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Os limites das teorias da argumentação jurídica – uma porta aberta para novas

Capítulo 6: Por um maior cuidado com o estudo das teorias da argumentação jurídica no

6.4 Os limites das teorias da argumentação jurídica – uma porta aberta para novas

Desde os trabalhos precursores de Viehweg, de Perelman-Tyteka, de Toulmin, elaborados na década de cinqüenta do século passado, várias concepções argumentativas foram sendo construídas, nas diversas tradições jurídicas. Houve, é verdade, com o passar do tempo, um certo sentido de depuração destas teorias, tentando sair da contingência de alguns poucos pressupostos na perspectiva de se estabelecer uma teoria geral da argumentação jurídica. A propósito, os trabalhos de Alexy, de MacCormick, de Atienza, de Aarnio, para citar apenas estes, apresentam-se como modelos gerais da argumentação jurídica.

Como se está a enfatizar a necessidade de se conhecer mais a fundo o caráter decisório do direito, sendo requisito substancial para tal fim o estudo das modernas concepções hermenêutico-argumentativas, pode-se cair na tentação de interpretar estas novas posturas jurisfilosóficas como devidamente acabadas, prontas. Ou seja, com outras palavras, superar as tradicionais visões acerca do direito, centradas no normativismo, no realismo fático ou no contexto axiológico, abre espaço para novos posicionamentos, amparados especialmente nas

visões jurídico-argumentativas. Mas nem por isso a história acabou, havendo ainda muitas reticências que precisam vir à tona, reveladoras dos limites das teorias da argumentação jurídica.

Pode-se ter a impressão, nesse sentido, de que os teóricos da argumentação jurídica descobriram um continente inexplorado, um novo campo de estudo, que os levaram ao contato direto com temas que os jurisfilósofos anteriores não haviam reparado. Com certeza há um engano em tal constatação, já que concepções acerca do raciocínio jurídico existem de há muito. O aporte das teorias da argumentação jurídica, na verdade, têm consistido em buscar, com certo sucesso, vias intermediárias no campo da teoria do direito capazes de superar muitas dicotomias artificiais reinantes no âmbito da aplicação do direito. Por outro lado, buscam tais teorias estabelecer novos modelos de racionalidade capazes de mensurar criticamente as decisões judiciais (GARCIA AMADO, 2000, p. 104).

Cada uma destas teorias, entretanto, na perspectiva de apresentarem-se como um modelo geral da argumentação, deixam em aberto pontos críticos, às vezes mais às vezes menos relevantes. Como se indicou no terceiro capítulo, em face da Teoria Integradora de Neil MacCormick, também nas de outros jurisfilósofos afloram determinados nós problemáticos. Em linhas muito sintéticas é de se acentuar, de uma maneira geral, neste contexto crítico, a questão da utilização da argumentação lógico-dedutiva para alguns casos mais simples. Noutras palavras, há zonas de penumbra no tocante ao real papel da lógica no contexto jurídico-argumentativo.

Há também espaços não preenchidos no âmbito da teorização sobre a razão prática. Embora desejável para o contexto jurídico-normativo, às vezes a temática da racionalidade ou da razoabilidade estrutura-se a partir de verdadeiras intuições da parte dos filósofos, deixando brechas na tentativa de enquadrá-las numa conceptualização mais do que necessária ao conhecimento sistematizado.

O que se percebe ainda, ao se tentar fazer uso prático de tais teorias, é a dificuldade de utilizá-las como suporte das decisões judiciais a serem construídas. Noutras palavras, como referencial descritivo as concepções jurídico-argumentativas até que explicam bem a fundamentação de decisões judiciais, mas como referencial prescritivo, muitas vezes, elas não dão conta de afastar certas incômodas situações. Neste último ponto, verifica-se uma certa percepção, quando do uso de teorias argumentativas para fortalecer a racionalidade de uma decisão, sinalizando para o fato de que elas podem ser encaixadas como instrumental justificatório de caminhos bem distintos, no contexto da referida decisão. Às vezes a busca da razoabilidade não permite uma melhor postura do juiz no processo decisório, ainda que com tal crítica não se esteja querendo assumir qualquer posicionamento voltado para idéias que representem algo como a busca de uma única resposta correta.

Importantíssimas na busca de uma compreensão mais alargada do direito, especialmente do direito moderno, as concepções jurídico-argumentativas permitem vislumbrar a existência de portas ainda abertas com vistas à elaboração de novas teorias. É plausível imaginar que elas podem e devem ser aprimoradas, preenchendo também outros contextos jurídicos que não apenas o decisório, como o da atividade legislativa e o do trabalho do doutrinador. Talvez abarcando novos campos dentro do direito, as concepções jurídico- argumentativas possam enfrentar com mais consistência pontos críticos verificáveis principalmente no contexto da sua aplicabilidade, finalidade maior de todas elas. Que não se confunda, então, a existência de zonas de penumbra nas teorias da argumentação com sinais de irrelevância delas na busca de um melhor entendimento do fenômeno jurídico.

Na perspectiva de se estruturar uma mais completa e precisa teoria geral da argumentação jurídica, há de se ressaltar a significância de quatro pontos mais amplos que necessitam de ser observados. Em primeiro lugar, é da maior importância que se comece a diferenciar de modo claro que métodos ou argumentos cumprem um papel propriamente

interpretativo e quais deles servem para fundamentar a criação de novas normas, o que significa dizer que é desejável estabelecer um conceito de interpretação mais preciso como requisito necessário para passos seguintes. Em segundo lugar, faz-se necessário clarear com muito mais nitidez a questão da hierarquia dos argumentos, em vista da aplicabilidade prática das teorias, já que há certas obscuridades no tocante a este tema. Depois, também parece ser uma exigência plausível um estudo mais pormenorizado dos tipos de argumento utilizáveis, já que tal tema não pode se limitar a algumas poucas menções geralmente eivadas de superficialidade. Por fim, é necessário operar com uma classificação de tais métodos ou processos argumentativos suficientemente rica para dar conta da função distinta que cada um cumpre no complexo processo de justificação das decisões judiciais (GARCIA AMADO, 2000, p. 128-129)