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4. REVISÃO DA LITERATURA

4.3. Ação cooperativa e crescimento econômico

A teoria desenvolvida por Putnam (2002) identifica o capital social como “características de organização social, tais como redes, normas e confiança que facilitam a coordenação e cooperação para o benefício mútuo”. Na visão de Putnam (2002), a cooperação é vista como um ato racional em que as partes envolvidas têm compromisso mútuo de ajudar uns aos outros. Nesse aspecto, a abordagem de Putnam difere da visão adotada na teoria dos jogos, segundo a qual jogadores preferem não cooperar e, por conseguinte, se mantêm no estado de equilíbrio e perdem a possibilidade de penas mais brandas, como no dilema do prisioneiro, caso tivessem a condição de combinar, ou confiar no adversário. Para Putnam, “... a progressiva acumulação de capital social é uma das principais responsáveis pelos círculos virtuosos da Itália cívica”. Seu estudo aponta a

elevada densidade de associações voluntárias entre pessoas residentes no Norte da Itália como o fator que explica, em grande medida, o sucesso econômico da região, se comparado ao desempenho econômico obtido pela região Sul daquele país, onde a associação é menos freqüente. Dessa forma, quanto maior o nível de confiança numa comunidade, maior é a possibilidade de cooperação e a expansão dessa cooperação gera mais confiança na sociedade local.

Grootaert (2001), ao estudar as diversas formas de mensurar o Capital Social, em nível institucional local – para países como Bolívia, Burkina Faso e Indonésia –, encontrou evidências de que o efeito do Capital Social é predominante sobre a renda. Seu estudo mostra que a acumulação da renda dos associados ou cooperados se dá pela elevação de ativos, pelo aumento da poupança e pelo acesso ao crédito. No âmbito da comunidade, há evidências de que a melhoria da ação coletiva impactou positivamente sobre a renda. A maior descoberta desse estudo foi a de que a composição associativa faz uma grande diferença nos resultados finais e, no caso, das associações heterogêneas, os benefícios são maiores do que os obtidos pelas menos heterogêneas.

Ascari e Cosmo (2004) avaliam a importância da variável representativa do Capital Social com base no primeiro fator resultante da aplicação da técnica de componentes principais, usando variáveis relacionadas ao número de títulos protestados, ações judiciais trabalhistas e estatísticas de crime. Seus estudos encontram relação negativa dessa variável, diferentemente do que prevê a literatura, e atribuem o resultado à dificuldade de coleta e de tratamento de dados secundários representativos do capital social.

A dificuldade em encontrar variáveis representativas do Capital Social se deve ao fato de o mesmo ter várias dimensões que podem ser usadas como variáveis proxies. Segundo o Banco Mundial, compreendem: grupos e redes, confiança, ação coletiva, inclusão social e informação e comunicação (WORLD BANK, 1993). Na visão dessa instituição, é importante avaliar as contribuições do Capital Social na redução da pobreza, na estabilidade social e no desenvolvimento econômico.

Na dimensão referente aos grupos e redes, encontram-se as cooperativas. Em relação a esse aspecto, as características mensuradas devem incluir: densidade de membros, diversidade, grau da função democrática e o grau de conexão entre os grupos. Estudos ressaltam que é no grau de confiança dos cooperados que reside a força motriz das ações coletivas que dão forma ao Capital Social. Segundo Maciel (2001),

... enquanto na versão associativista, confiança é sinônimo de amizade, na perspectiva econômica stricto sensu, as relações estáveis de confiança, reciprocidade e cooperação são vistas como instrumentos para azeitar as relações entre agentes econômicos e melhorar a eficiência de arranjos organizacionais entre e no interior das firmas.

A discussão central sobre a formulação de modelos que buscam captar a relação entre as várias dimensões do Capital Social e o crescimento econômico não parece ser tão simples como apresentadas pelas correlações analisadas por Putnam (2002), principalmente, em termos de modelagem econométrica.

A literatura apresenta estudos em que essa relação é obtida a partir de métodos de pesquisa survey domiciliar, realizados em diversas comunidades ou regiões, envolvendo coleta de dados sobre hábitos e costumes das famílias, bem como suas formas de relacionamento com instituições educacionais, religiosas, esportivas, comerciais, organizações governamentais e não-governamentais, com vizinhos e parentes. A partir de um processo de agregação, são feitas as relações que corporificam o Capital Social e mensuram o nível de cooperação horizontal e vertical, que expressam a confiança nas diversas instituições, ou seja, o grau de coesão social ou ação coletiva (GROOTAERT, 1998).

Ao avaliar a relação dos fatores ligados ao capital social e institucional com o produto per capita, em condados dos Estados Unidos, usando MQO e um modelo de dependência espacial para estimar os coeficientes dos regressores do modelo de regressão dinâmica, Rupasingha et al. (2002) encontraram evidências de que elevados níveis de capital social têm efeitos positivos sobre o crescimento econômico. Como indicador do Capital Social, foi mensurada a densidade de organizações em conformidade com a definição de Putnam (2002), para as várias dimensões do Capital Social, conforme referências desse estudo.

