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2   Contexto Mundial 27

2.2   Escola, Sociedade e Trabalho 46

2.2.1   Trabalho e Tecnologia 50

Ao iniciar as análises das relações entre tecnologia e educação, faz-se necessário primeiro definir o que é tecnologia, principalmente quando vivemos num mundo rodeado de, cada vez mais, novas tecnologias. É importante pensar sobre qual é o conceito de tecnologia que está presente no nosso dia a dia. Compreender que a tecnologia não é neutra, tampouco determinista, faz-se necessário, pois esta pode promover conforme o seu uso o autoritarismo ou a liberdade, o acesso democrático ou a alienação e o isolamento, a escassez ou a abundância, o fim do trabalho escravo ou acirramento deste. Ou como já colocado anteriormente neste capítulo, tem sido usada também para promover o aumento da produção e acúmulo do capital, o que torna indissociáveis as idéias de tecnologia e ideologia.

Na teoria marxista, entende-se que a técnica tinha um caráter de saber-fazer para fins práticos, sendo transmitida de geração a geração até o início da Revolução Industrial, no século XVIII, quando o desenvolvimento capitalista incorporou a ciência à técnica, transformando-a em tecnologia.

Se consideramos que a força do tecnológico é contemporânea da revolução industrial (o que fica evidenciado no surgimento do termo, que passa a ocupar espaço na literatura sobre o mundo da produção no século XVII, XVIII e XIX), sua gênese está na própria relação de ruptura com o artesanato. A tecnologia é, sem si, uma abstração de todas as artes específicas: “é a tecnologia que explica de maneira completa, clara e ordenada, todos os trabalhos, assim como seus fundamentos e suas conseqüências” (Beckmann, 1777, apud Saul, 1988, p. 98). Isto indica que o tecnológico é uma forma pela qual a espécie organiza e estrutura um conjunto de procedimentos sociais diversificados, vinculados a ações de produção cultural e material. Como decifrou Marx, tecnologia é saber social objetivado. Porém, a forma como este saber social é objetivado modifica-se na história. Como acentua Habermas (1994), a partir do século XIX esta objetivação ocorre, principalmente, sob a batuta do conhecimento científico. (FERREIRA, 2009)

Marx (1975) entende que enquanto o modo de produção capitalista persistir, não será possível retirar do trabalho o caráter de gerador de valor. Contudo, por meio das mudanças ocorridas no interior do mundo do trabalho e com o avanço da tecnologia, que exige uma mão de obra cada vez mais qualificada, há uma ruptura entre o que ele chama de trabalho vivo e trabalho morto. Este baseado na tecnologia e que quase não necessita de esforço humano para existir, o sistema opera assentado, não mais na força de trabalho, e sim inserido no “meio” do trabalho. O sistema industrial desenvolve-se assim na contramão do processo de trabalho, com o trabalho morto comandando a dinâmica da produção, subordinando, numa lógica, cruel o trabalho ao capital.

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Habermas (1980) descreve isso como sendo uma "cientifização da técnica" quando, com a tecnologia, passou-se a produzir em função das necessidades da indústria. Agora a ciência, a técnica e a valorização encontram-se juntos inseridos em um mesmo sistema, uma vez que um propicia o aumento da produtividade e do lucro do outro. Neste processo é que ocorre o dualismo entre o agir racional e o agir comunicativo, eliminando a diferença entre práxis e técnica, núcleo da "nova ideologia".

