• Nenhum resultado encontrado

4. AS AÇÕES COLETIVAS

4.6. Tutela jurisdicional coletiva

4.6.1. Ações coletivas mais comuns

4.6.1.2. Ação popular

A ação popular204 inaugurou, ainda que timidamente, as ações coletivas no Brasil. Trata-se de ação coletiva porque por meio dela não se defende o interesse individual, mas o interesse coletivo: a boa administração da coisa pública ou de entidade que o Estado participe, a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro a conceitua da seguinte forma:

203“A competência é do foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano. Caso o dano se verifique em mais de uma comarca, é competente qualquer uma delas, resolvendo-se a questão pela prevenção (CPC 106, 107, 219 e 263). Mesmo para as demais ações, sejam cautelares, de execução ou de conhecimento, é competente o foro do lugar onde o dano possa ou deva ocorrer.” NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 1461.

204José Afonso da Silva leciona que “A origem das ações populares perde-se na história do Direito romano. O nome ação popular deriva do fato de atribuir-se ao povo, ou a parcela dele, legitimidade para pleitear, por qualquer de seus membros, a tutela jurisdicional de interesse que não lhe pertence, ut singuli, mas à coletividade. O autor popular faz valer um interesse que só lhe cabe, ut universis, como membro de uma coletividade, agindo pro populo. Mas a ação popular não é mera atribuição de ius actionis a qualquer do povo, ou a qualquer cidadão como no caso da nossa. Essa é apenas uma de suas notas conceituais. O que lhe dá a conotação essencial é a natureza impessoal do interesse defendido por meio dela: interesses da coletividade. Ela há de visar a defesa de direito ou interesse público. O qualificativo popular prende-se a isto: defesa da coisa pública, coisa do povo (publicum, de populicum, de populum)”. SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 439.

“Ação popular é ação civil pública pela qual qualquer cidadão pode pleitear a invalidação de atos praticados pelo poder público ou entidades de que participe, lesivos ao patrimônio público, ao meio ambiente, à moralidade administrativa ou ao patrimônio histórico e cultural, bem como a condenação por perdas e danos dos responsáveis pela lesão”.205

A ação popular teve origem no direito romano. O Estado, naquela época, não tinha personalidade jurídica, razão pela qual cultivava-se a idéia de que os bens públicos pertenciam a todos os cidadãos romanos. Na idade média e na idéia moderna, a ação popular teve sua importância reduzida, devido à descentralização do poder político e absolutismo, respectivamente. 206

Apesar de ter sido instituída pela Constituição de 1934, só foi regulamentada pela lei 4.717, de 29/06/65207. Na Constituição Federal de 1988 encontra-se no artigo 5º, inciso LXXIII. Seu rito é ordinário e pode ser utilizada de forma preventiva (evitar a ocorrência de um dano) ou repressiva (buscar a reparação do dano).208

205DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 655. 206ALMEIDA, Gregório Assagra de. op. cit., p. 300.

207“Apesar de instituída pela Carta de 1934, a ação popular só veio a ser regulamentada pela Lei 4.717/65. Não foi de muita freqüência na prática forense, porque não impedia que a lesão produzisse todos os seus efeitos, por vezes irreparáveis ou de difícil reparação, até o advento da Lei nº 6513/77, que autorizou a suspensão liminar do ato lesivo impugnado quando passou a ser manejada com maior assiduidade”. FLAKS, Milton. Instrumentos processuais de defesa coletiva. Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de

Uberlândia, Uberlândia, v. 21, p. 242, dez. 1992.

