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Ação civil pública como instrumento processual de defesa do meio ambiente

Capítulo 4: Substratos para a compreensão do direito inglês, com vistas à aplicação de uma

5.3 Ação civil pública como instrumento processual de defesa do meio ambiente

A evolução da experiência jurídica permite verificar que a persistente trajetória do homem no campo do controle social é plena de detalhes mais ou menos atrelados a cada momento histórico. Se o direito foi percebido, nas sociedades primitivas, mesmo que de forma difusa (um misto de direito, moral e religião), como um fato naturalmente dado92,

depois ele passou a ser encarado como valor, como norma e finalmente como fato social. Em certo sentido, essa evolução traz no seu contexto a própria idéia de elevação do grau de complexidade das sociedades humanas e de suas relações intersubjetivas. Mais do que assumir-se uma postura valorativa, exprimindo a tentação de rotular o direito de uma época ou de uma dada comunidade como superior ao de outra, deve-se entender que o compasso é de adequação entre o direito e o momento histórico (político, econômico, social, cultural, tecnológico, etc.) das sociedades humanas. Por conta disso,

não se deve pensar que sistemas alopoiéticos sejam necessariamente mais disfuncionais ou em si mesmos menos complexos e sofisticados do que o direito característico da modernidade. São menos complexos apenas do ponto de vista da diferenciação funcional (ADEODATO, 2002, p. 211).

A verdade é que, num dado momento da nossa evolução histórica, entendeu-se que a redução do fato valorado à regra escrita, a lei em sentido estrito, era a garantia de um novo estágio de avanço da civilização no campo do direito. O legalismo oriundo dessa concepção, que ganha força, sobretudo, a partir do século XIX, faz confundir o direito com a lei. A própria Escola de Exegese nascida na França a partir desse contexto remete o jurista à interpretação mecânica dos textos legais. A máxima de que a lei é igual para todos, se superou

92 Evidentemente que um fato não estimado, como ocorrerá a partir do século XIX, com as análises sociológicas

um período de arbítrio autoritário93, não conseguiu efetivar de maneira concreta para a sociedade os conteúdos presentes nos textos legislativos. Dito de outro modo, mais importante até do que um certo direito constar como texto legal é a sua efetivação no ambiente social. Para o homem comum, de pouca valia será a inserção de uma conquista, principalmente de natureza social, no ordenamento jurídico se ela não é observada. A sua não efetivação remete, assim, a suposta conquista ao ambiente meramente acadêmico, dos debates doutrinários94.

Assim é que as normas fundamentais presentes no texto constitucional precisam ser efetivadas. Necessário se faz que não se transformem em “letra morta”, já que então, nesse ambiente de mero formalismo, duas negativas conseqüências viriam à tona. A primeira, a não obtenção pela sociedade da conquista projetada pela norma (o dever-ser almejado pelo corpo legislativo). A segunda, tão nociva quanto a primeira, o descrédito no direito por meio da ineficiência do ordenamento jurídico, abalando os alicerces do próprio Estado. É por conta disso que a preocupação com o direito dito material deve ser acompanhada intimamente do minucioso interesse pelo direito processual. Fazer valer o direito consagrado no texto legal perpassa o devido manejo dos instrumentos processuais capazes de efetivá-lo.

A ação civil pública, prevista em legislação específica, garante a defesa de interesses metaindividuais, sendo proposta por diversos co-legitimados ativos, entre os quais o próprio Ministério Público. Numa melhor técnica legislativa, e valendo-se de um contexto puramente doutrinário, talvez mais coerente fosse a denominação de ação coletiva quando a mesma estivesse sendo proposta por qualquer co-legitimado que não o Ministério Público (MAZZILI, 1998, p. 13). O fato é que o advento da ação civil pública95 marcou uma grande transformação no cenário jurídico brasileiro, uma vez que

93 No período do Antigo Regime, nos estados nacionais absolutistas, foram abundantes as experiências

arbitrárias associadas ao direito.

94Sobre a eficácia dos direitos fundamentais sociais, ver Krell (2002, p. 25-40).

o processo judicial deixou de ser visto como mero instrumento de defesa de interesses individuais, para servir de efetivo mecanismo de participação da sociedade na tutela de situações fático-jurídicas de diferente natureza, vale dizer, daqueles conflitos que envolvem interesses supraindividuais – difusos, coletivos e individuais homogêneos (MILARÉ, 2001, p. 510).

A defesa do meio ambiente, um direito de matiz fundamental, é um dos contextos mais salientes da utilização desse remédio processual. Há de se ressaltar, entretanto, que

a ação civil pública é um importante instrumento de tutela do meio ambiente mas, a toda evidência, não é um instituto que integre o Direito Ambiental. A lei da ação civil pública, igualmente, não criou qualquer direito. É, apenas, norma de processo, e é desta maneira que deve ser enfocada (ANTUNES, 1998, p. 382).

A sua força processual se manifesta na medida em que o objetivo ideal a ser perseguido é a execução específica, de modo que o bem ou interesse lesado seja reposto nas mesmíssimas condições anteriores à agressão. Nem sempre isso é possível, para esta classe de bens e interesses, cabendo, então, um sucedâneo pecuniário a ser remetido a um fundo para a futura reconstituição de bens lesados (MANCUSO, 2002, p. 28-29).

O que parece saltar às vistas, nos últimos anos, é um maior amadurecimento do sistema jurídico brasileiro. A defesa de interesses difusos, associados principalmente a direitos fundamentais de natureza social, tem crescido de forma exponencial. A concepção liberal oitocentista de que o direito regula prioritariamente interesses individuais caiu por terra no século XX. O direito é, principalmente, uma arma para a observância das grandes causas coletivas. Bens e valores universais como o patrimônio cultural, o meio ambiente equilibrado, a dignidade do consumidor, entre tantos outros, passaram a ser enxergados com a mesma visibilidade dos contratos comerciais e financeiros. Nesse contexto, para a realidade brasileira, teve papel significativo a crescente utilização da ação civil pública, tanto pelo

Ministério Público quanto pela sociedade civil organizada, na intransigente defesa de interesses de toda a coletividade (KRELL, 2002, p. 103-106).