Whiteley (2000) examinou a relação entre Capital Social e o crescimento econômico, para uma amostra de 54 países, no período de 1970 a 1992, dentro da estrutura de um modelo neoclássico de crescimento. Os resultados da pesquisa sugerem que o Capital Social teve impacto significativo sobre o crescimento. A variável definida como capital social foi a confiança dos cidadãos em outras pessoas, obtida a partir do survey aplicado nos países que compõem a amostra.

É válido frisar que as várias dimensões do Capital Social podem afetar positivamente o crescimento do produto econômico de um país ou região, a partir da estruturação de instituições intimamente ligadas com a comunidade local. Segundo Grootaert (1998), as entidades, como associações e instituições, que compõem a estrutura informal de representação são capazes de: a) organizar e

partilhar informações – fator-chave para a eficiência dos agentes econômicos e

para a tomada de decisão sob incerteza, pois cria um conhecimento mútuo em relação à forma como os agentes econômicos respondem a diferentes situações, com reflexos diretos na redução dos custos de transação, ajudando a reduzir ou amenizar as falhas do mercado; b) coordenar as atividades – o associativismo reduz o comportamento oportunista por criar repetidas interações com os indivíduos, de forma a elevar o nível de confiança, diferentemente dos contextos em que a ausência de coordenação ou em que o comportamento oportunista contribuem para as falhas do mercado; c) gerir decisões de mercado

coletivamente – condição necessária à contínua provisão dos bens públicos e do

gerenciamento das externalidades geradas pelas atividades econômicas no mercado, cabendo ao governo o papel central. Em síntese, a participação efetiva dessas entidades assegura um incentivo para aperfeiçoar a coordenação na gestão dos bens públicos, o que pode contribuir para aumentar a produtividade para todos.

O trabalho de Souza (2004) sobre os fatores determinantes do crescimento das regiões brasileiras mostra a relação positiva entre o número de cooperados (de cooperativas rurais, de crédito, previdenciárias e de saúde) e a PTF. O objetivo desse trabalho era avaliar a importância de fatores como

Educação, Cooperativismo, Representação Política e Infra-estrutura de Saúde sobre a PTF.

O número de cooperativas e o percentual de produtores rurais que fazem parte de associações, cooperativas e sindicatos de produtores, foram utilizados por Pavarina (2003), em sua metodologia, como indicadores de associativismo, para obter os fatores representativos do Capital Social existente no Estado de São Paulo. Esses fatores foram identificados com base na aplicação da análise fatorial, pelo método das componentes principais.

A literatura sobre o capital social e as suas diferentes dimensões, entre elas o cooperativismo e associativismo – calcados no princípio da confiança –, mostra a relevância de associações e cooperativas como elementos importantes no processo de desenvolvimento econômico de áreas menos desenvolvidas e da redução das desigualdades regionais.

A adoção de políticas governamentais voltadas à organização social dos agricultores familiares, bem como à formação de associações de produtores, ligadas à cadeia produtiva de produtos como mandioca, pescado, óleos e essências, madeira, café, guaraná e frutas tropicais contribuíram para o crescimento de associações representativas de produtores rurais e de setores econômicos como o madeireiro e de grãos, conforme estudos realizados6.

A constituição de novas cooperativas e, por conseguinte, o uso de práticas participativas e a cooperação inter-empresarial sinalizam para a adoção de formas coletivas de ação pautadas na confiança mútua, diferentes das formas tradicionais de produção e de organização das empresas que vigoraram até a primeira metade da década de 1990, quando se tem a intensificação do processo de abertura comercial e a implementação das reformas estruturais.

Evidências empíricas sobre a conduta coletiva das empresas na região Norte são encontradas nos estudos desenvolvidos por Santana (2005), realizados com base no resultado de pesquisas sobre os vários fatores determinantes da competitividade sistêmica, importantes para o desenvolvimento local. Os setores

6 A esse respeito ver os resultados dos trabalhos realizados por Santana (2002a), Santana e Amin (2002), Santos (2002), Enríquez et al. (2003), Gomes (2003), Santana e Gomes (2005) e Carvalho (2005).

pesquisados por esse autor foram: plantas medicinais, plantas ornamentais e flores, agroindústria, fruticultura, aqüicultura e, por fim, madeira e mobiliário. Os resultados da pesquisa mostram que é baixo o grau de relacionamento das empresas com outras participantes da cadeia produtiva da qual ela faz parte. Perguntadas se subcontratam a produção ou os serviços de outra empresa, mais de 72,0% das empresas ligadas aos ramos de plantas medicinais, plantas ornamentais, agroindústria, fruticultura e aqüicultura responderam negativamente; no ramo de madeira e mobiliário, apenas 20,0% deram a mesma resposta. Essa pesquisa mostrou que a grande maioria dos agentes econômicos são fornecedores de matéria-prima; não se tratam de empresas desenvolvendo produtos que pudessem ser agregados ao produto final de outras empresas da mesma cadeia produtiva da qual faz parte. A forma de relacionamento com esses fornecedores e a escolha dos mesmos obedece ao critério de qualidade no ramo de plantas medicinais, e ao critério de preços, nos demais. Essa situação mostra que o link entre os elos da cadeia produtiva da madeira, em seu estágio primário, é muito precário e frágil, a ponto de comprometer a relação de confiança postulada por Putnam (2002), essencial na construção da cooperação e do transbordamento que pode ser gerado a partir dela.