208Sobre a finalidade da ação popular, Alexandre de Moraes ensina que: “a ação popular, juntamente com o direito de sufrágio, direito de voto em eleições, plebiscitos e referendos, e ainda a iniciativa popular de lei e o direito de organização e participação de partidos políticos, constituem formas de exercício da soberania popular (CF, arts. 1º e 14), pela qual na presente hipótese, permite-se ao povo, diretamente, exercer a função fiscalizatória do Poder Público, com base no princípio da legalidade dos atos administrativos e no conceito de que a res pública (República) é patrimônio do povo. A ação popular poderá ser utilizada de forma preventiva (ajuizamento da ação antes da consumação dos efeitos lesivos) ou repressiva (ajuizamento da ação buscando o ressarcimento do dano causado). Assim sendo, a finalidade da ação popular é a defesa de interesses difusos, reconhecendo-se aos cidadãos uti cives e não uti singuli, o direito de promover a defesa de tais interesses”. MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 192. Hely Lopes Meirelles também entende que a ação popular pode ter fins preventivos e repressivos. “A ação popular tem fins preventivos e repressivos da atividade administrativa ilegal e lesiva ao patrimônio público, pelo que sempre propugnamos pela suspensão liminar do ato impugnado, visando à preservação dos superiores interesses da coletividade”. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado

Busca-se, por meio de dela, a anulação de atos lesivos ou imorais209 ao patrimônio público ou de entidade que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, bem como a condenação dos responsáveis à restituição de bens ou valores, ou a condenação em dinheiro pelas perdas e danos, consoante autoriza o artigo 14, § 4º, da Lei 4.417/65.

Trata-se, portanto, de importante mecanismo de defesa da coletividade, na medida em que os atos lesivos, ilegais ou imorais, nas quatro hipóteses acima, podem ser anulados e a coletividade ressarcida dos prejuízos sofridos.

A legitimidade para propositura da ação popular vem expressa no artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal e no artigo 1º e 3º da Lei 4.717/65. Segundo o texto constitucional, “qualquer cidadão é parte legítima para propor

ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.

Assim, somente o cidadão, independentemente do nato ou naturalizado, e também o português equiparado, que esteja no gozo de seus direitos políticos, possuem legitimação constitucional para a propositura da ação popular.210

209Maria Sylvia Zanella Di Pietro pensa que: “Quanto à imoralidade, sempre houve os que defendiam como fundamento suficiente para a ação popular. Hoje, a idéia se reforça pela norma do artigo 37, caput, da Constituição, que inclui a moralidade como um dos princípios a que a Administração Pública está sujeita. Tornar-se-ia letra morta o dispositivo se a prática de ato imoral não gerasse a nulidade do ato da Administração. Além disso, o próprio dispositivo concernente à ação popular permite concluir que a imoralidade se constitui em fundamento autônomo para propositura da ação popular, independentemente de demonstração de ilegalidade, ao permitir que ela tenha por objeto anular ato lesivo à moralidade administrativa”. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 656.

210Releva notar, todavia, que o STJ já decidiu pela legitimidade do MP para a propositura de ação popular. Nesse sentido tem-se o seguinte julgado. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. LESÃO À MORALIDADE PÚBLICA. 1. O Ministério público, por força do art. 129, III, da CF/88, é

A comprovação da legitimidade será feita com a juntada do título de eleitor211 (brasileiros) ou do certificado de equiparação e gozo dos direitos civis e políticos e título de eleitor (português equiparado) Como é o título de eleitor o documento comprobatório da cidadania, os relativamente incapazes

legitimado a promover qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social, não se limitando à ação de reparação de danos. Destarte, nas hipóteses em que não atua na condição de autor, deve intervir como custos legis (LACP, art. 5º, § 1º; CDC, art. 92; ECA, art. 202 e LAP, art. 9º).

2. A carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microsistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.

3. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade).

4. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.

5.A lógica jurídica sugere que legitimar-se o Ministério Público como o mais perfeito órgão intermediário entre o Estado e a sociedade para todas as demandas transindividuais e interditar-lhe a iniciativa da Ação Popular, revela contraditio in terminis.

6. Interpretação histórica justifica a posição do MP como legitimado subsidiário do autor na Ação Popular quando desistente o cidadão, porquanto à época de sua edição, valorizava-se o parquet como guardião da lei, entrevendo-se conflitante a posição de parte e de custos legis.

7. Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o Mandado de Segurança coletivo.

8. Os interesses mencionados na LACP acaso se encontrem sob iminência de lesão por ato abusivo da autoridade podem ser tutelados pelo mandamus coletivo.