O que possibilita a manutenção desta lógica, segundo Marx, é que ela também faz com que a força produtiva desenvolva suas potencialidades. Sua eficácia se deve ao fato de desenvolver estas potencialidades, tanto no plano material com uma elevação da mais valia relativa, quanto no plano ideológico, pois essa força produtiva, apesar de explorada, defende com mais afinco este modo de produção à medida que seu ganho é maior. Assim o trabalho torna-se um processo inteiramente objetivado, o que resulta em um crescimento da força produtiva social do trabalho em prejuízo da força individual. De outra maneira, com a introdução da maquinaria, ocorre a oposição entre o indivíduo e as condições objetivas da produção, o que resulta na objetivação do processo de trabalho. Assim ocorre uma a ruptura da força viva de trabalho como seu sujeito, pois esse passa a ser meramente um meio no processo de produção, tornando-se um elemento passivo comandada pelas máquinas, estas agora os sujeitos ativos do processo.

A idéia de tecnologia associada à modernidade vem sempre acoplada à idéia de avanço, de novidade, de “ponta”. Esse conceito de High-Tec foi criado pela mídia, com interesses comerciais, para promover as novas tecnologias baseadas em avanços eletrônicos (NELKIN, 1987). Influenciados por estas idéias, acabamos por associar tecnologia com os equipamentos eletrônicos e informatizados. Porém, há que se entender que o denominado tecnológico é um aspecto da organização social, da produção cultural, entre outros aspectos da vida humana. De tal modo, a etapa anterior, chamada de artesanal ou somente de técnica, também pode ser entendida como uma etapa do desenvolvimento tecnológico.

Desta forma, desde quando o primeiro ser humano utilizou um instrumento, pedaço de madeira ou uma pedra, para realizar uma tarefa que seu corpo não conseguia desempenhar sozinho, ou seja, utilizou-se de um artifício externo ao seu potencial natural corpóreo, passou a transformar sua realidade por um advento tecnológico, neste primeiro caso a potencialização foi promovida pela

madeira ou pedra. Com o tempo passou a desenvolver esta tecnologia, inicialmente percebendo que se fizesse uma ponta na madeira esta perfurava melhor, se acoplasse uma pedra na ponta de uma madeira podia quebrar coisas mais facilmente, se lascasse esta pedra formando um chanfro esta cortaria com maior rapidez. Enfim, as transformações subsequentes foram sofisticações da primeira. Podemos afirmar que o ser humano é um animal criativo, mas preguiçoso, e, por isso, sempre procurou uma forma nova de fazer seus trabalhos, necessários para sua sobrevivência, de forma mais fácil, não necessariamente mais simples, já que a sua vida tornou-se cada vez mais complexa. Tudo isso graças ao desenvolvimento tecnológico.

De modo simples e direto, por tecnologia pode-se definir o conjunto complexo de técnicas, artes e ofícios (techné) capazes de modificar/transformar o ambiente natural, social e humano (cognitivo), em novas realidades construídas artificialmente. De acordo com este pressuposto, e como bem sabiam os gregos clássicos, a técnica (Techné) não é boa, nem má, nem neutra – mas política. (MARTINEZ, 2009)

Certamente, esta forma de entender tecnologia nos faz perceber que temos uma vida completamente atrelada aos seus resultados. Seria impossível pensar no mundo como hoje vivemos sem qualquer um dos seus itens tecnológicos, dos mais simples, como uma folha de papel, escova de dente ou nossas roupas, até os mais complexos como o computador.

As análises que vinculam a tecnologia à economia política adotam, direta ou indiretamente, o conceito de tecnologia inspirados em Marx. Neste conceito, tecnologia é instrumento, é meio de produção que, na contemporaneidade, objetiva a racionalidade científica, numa composição material, objetiva, passível de uma demarcação no tempo/espaço. Há, neste sentido, um desenvolvimento tecnológico que pode ser mapeado. Este desenvolvimento, na medida em que vinculado ao modo de produção, não é aleatório e caótico. Ele sintetiza estratégias sociais variadas na esfera da criação de tecnologia e também no consumo do tecnológico, incluindo o consumo produtivo. (FERREIRA, 2009)

Disso, pode-se entender que na dinâmica do capitalismo, ao transformar os modos de produção artesanal em industrial, ao promover o desenvolvimento da máquina e a destituição do trabalhador do domínio da técnica, o papel da tecnologia tem sido o de perpetuar esta condição de trabalho alienado e de controle.

