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Em que medida uma teoria da argumentação jurídica centrada no modelo inglês

Capítulo 4: Substratos para a compreensão do direito inglês, com vistas à aplicação de uma

4.4 Em que medida uma teoria da argumentação jurídica centrada no modelo inglês

A pesquisa até aqui desenvolvida, esta incursão ligeira nalguns pontos significativos do direito inglês, mais do que sedimentar apenas conhecimentos acerca deste sistema jurídico possui um outro escopo já referido. O intuito é trazer à tona uma necessária constatação. É possível se valer de uma teoria da argumentação moldada na experiência jurídica inglesa e torná-la útil noutro sistema jurídico, no brasileiro, por exemplo? Uma decisão judicial brasileira pode ser alvo de uma desconstrução sob a óptica de uma teoria da argumentação estruturada a partir de decisões judiciais inglesas?

Minimizando-se as peculiaridades de um país subdesenvolvido, com aspectos que se espalham por todos os subsistemas da sociedade, inclusive pelo do direito, é plausível estabelecer uma resposta afirmativa para as indagações anteriores. Evidentemente que certos vícios do ambiente jurídico subdesenvolvido podem prejudicar bastante a adequada utilização de uma dada teoria oriunda de uma estrutura típica de desenvolvimento. Para o caso sob exame, entretanto, a utilização de uma teoria da argumentação jurídica nas condições apresentadas pode perfeitamente ser cabível, podendo inclusive, no trabalho de desconstrução de decisões judiciais, auxiliar na identificação de certos vícios, de certas influências nefastas, alheios ao próprio subsistema jurídico84.

A propósito disso, cumpre estabelecer uma advertência. Há uma despropositada tentação de os juristas brasileiros, em sua grande maioria, captarem teorias jurídicas no estrangeiro para aplicá-las integralmente no nosso ordenamento. Esquecem-se de que a experiência jurídica é um fenômeno marcadamente social, com forte acento cultural e histórico. Desprezam, assim, determinados elementos próprios da nossa formação, importando modelos que, para serem aplicados no nosso dia-a-dia, necessitariam de uma adequação à nossa realidade. Claro que tal advertência em hipótese alguma transige com a permanência de certos vícios típicos de uma nação subdesenvolvida. Tais anomalias, como a corrupção e o “jeitinho” brasileiro, nada têm de cultural, devendo ser repudiadas com veemência em qualquer circunstância.

84 Sobre problemas referentes ao ambiente jurídico de países subdesenvolvidos ver ADEODATO (2002, p. 97-

O próprio Professor Atienza, de Alicante, referindo-se à argumentação jurídica apresenta as concepções de Neil MacCormick e de Robert Alexy como modelos padrões de argumentação, capazes de serem aplicados a quaisquer sistemas jurídicos, desde que estruturalmente evoluídos. Para o autor estas são teorias que têm despertado um grande interesse, sendo objeto, também, de amplas discussões. A rigor, tudo isso só vem a corroborar a idéia de que se tratam de teorias com forma padrão, permitindo uma ampla aplicabilidade (ATIENZA, 2000, p. 169-171).

O jurista escocês Neil MacCormick, na obra em que delineia a sua teoria da argumentação jurídica, adverte para o fato de que “as conclusões a que cheguei, baseadas em evidências particulares, têm uma aplicação restrita, e eu não tenho a intenção de demonstrar que tais verdades sobre argumentação jurídica podem ser aplicadas em qualquer lugar” 85 (1994, p. 8). O Professor Aldo Schiavello, entretanto, pondera tal afirmação dizendo que “na verdade estou convencido, a despeito da cautela apresentada por MacCormick, de que a tese fundamental esboçada neste livro adapta-se perfeitamente à prática argumentativa dos sistemas jurídicos de direito codificado”86 (1999, p. 310).

Assim, as sucintas explanações acerca do direito inglês só vêm reforçar a tese segundo a qual a teoria maccormickiana pode ser aplicada à realidade de um direito codificado, como é a realidade jurídica brasileira. As características muito próprias do sistema inglês não seriam, então, elementos impeditivos de aplicabilidade ampla de uma teoria argumentativa gestada a partir deste modelo. Estariam preservadas, pois, nas decisões judiciais inglesas, as mesmas estruturas de argumentação que se fazem presentes nas decisões judiciais brasileiras, embora os sistemas jurídicos sejam bem diversos.

85 “the conclusions which I reach, so far as based on particular evidence, are therefore going to be restricted in range, and I do not pretend to be demonstrating necessary truths about legal reasoning everywhere”

86 “in realtá sono convinto – a dispetto della cautela mostrata dallo stesso MacCormick – che le tesi fondamentali difese in questo libro si adattino perfettamente anche ala pratica argomentativa dei sistemi giuridici di diritto codificato”

Na realidade, a argumentação jurídica, como espécie da argumentação prática geral, independentemente do modelo jurídico que tenha servido de ambiente para a elaboração de uma dada teoria, guarda determinados pontos fundamentais que permitem a construção de um modelo argumentativo padrão, com amplo espectro de utilização. A propósito, os exemplos de casos concretos apresentados no capítulo anterior, afora a importância da questão dos precedentes judiciais, bem poderiam ter ocorrido sob o ordenamento jurídico nacional, com desdobramentos, em termos de fundamentação, semelhantes aos verificados. Mais uma vez, então, é possível afirmar com todas as letras que a teoria jurídico-argumentativa de Neil MacCormick, conquanto elaborada no contexto do common law, pode perfeitamente ser utilizada para a justificação de decisões judiciais brasileiras.

Capítulo 5: Um exercício de desconstrução a partir da Teoria

Integradora de Neil MacCormick – caso do Recurso Extraordinário

153.531-8 do Supremo Tribunal Federal sobre a festa da “farra do boi”

Sumário: 5.1 Preservação dos bens culturais e proteção do meio ambiente como direitos fundamentais 5.2 “Farra do boi” ou “farra do homem”? 5.3 Ação Civil Pública como

instrumento processual de defesa do meio ambiente 5.4 Os termos de uma decisão judicial sobre a “farra do boi” 5.5 Análise da decisão judicial sob a óptica da Teoria Integradora de Neil MacCormick.

5.1 Preservação dos bens culturais e proteção do meio ambiente como direitos