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Por uma formação pertinente 109

4   Formação Continuada de Professores 105

4.1   Por uma formação pertinente 109

Segundo Imbernón (2002, p. 8), a formação continuada nos tempos atuais deve contemplar uma dimensão que prepare o professor para uma outra educação, aquela na qual

A instituição educativa precisa que outras instâncias sociais se envolvam e a ajudem no processo de educar. E isso implica que a educação se torne cada vez mais complexa, seja muito mais que este mero ensino do básico elementar, de um ponto de vista acadêmico, a minoria homogênea em uma época em que o conhecimento e sua gestão estavam em poder de uma minoria, que monopolizava o saber.

Se hoje necessitamos de uma nova escola, isso implica que necessitamos de um novo professor, quer pelas mudanças na estrutura da sociedade, ou pelas influências das novas tecnologias de informação e comunicação, quer pelas políticas mundiais que desestruturaram o mundo do trabalho e emprego e deixaram o cidadão órfão de sua cidadania, transformando-o em um ente individualizado e separado do todo social.

As exigências em relação às escolas e aos professores são cada vez mais complexas. Atualmente, a sociedade espera que as escolas sejam eficazes ao lidar com diferentes idiomas e backgrouds dos estudantes, que sejam sensíveis a questões culturais e de gênero, que promovam a tolerância e a coesão social, que sejam eficazes ao lidar com estudantes carentes e com estudantes com problemas de aprendizagem ou de comportamento, que utilizem novas tecnologias e que acompanhem o ritmo rápido de desenvolvimento de áreas de conhecimento e de abordagens de avaliação dos estudantes. Os professores devem ser capazes de preparar os estudantes para uma sociedade e uma economia em que se espera que sejam aprendizes autodirecionados, capazes e motivados a seguir aprendendo ao longo de toda a vida. (OCDE, 2006, p. 7)

Por isso, a dimensão proposta por Imbernón deveria estar agregada à atual frente da formação continuada, que seria aquela que visa a formação permanente, integral e necessária na vida de qualquer profissional, fruto de sua experiência e de suas reflexões a partir de uma investigação

contínua sobre sua prática a partir das leituras, cursos, palestras e outras fontes inspiradoras para seu eterno aperfeiçoamento. Essa ação deveria ser praticada de forma natural e prazerosa, porém não tem caráter pragmático como os programas governamentais propõem. Chartier (2000) nos chama a atenção para o fato de que somente neste momento da vida profissional do professor é possível a inovação. Certamente estes aspectos irão se refletir na formação continuada de professores em exercício.

Entender o processo de formação continuada, dentro da realidade apresentada, significa recolocar o tema dentro de outros significados. Como indica Imbernón (2009), uma formação que vá além da idéia de complementação, que deixe de ser transmissiva e imposta por experts, que parta mais das necessidades reais dos professores do que de indicadores externos ou da vontade burocrática e política e que incorpore a pesquisa, gerando ele também conhecimento pedagógico a partir da sua prática. O professor não pode mais ser observado externamente ou sem que se considerem os diferentes inputs a que está submetido. As transformações recentes pelos quais o mundo tem passado são por si só suficientes para provocar uma grande mudança na forma e na abordagem educacional. São exemplos dessas transformações a globalização, a nova divisão do trabalho e a individualização, os limites ambientais e o aquecimento global, as novas tecnologias e a internet. Tudo isso já implicaria um deslocamento enorme daquela concepção de professor existente vinte ou trinta anos atrás, ou seja, de um professor conteudista, cujo conhecimento está centrado nele, exercendo um ensino fundamentado no livro didático e uma avaliação pontual e, muitas vezes, punitiva e transmitindo ao aluno um currículo fechado. O que podemos dizer quando isso é colocado na dimensão das mudanças profundas pelas quais nossas crianças estão sendo submetidas e que implicam necessidades e processos completamente distintos daqueles pelos quais os atuais professores foram formados?

