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Como se organizam e decidem os tribunais ingleses

Capítulo 4: Substratos para a compreensão do direito inglês, com vistas à aplicação de uma

4.3 Como se organizam e decidem os tribunais ingleses

Bastante diferente da organização judiciária dos países em que predomina o direito codificado, na Inglaterra, de maneira muito ampla, vislumbra-se uma grande divisão, qual seja a das cortes inferiores, encarregadas de solucionar litígios, e a das cortes superiores, que além de solucionarem certas demandas, são responsáveis por dizer o que é o direito. A rigor, no sistema inglês, o Poder Judiciário, representado pelas cortes superiores, possui uma força

82 Não havendo necessidade, registre-se, de ocorrência de um costume jurisprudencial, ou seja, da presença de

concreta, em face do papel que a jurisprudência assume nesse direito. Ele é encarregado de controlar de forma efetiva a aplicação do direito, controlando ainda a legalidade dos atos administrativos, já que inexistem códigos para tal fim. Assim, a célebre tripartição dos poderes é marcante na Inglaterra, com o Poder Judiciário assumindo importância semelhante à dos outros dois poderes.

O próprio prestígio dos juízes integrantes das cortes superiores83 é significativo na Inglaterra. Historicamente os integrantes das cortes inglesas sempre foram recrutados entre advogados bem sucedidos, sendo esta indicação a inequívoca coroação de uma carreira profissional bem sucedida. Salienta René David que os juízes ingleses são “personalidades carismáticas, o que, decerto, contribuiu consideravelmente para consolidar na Inglaterra o conceito de poder judiciário” (DAVID, 2000, p. 19).

A principal corte superior é a Supreme Court of Judicature, submetida ao controle da Câmara dos Lordes. Esta corte comporta dois níveis: no primeiro há a High Court of Justice (na esfera cível) e a Crown Court (no âmbito criminal); na segunda instância há a Court of

Appeal. Das decisões da High Court of Justice e da Crown Court cabem, assim, recurso à Court of Appeal. Contra os acórdãos desta última corte é possível recurso à Câmara dos

Lordes, integrada pelo Lorde Chanceler e por alguns Law Lords. A Suprema Corte de Justiça possui uma competência ilimitada, tanto em face da matéria quanto em face da pessoa e do local (jurisdição de direito comum com competência universal). As cortes inferiores, por sua vez, constituem-se em jurisdições de exceção, cuja competência deve fundamentar-se nas disposições especiais de uma lei. Na High Court of Justice a regra geral é o exame das causas por um único juiz (em alguns casos por uma Divisional Court, com dois juízes). O júri, que sempre foi um traço marcante da organização judiciária inglesa, em matéria cível é um rito em decadência. Também a regra geral na Crown Court é a presença de um juiz único,

havendo a participação de um júri, nesta corte, sempre que um acusado alegar inocência. Já na

Court of Appeal e na Câmara dos Lordes a regra é a pluralidade de juízes (DAVID, 2000, p.

20-23).

Na Inglaterra e no País de Gales há uma divisão da área desses países em distritos, em cada um dos quais encontrando-se uma Corte de Condado (cortes inferiores), no âmbito da jurisdição cível. Os juízes dessas cortes são também recrutados entre os advogados de destaque e decidem sobre determinadas matérias previstas em leis especiais. Ao lado do juiz há, em cada Corte de Condado, um Registrar, que prepara as audiências públicas do juiz e que pode, eventualmente, ele mesmo decidir em matérias de importância ínfima. No tocante à jurisdição penal, as cortes inferiores organizam-se a partir da distinção das infrações penais em menores (petty offences) e maiores (indictables offences). As primeiras são julgadas pelas

Magistrates' Courts, que existem em grande número na Inglaterra e no País de Gales. Os

componentes de tais cortes são os Justices of the Peace, pessoas comuns sem necessariamente possuírem formação jurídica. As infrações maiores possuem um rito especial, dividido em dois momentos. Primeiramente o réu comparece diante da Magistrates' Court, tendo sido denunciado normalmente pela própria polícia. Nesta primeira corte há um julgamento para que se decida sobre se o réu deve ser remetido a uma jurisdição mais solene, a da Crown

Court. É de se observar que infrações puníveis com prisão perpétua obrigatoriamente devem

ser julgadas por esta corte mais solene (DAVID, 2000, p. 25-30).

Não há, na Inglaterra, nenhuma esfera específica que trate das querelas de natureza administrativa (uma jurisdição autônoma). Tais questões são objeto da apreciação de um certo número de juízes da High Court, especializados nos litígios com a administração. As cortes superiores, nesta matéria, estão mais interessadas em observar as possíveis relações promíscuas na atividade administrativa, já que

numa sociedade profundamente modificada pelo aumento do papel do Estado, o

adminstrative law tem por objetivo precisar o que significa esse padrão de comportamento

correto e leal no âmbito das diferentes administrações, e, por conseguinte, precisar em que circunstâncias as cortes de justiça exercerão seu controle (DAVID, 2000, p. 32).

Por fim, duas são as categorias em que se agrupam os profissionais do direito na Inglaterra. Os advogados (a profissão tradicionalmente conhecida) são chamados de barristers ou counsel e devem ser membros de um dos clubes de advogados existentes. Assim os advogados, para exercerem a profissão, devem ser membros de uma espécie de Ordem dos Advogados. A outra categoria é a dos solicitors, espalhados por todo o país, que exercem a função que noutros países cabe a auxiliares da justiça. Eles tratam diretamente com os clientes dos advogados, que são proibidos de fazer tais contatos, pondo-os a par das causas que devem defender. Cuidam ainda, os solicitors, do andamento dos processos e mantêm contatos com testemunhas, auxiliando no desenrolar dos procedimentos judiciais. Não há, na Inglaterra, a tão conhecida instituição do Ministério Público, já que para os juristas ingleses tal órgão normalmente compromete o bom funcionamento da justiça, desequilibrando a relação igualitária entre as partes (acusação e defesa) diante do juiz (DAVID, 2000, p. 33-34).

Eis, em linhas muito sumárias, a maneira como se estrutura a atividade judiciária na Inglaterra e no País de Gales. Mesmo com suas peculiaridades, apresenta-se como evidente o grau de avanço de tal organização, comparável à dos principais países de tradição romanística. Isso permite entrever que certas comparações que possam se estabelecer entre sistemas das duas grandes famílias de direito do mundo contemporâneo não sofrerão prejuízo por alguma nítida fragilidade em face do empobrecimento da organização judiciária. Reafirme-se, assim, que a estrutura judiciária inglesa em nada deixa a desejar à de outros países do mundo desenvolvido, possuindo, portanto, aspectos amplamente favoráveis a serem observados.

4.4 Em que medida uma teoria da argumentação jurídica centrada no modelo