “[...] a educação básica constitui o investimento mais importante que se pode fazer no povo e no futuro de um país.”(JOMTIEN, 2007)

Foi neste período, quando o Brasil encontrava-se numa posição econômica desfavorável na ordem mundial, junto com a ofensiva neoliberal que retoma-se a Teoria do Capital Humano, teoria que esteve presente nas políticas do regime militar. É neste cenário que a Educação é colocada como um dos principais determinantes da competitividade entre os países. Justificou-se as diferenças de salários e oportunidades, inclusive as diferenças entre nações, como sendo uma diferença de formação ou qualificação, assim, para a superação das barreiras educacionais que impediam a sobrevivência no cenário mundial seria necessária a participação de amplos setores da sociedade. Tudo isso foi compactuado pela UNESCO35, CEPAL36, PROMEDLAC37 E BANCO MUNDIAL,

determinando as tarefas a serem cumpridas pelos países Latino Americanos e Caribe principalmente quanto às reformas educacionais (SHIROMA et al., 2004).

Em resposta ao acordado na Conferência de Jomtien, foi elaborado em 1993 pelo Ministério da Educação o Plano Decenal de Educação Para Todos, no qual se compromete a investir no ensino fundamental. Em 1994 assume o governo FHC, implementando políticas ratificadoras deste acordo, assim cria o FUNDEF, a nova LDB, cria a Secretaria de Educação a Distância – SEED e mais para

35 UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization - Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura.

36 CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.

37 PROMEDLAC é a sigla que indica a reunião de Ministros de Educação convocados pela Unesco para analisar o

133

2001 implementa o PNE, definindo assim os meios e os fins para o financiamento da educação (PINTO, 2002).

A Secretaria de Educação a Distância – SEED – foi oficialmente criada pelo Decreto nº 1.917, de 27 de maio de 1996. Entre as suas primeiras ações, nesse mesmo ano, estão a estreia do canal Tv Escola e a apresentação do documento-base do “programa Informática na Educação”, na III Reunião Extraordinária do Conselho Nacional de Educação (CONSED). E após uma série de encontros realizados pelo País para discutir suas diretrizes iniciais, foi lançado oficialmente, em 1997, o Proinfo – Programa Nacional de Informática na Educação –, cujo objetivo é a instalação de laboratórios de computadores para as escolas públicas urbanas e rurais de ensino básico de todo o Brasil.

Dessa forma, o Ministério da Educação, por meio da SEED, atua como um agente de inovação tecnológica nos processos de ensino e aprendizagem, fomentando a incorporação das tecnologias de informação e comunicação (TICs) e das técnicas de educação a distância aos métodos didático-pedagógicos. Além disso, promove a pesquisa e o desenvolvimento voltados para a introdução de novos conceitos e práticas nas escolas públicas brasileiras. (MEC, 2011)

Implementações que seguem a cartilha dos organismos internacionais e que contém implícitas nos seus atos as idéias neoliberais de Estado mínimo, com uma forte presença do Mercado e do setor privado ocupando os espaços abandonados pelo Estado, além da já citada política do Banco Mundial, acrescenta-se a Teoria do Capital Humano, individualizando as responsabilidades de formação e de fracasso. É neste momento que se implementa a Lei de Responsabilidade Fiscal, com a sua criação passa a existir uma restrição às despesas públicas dos estados, impactando a prestação dos diversos serviços públicos, como: saúde, educação, previdência pública, entre outros. a criação da Lei é justamente parte do pacote de medidas descentralizadoras, mas com forte controle por parte do governo federal. Esse, com a Lei, passa a ter controle sobre os gastos dos estados e municípios.

Justamente neste cenário que se implementa o uso da EaD na formação superior, com a criação da SEED, apoiada na LDB. No entanto a preferência na implantação da EaD se deu pela falsa idéia de redução de custos, sendo assim validada pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Para os representantes governamentais, ao manter relações de trabalho mais "flexíveis" e terceirizadas, os pólos de EaD representam unidades de "produção" de serviços públicos mais atraentes e menos onerosas de "inclusão" digital. O desenvolvimento destas unidades tem gerado uma preocupação nas organizações de classe das IES públicas, porque do ponto de vista institucional estas unidades tendem a representar um poder paralelo que compete, através da EaD, na prestação de serviços de educação e formação profissional, com formas "flexíveis" e terceirizadas de trabalho. Portanto, o problema não é trabalhar com a EaD e as novas tecnologias educacionais, mas a precarização das relações de trabalho característica dos processos de implantação das mesmas nas IES e uso de softwares proprietários nas plataformas que mantêm este ambiente educacional. (PIRES, 2001, p. 6)

Cabe lembrar que as políticas não eram mais norteadas pela ideia de igualdade e sim de equidade de Ralws38, o que cria um grande diferencial. O que significa que não haverá um direito

igual para todos, e sim, uma medida compensatória para aparar os efeitos negativos da desigualdade. No entanto, o que se verificou foi que as políticas resultaram para alguns setores, aqueles de maior poder econômico, uma formação preferencialmente presencial e de qualidade, para setores mais populares ou atividades fins (nos parece que o professor do ensino básico é entendido como um trabalhador chão de fábrica e o produto de seu trabalho uma mercadoria comum com pouco valor agregado) uma formação aligeirada e de baixo custo, o que indica sempre, em nosso país, ser de má qualidade.