Os alunos, nascidos nesta nova realidade20, por suas características intrínsecas, desenvolvem

o aprendizado de forma aberta, fazendo cruzamentos enviesados e múltiplos, estabelecendo relações complexas e aparentemente aleatórias, mas que compreendem uma ordem implícita pessoal, muitas vezes única. Possuem como característica o aprendizado por recursos lúdicos e em rede, estabelecendo grandes redes sociais, pelas quais são possíveis diversos níveis de troca. São usuários

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intensivos dos novos modos de comunicação baseados na internet e nos torpedos SMS dos celulares. Como prática social, comunicam-se prioritariamente via redes sociais, inclusive para suas relações afetivas. Além dessas características, possuem uma capacidade de leitura de imagem maior que as pessoas de gerações anteriores, que aliada à capacidade de multitarefa, conectam leituras simultâneas e extraem informações em grande velocidade, como se estivessem em um jogo de ação. O professor, contudo, não sabe lidar com esta realidade e se transformar em televisivo, pois não tem como ser multimidiático.

Tudo isto é certo, mas precisa ser relativizado. Essas mudanças no alunado não significam que o aluno esteja aprendendo mais, que supere os limites do conhecimento escolar e que esteja construindo um novo sistema. Ao contrário, o que encontramos é que com

a competição em todos os níveis da convivência social e a profusão de produtos oferecidos à sociedade estariam dando ensejo a uma criança e um jovem mais ansiosos. Como a nova geração recebe uma gama inimaginável de informações e mercadorias que rapidamente são superadas, instala-se uma nova relação com o tempo. As novas gerações experimentam, com sofreguidão, a necessidade de se sentirem contemporâneas ao presente. Em outras palavras, toda novidade escapa-lhes por entre os dedos, porque a informação ou produto obtido há instantes é superado em poucos dias. Hobsbawm, em A era dos extremos, afirma, perplexo, que “quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem”. Plagiando Hobsbawm, poderíamos afirmar que os jovens sentem uma profunda sensação de que tudo é passado e perdem a capacidade de cultuarem expectativas em relação ao futuro, porque simplesmente não têm o menor controle sobre o tempo e a sucessão de fatos. Mais que nunca, viver tornou-se absolutamente imprevisível. Daí uma profunda ansiedade e pragmatismo. Não há tempo, sentem os jovens, para se construírem conhecimentos ou nexos teóricos, justamente porque suas du!vidas estão reduzidas aos problemas imediatos, do cotidiano. Além disso, são induzidos a relativizar a necessidade de teorias que sustentem uma explicação mais unitária do mundo, em virtude de experimentarem uma cultura do supérfluo e do relativismo de comportamentos. (RICCI, 1999, p. 167)

Justamente devido a esta significativa contradição é que a escola e o professor necessitam recriar o espaço e a relação ensino-aprendizagem. Isso porque, se por um lado os alunos do século XXI, encontram-se frente a própria falta de capacidade para encontrar respostas perante a enorme quantidade de informações e o pouco tempo para digeri-las, por outro, possuem capacidades diferenciadas para lidar com a construção do conhecimento e absorver informações., Caso a situação permaneça como está, os novos alunos,

via de regra, sentem dificuldades em estabelecer diálogos entre teorias distintas, em tolerar o difícil processo de construção de explicações mais sofisticadas sobre a realidade. O profundo pragmatismo em que estão mergulhadas induz a uma prática calculista. Uma expressão desse comportamento é a “cultura da nota”, quando os alunos envolvem-se

apenas com aqueles conhecimentos que certamente serão cobrados nos testes e avaliações. Dedicam-se a exaustivos mecanismos de trocas de anotações às vésperas das provas, desaparecendo o prazer pela descoberta, pelo sentimento de partilhar a construção de um conhecimento. Sua relação com os professores é de clientela – os alunos exigindo informações acabadas, precisas e de uso imediato. (RICCI, 1999, p. 168)

Falar de uma formação continuada neste contexto é inserir o professor em uma nova abordagem educacional, por isso, faz-se necessário pensar em uma nova escola. Há que se admitir que não cabe mais à escola ser o único local de aprendizagem dos saberes científicos ou do conhecimento para os alunos. Tampouco serve aos alunos uma escola que os mantenha aprisionados em sala fechadas com seus corpos contidos em carteiras escolares. Assim, não faz sentido o professor permanecer no mesmo modelo de uma escola de trinta ou oitenta anos atrás.

Hernández (1998) lança a proposta de uma escola organizada a partir de um currículo transdisciplinar por projetos. Explica que esta proposta implica uma mudança nas relações de tempo e espaços escolares e na necessidade da continua aprendizagem por parte dos professores, frente à velocidade crescente das descobertas tecnocientíficas. Aponta para o fato de que os conteúdos das diferentes disciplinas escolares não acompanham as exigências dos perfis profissionais do mercado de trabalho, uma vez que estas estão em contínuo processo de extinção e surgimento. Conclui que se um dos objetivos do processo escolar é o de preparar os alunos para serem profissionais na sociedade, será necessária a revisão dos objetivos educacionais de forma a atender às demandas às transformações a que têm sido submetidos os diversos campos profissionais.

