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Capítulo 6: Por um maior cuidado com o estudo das teorias da argumentação jurídica no

6.5 Em tempo, e sobre o profissional de direito

Tudo o que se disse até aqui, especialmente neste capítulo de conclusão, possui um referencial concreto que se apresenta como um verdadeiro tema transverso, não sendo ele o objetivo central da pesquisa empreendida. A melhor compreensão do fenômeno jurídico é imprescindível, sobretudo, para todos aqueles que compõem o quadro profissional do saber jurídico, o que se convencionou chamar de operadores do direito.

Assim, a todo e qualquer estudioso dos grandes temas decorrentes das manifestações superiores do espírito humano interessa as reflexões aqui desenvolvidas, desde as primeiras linhas do trabalho. Interessa, todavia, muito mais ao universo jurídico-filosófico, enfim, a juízes, a promotores de justiça, a advogados, a defensores públicos, a delegados de polícia, a juristas,a professores, enfim, aos eternos estudantes de direito num sentido mais alargado.

Não dá, todavia, para negligenciar o fato de que, bem ou mal, os primeiros passos deste eterno estudioso do direito são dados no âmbito da graduação, quando da fase inicial de sua formação jurídica. Isso quer significar, com outros termos, que a melhor compreensão do fenômeno jurídico111, ao menos a mais razoável para dadas circunstâncias, já deve ser arquitetada, com todas as dificuldades inerentes a este processo, no âmbito das faculdades de direito. A percepção de que se está diante de um fenômeno complexo requer, assim, um certo cuidado crítico no contato com os necessários temas abordados em nível de graduação, sem que se precise estabelecer projetos presunçosos de conhecimento.

Há de se enfatizar, e isso já se disse, a importância do elemento decisório no contexto do direito moderno, de feição dogmática. Para tanto, evidentemente que o estudo da temática hermenêutico-argumentativa deve ser parte integrante do processo de formação do futuro profissional. A propósito, identifica-se nos estudos críticos acerca do dogmatismo jurídico uma persistente preocupação com o trabalho desenvolvido, a partir dos currículos e dos projetos metodológicos, nas faculdades de direito.

Algumas ponderações merecem ser feitas, em se tratando deste tema transverso. Em primeiro lugar, não parece razoável supor que toda e qualquer crise inerente ao direito moderno possa ser superada a partir de uma melhor formação do profissional de direito. Há outros elementos tão complexos quanto este que também precisariam ser realçados, temática que se encontra muito distante dos objetivos deste trabalho. Há de se ter o devido cuidado em não se vender ilusões ao estudante, centradas no contexto de ralações deterministas de causa e efeito. Por exemplo, uma melhor compreensão do fenômeno jurídico não garantirá, no futuro, sucesso ao profissional, mas, com certeza, irá aproximá-lo muito mais do fenômeno jurídico.

Claro que uma visão mais ampliada do direito, porquanto mais crítica, permitirá ao seu operador o desenvolvimento de uma atividade com sentido, com razão de ser, com

consistência, o que não significará a certeza de obtenção de fins utilitaristas. Noutras palavras, devem-se evitar posturas ingênuas e reducionistas que reforcem no jovem estudante a idéia de que ele, por meio do direito, será capaz de varrer todas as injustiças do mundo, salvando-o das garras do obscurantismo reinante. Não, provavelmente ninguém vai conseguir salvar o mundo, e o próprio homem, do seu inevitável destino: ir e vir, a cada momento, com lapsos de grandiosidade e longas eras de frustração, revivendo em cada nova situação a velha sina de Sísifo.

Ademais, quando se fala de melhor formação do estudante de direito, já no contexto dos estudos de graduação, pensa-se logo em alteração curricular, em criação de novas disciplinas. A propósito do tema sobre o qual se está a discorrer, não seria de bom tom criar nas faculdades de direito a cadeira de teoria da argumentação jurídica, desmembrando-a, pela importância, dos estudos da filosofia do direito? Certamente que não. É preciso superar reducionismos também no âmbito da visão pedagógica que não consegue ir além das super- especializações.

Os temas relevantes da filosofia do direito, sua conceituação, seus fins, devem acompanhar o estudante em todas as horas, em todas as disciplinas. Muito mais importante do que se criar uma nova disciplina, excêntrica no contexto de um currículo predominantemente dogmático, é se abordar a temática hermenêutico-argumentativa em aulas de direito constitucional, de direito cível, de direito da criança e do adolescente, de direito penal, etc. Afinal de contas, o paradigma tradicional da ciência moderna, ao longo de todo o século XX, vem enfrentando sérios abalos. Um novo paradigma científico está por vir, com algumas características bem pouco usuais, como o conhecimento científico-natural sendo também um conhecimento científico-social; o conhecimento sendo ao mesmo tempo local e total; o conhecimento como um autoconhecimento; o conhecimento científico assumindo-se também como um conhecimento do senso comum (SANTOS, 2003).

O estudo aplicado da Teoria Integradora de Neil MacCormick, objetivo maior do trabalho, permitiu, assim, de maneira transversa, como já se disse, abrir espaço para estas reflexões conclusivas. De fato, a busca do conhecimento, em qualquer área do saber humano, é muito mais do que um mero acúmulo de dados e de informações. É preciso encontrar um sentido mais amplo, ético, voltado para um projeto de vida individual e coletivo, quando se peleja na procura do conhecimento. A visão das partes não pode ofuscar a visão da totalidade, num trabalho de pesquisa com natureza acadêmica. Aqui, num verdadeiro contexto de rede, vários pontos foram salientados: direito, ordem normativa, decisão, processo hermenêutico, teorias da argumentação jurídica, concepção de Neil MacCormick, sistemas e famílias de direito, formação do profissional de direito. Estas partes, sem um referencial de conexão, são meras partes, impotentes para fazerem brotar no horizonte o sentido do todo – uma melhor compreensão do fenômeno jurídico.