Para encerrar a discussão sobre nossa primeira hipótese, afirmamos que a democratização, como processo ou método, de acordo com Borón (2000), tem duas intenções no que tange ao processo de reestruturação produtiva: a primeira é imprimir a ideologia de que pelo acesso democratizado à educação, pela EaD, todos podem alcançar condições sociais de vida melhores; a segunda é formar um grande contingente de mão-de- obra especializada requerida pelo sistema produtivo.

De acordo com Shiroma, Evangelista e Moraes (2003, p. 56), “mecanicamente e repetindo uma velha máxima salvacionista – atribuiu-se à educação o condão da sustentação da competitividade” [...]. De acordo com Borges (2006, p. 152); A crença na democracia e na cidadania como valor tem como decorrência a crença na escola como espaço de transformação social – às vezes explícita, às vezes subliminar – de que o acesso a condições materiais se vinculam à escolarização assim como à democracia. (MALANCHEN, 2007, p. 213)

Essa abordagem no que se refere à formação continuada de professores, leva este campo profissional ao que Shiroma, Evangelista e Moraes (2003, p. 67) chamam de desintelectualização docente. A retirada destes profissionais de uma formação de qualidade é transformar o professor em um aplicador ou técnico, uma vez que se transforma em aprendizado instrumental e voltado somente para aperfeiçoamento do conhecimento aplicado, isso significa na desprofissionalização deste trabalhador. Sem, no entanto, promover a reflexão sobre a prática, sem acrescentar densidade intelectual sobre fenômenos alheios aos conhecimentos escolares, mas que certamente os possibilitariam refletir sobre suas práticas e, principalmente, sobre o seu papel social; resultando numa despolitização do professor.

Essa forma de desintelectualização é perfeitamente visível nos programas de EaD para formação docente, posto que o tutor presencial ou virtual, que tem o contato com o

38 John Rawls (Baltimore, 21 de Fevereiro de 1921 — Lexington, 24 de Novembro de 2002) foi um professor de

135

estudante que cursa a EaD, não é o responsável pela elaboração do material, das atividades e da avaliação; ele simplesmente segue uma rotina de atividades que foi pensada e elaborada por outros profissionais. A desintelectualização ocorre também pelos princípios que regem os cursos de EaD, em sua maioria, que são os de aproveitar a prática do professor para realizar uma reflexão colada na empiria, afastando, assim, a formação deste de uma teoria científica, logo, mais elaborada. (MALANCHEN, 2007, p. 213 e 214)

O MEC, no final dos anos 1990 e início do século XXI, teve papel importante na implementação de políticas que implicaram na precarização da formação de professores, e a EaD foi a vilã neste processo, talvez por isso tenha encontrado tanta resistência em setores mais progressistas, sindicatos e academia. Além de facilitar o credenciamento de instituições privadas, implementou por meio de Portaria normas que indicavam sua intenção.

A possibilidade de ampliar a oferta de educação a distância nas instituições públicas e privadas de ensino superior no Brasil, em termos legais, foi concretizada por meio da Portaria do Ministério da Educação no. 2253, de 2001. Essa norma legal – que definiu que até 20% das disciplinas do curso presencial poderiam ser ofertadas na modalidade a distância - permitiu que se legalizasse a utilização isolada de disciplinas a distância nas instituições de ensino superior. (MATIAS-PEREIRA, 2008, p. 49)

Temos a partir deste período o início do crescimento exagerado de matrículas nos cursos em EaD. Mais adiante esse tema será apresentado juntamente com a análise do censo do MEC e seus números. Por hora continuaremos a análise das políticas nos seus enunciados. Com a mudança de Governo, em 2003, percebe-se um novo ordenamento, surge um importante documento que norteia e regulamenta a EaD no ensino superior é o Referencias de Qualidade para Educação Superior a Distância.

Esses Referenciais de Qualidade circunscrevem-se no ordenamento legal vigente em complemento às determinações específicas da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, do Decreto 5.622, de 20 de dezembro de 2005, do Decreto 5.773, de junho de 2006 e das Portarias Normativas 1 e 2, de 11 de janeiro de 2007.

Embora seja um documento que não tem força de lei, ele será um referencial norteador para subsidiar atos legais do poder público no que se referem aos processos específicos de regulação, supervisão e avaliação da modalidade citada.

Por outro lado, as orientações contidas neste documento devem ter função indutora, não só em termos da própria concepção teórico-metodológica da educação a distância, mas também da organização de sistemas de EAD no Brasil. (MEC, 2011)

Este documento passa então a definir o uso da EaD no ensino superior e a exigência do comprimento dos seus requisitos mínimos provocou forte impacto nos anos seguintes. Impactos esses vistos com bons olhos pela sociedade, pois deu ordenamento a uma enorme rede, fechando pólos inadequados, impedindo a expansão sem critérios mínimos de qualidade e, principalmente,

sendo efetivo na melhoria do sistema de ensino superior a distância. Por sua importância, apresentamos a seguir uma análise geral de seu conteúdo.