Transformações essas que vão além da quantidade de informações, de saberes ou aptidões adquiridas, como apontam os estudos realizados pela UNESCO (2011) que se baseiam principalmente nas habilidades atitudinais, do aprender a ser, a fazer, a viver juntos e a conhecer e foram adequadamente desenvolvidos por Morin (2000b) em seu trabalho intitulado Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro:

As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; Os princípios do conhecimento pertinente; Ensinar a condição humana;

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Enfrentar as incertezas; Ensinar a compreensão; A ética do gênero humano.

Dessa forma entendemos que a formação continuada deverá prever uma formação em novas tecnologias que possibilite o domínio das práticas sociais na internet, dos programas que o apoiarão nas práticas escolares junto aos alunos, sendo, assim, uma formação de dimensão política, social e que capacite o professor a desenvolver uma prática democrática, não competitiva e mais cooperativa; uma formação em artes plásticas e corporais, que o possibilite se entender e se expressar livremente e ofereça esta possibilidade aos alunos, e que as atividades de corpo não se limitem a somente práticas esportivas de caráter competitivo; uma formação que o permita entender as novas possibilidades metodológicas e avaliativas e que o ajudem a analisar o percurso do aluno e possa corrigir a rota caso os desvios sejam desfavoráveis a este, que inclua novas possibilidades de pesquisa e construção do conhecimento, que o permitam abandonar de vez as práticas de transmissão presas no livro didático e na cópia pura e simples das informações. Enfim,

O professor, inserido nessa nova perspectiva escolar, torna-se um pesquisador, um investigador da realidade local, articulando-a com os conhecimentos disponíveis e oferecendo espaços de reflexão à comunidade; o conhecimento apresentado supera a departamentalização da realidade imposta pela estrutura disciplinar estanque. É, ainda, um facilitador da produção de conhecimento e de busca de soluções. Por fim, participa da gestão escolar, propiciando uma vinculação entre demandas pedagógicas e demandas sociais apresentadas pela comunidade. A gestão escolar, então, deixa de ser burocrática para adotar um sistema gerencial, por projetos, pressupondo uma estrutura colegiada. Para tanto, é necessário repensarmos a formação desse profissional, introduzindo a formação em serviço, que acompanha as dúvidas e os impasses emergentes, articula redes de conhecimento e informação e constrói espaços coletivos que associam a teoria à prática concreta. Esses espaços formativos, portanto, não estariam centralizados no topo da estrutura administrativa do sistema educacional, mas estariam montados numa estrutura em rede, associando escolas e estruturas de pesquisa e informação.

O professor do próximo século teria um perfil mais articulador e de viabilização do contato dos alunos, e de suas comunidades, com o conhecimento, num processo participativo, crítico, fundamentado nas aspirações e nos impasses cotidianos. Definitivamente, deixa de ser compreendido como um boi de coice, que evita o risco e controla o processo educativo, e volta a ser um orientador, um intelectual, inserido num projeto social e não num projeto burocrático, técnico, que define a priori uma dinâmica social mais adequada ou que serve a interesses privados, individualizados. O educador, assim, deixa de estar a serviço de uma clientela e passa a promover espaços públicos, marcados pelo diálogo entre diferentes, na busca da construção de uma unidade moral que garanta a liberdade e os direitos dos indivíduos. (RICCI, 1999, p. 169-170)

Finalizando este tema, além da mudanças propostas acima, temos que levar em consideração as condições materiais de trabalho do professor, ou como diz Hernández (1998), tudo aquilo que foi tratado aqui é um luxo e uma sofisticação se não for produzida uma mudança prévia na Escola. Refiro-me à mudança no reconhecimento social da importância do trabalho docente, às condições materiais das Escolas e ao salário dos professores”. Condições indispensáveis para que o professor enfrente todas estas mudanças.

No próximo capítulo apresentaremos a EaD, discutiremos a EaD na formação de professores e aprofundaremos nas políticas públicas de formação de professores, tanto federais quanto estaduais e eventualmente municipais (presentes nas parcerias).