Como expressão do trabalho intelectual, surge o pesquisador que é aquele trabalha com o desenvolvimento científico, não necessariamente acoplado ao capital ou ao modo de produção. Este desenvolvimento, contudo, é absorvido pelo capital que o transforma em meios de produção, em controle, em ganho de eficiência e, principalmente de tempo. Se por um lado o desenvolvimento científico proporciona ganho de capital, por outro há o financiamento das pesquisas científicas,

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gerando uma relação cíclica. Por isso, Habermas (1980) insiste em enfatizar a determinação que se insinua no sistema social pelo progresso técnico-científico, principalmente quando este progresso aparece como uma componente independente e as relações sociais como uma componente dependente.

Continuando com Habermas (1980), acabam por perder o sentido as utopias baseadas nas relações produtivas e no trabalho, uma vez que não vislumbram mais a emancipação da sociedade. Podemos corrigir este desvio somente resgatando a política na sociedade e isso se dá por meio do agir comunicativo, promovido por um sujeito que faz a leitura crítica da realidade e dos valores da sociedade, principalmente aqueles que foram submetidas à técnica, à ciência e à sociedade.

Somente assim este desenvolvimento pode ser entendido de outra forma, como libertador e facilitador, poupando o trabalhador de atividades embrutecedoras ou perigosas. Possibilitando que este estabeleça novas relações entre trabalho e tempo, potencializando comunicações e transpondo a barreira da informação controlada, como aquelas possíveis com o advento da internet e seus recursos2. Essa delicada relação entre o controle do tempo de trabalho e da produção e a possível

liberdade de tempo e espaço, de informação e comunicação advindas do desenvolvimento tecnológico tem provocado um constante debate na sociedade. Alguns recriminam e rechaçam as constantes novas tecnologias, que provocam contínua mudança e necessidade de adaptação, outros criam possibilidades de trabalhos mais facilitados e avanços que possibilitam o crescimento da qualidade de vida humana.

Neste processo, a gênese moderna da informática (considerando os fatos pós século XV) confirmam que a ciência (o saber-pensar) e a criação tecnológica (que implica na realização de uma ação e antecipação de outra) se autonomizam da produção (que no artesanato se apresenta como saber-fazer), se desprendendo dos vínculos imediatos com esta, para se transformar também em atividade de agentes sociais especializados. No caso, a invenção tecnológica passa a depender da capacidade das operações abstratas do pensamento lógico e matemático e das transformações destas operações em atividades maquínicas concretas, por um processo de construção e aproximações antecipatórias e simulatórias. A Teoria Crítica formulou que este processo funda a racionalidade instrumental ou tecnológica, abrangendo o pensamento constituído em torno da criação científica, do uso e práticas sociais, passando pelas objetivações em tecnologias. (FERREIRA, 2009)

Não podemos deixar de estabelecer a relação com a contextualização mundial, realizada no primeiro tópico. A forte influência das novas tecnologias de comunicação e informação que têm propiciado mudanças no setor produtivo, na fragilização das relações de trabalho, entre outros impactos lá discutidos e apresentados. O importante aqui, neste tópico, era deixar claro que a tecnologia não é neutra, tampouco determinista e seu uso pode tornar a vida humana pior ou melhor, justamente por carregar ideologias e utopias. Também era a intenção desfazer a impressão de que quando falamos de tecnologia estamos falando do mundo do high-tec, ou da alta tecnologia – a informática, a robótica, a eletrônica digital. Apesar destas fazerem parte cada vez mais do cotidiano e dos objetos que utilizamos comumente, podemos afirmar que tecnologia faz parte da cultura humana; não é algo artificial vindo de fora, imposto, mas sim criado dentro do próprio caldeirão cultural ao longo da história humana.