9. No mesmo sentido, se a lesividade ou a ilegalidade do ato administrativo atingem o interesse difuso, passível é a propositura da Ação Civil Pública fazendo as vezes de uma Ação Popular multilegitimária. 10. As modernas leis de tutela dos interesses difusos completam a definição dos interesses que protegem. Assim é que a LAP define o patrimônio e a LACP dilargou-o, abarcando áreas antes deixadas ao desabrigo, como o patrimônio histórico, estético, moral, etc.

11. A moralidade administrativa e seus desvios, com conseqüências patrimoniais para o erário público enquadram-se na categoria dos interesses difusos, habilitando o Ministério Público a demandar em juízo acerca dos mesmos.

12. Recurso especial desprovido.(STJ - RESP nº 427140/RO – 1ª Turma – Rel. Min. José Delgado. J. 20/05/2003. DJ 25/08/03, p. 263).

211CONSTITUCIONAL – PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO POPULAR – LEGITIMIDADE – TÍTULO DE ELEITOR – I - A ação popular destina-se a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, sendo legítimo para propô-la qualquer cidadão, devendo ser comprovado estar no gozo de seus direitos políticos por meio do título de eleitor, não bastando a apresentação da carteira de identidade ou do CPF para suprir tal falha, até mesmo porque aqueles que perderam seus direitos políticos ou estão com seus direitos suspensos não detêm legitimidade para propor ação popular. II - Não tendo o autor demonstrado a condição de cidadão por meio do título de eleitor, este não é parte legítima a figurar no pólo ativo da demanda. Remessa de ofício improvida. (TJDF – RMO 20020150081800 – DF – 3ª T.Cív. – Rel. Des. Jeronymo de Souza – DJU

04.06.2003 – p. 64).

LEGITIMIDADE DE PARTE – AÇÃO POPULAR – A ilegitimidade para agir do cidadão deve ser comprovada pelo título de eleitor, como também por certidão negativa da Justiça Eleitoral. Meio de verificação de brasileiro em pleno exercício da cidadania, inclusive para os fins de encabeçar a popular. (TJSP

portadores de tal documento também são legitimados para a propositura da ação popular.

Desta forma, não poderão ser autores da ação popular os estrangeiros, pessoas jurídicas212 e todos aqueles que não têm ou perderam seus direitos políticos.

Muito embora somente o cidadão esteja legitimado a propor ação popular, o resultado prático da ação também pode ser alcançado por meio da ação civil pública, o que legitimaria todo o elenco do artigo 5º da LACP e 82 do CDC a ingressar com esta ação.

O Ministério Público, em que pese não estar legitimado para propor ação popular213, possui um papel importantíssimo ao andamento das ações. É que o artigo 6º, § 4º, da Lei 4.717/65, prescreve que o Ministério Público deverá acompanhar a ação, cabendo-lhe apressar a prova, bem como a promoção civil ou penal dos responsáveis, sendo vedado, em quaisquer hipóteses, a defesa, por parte do Ministério Público, do ato impugnado ou dos seus autores.

Por sua vez, o artigo 7º da referida lei prescreve que a ação obedecerá o procedimento ordinário e que o juiz ordenará a citação dos réus, bem como a intimação do Ministério Público; requisitará às entidades citadas na petição inicial todos os documentos referidos pelo autor, bem como outros que entenda necessários para a compreensão dos fatos e concederá prazo de quinze a trinta dias para cumprimento. Cabe ao Ministério Púbico providenciar a entrega dos documentos solicitados pelo juiz no prazo estabelecido pela lei.

212Ver súmula 365 do STF.

213ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO – SENTENÇA CONFIRMADA – Em face da ilegitimidade do ministério público para propor ação popular, confirma-se a sentença que extinção o processo sem julgamento do mérito. Reexame necessário improvido. Decisão unânime. (TJPE – DGJ 36563-5 – Rel. Des. Santiago Reis – DJPE 14.01.2003..

Cabe, ainda, ao Ministério Público, promover a execução da sentença condenatória, caso o autor ou terceiro não o faça nos sessenta dias após a publicação da sentença condenatória de segunda instância, sob pena de falta grave. O prazo concedido ao Ministério Público para cumprimento da determinação é de até trinta dias, consoante determinação do artigo 16 da Lei de Ação Popular. Também poderá recorrer das sentenças sujeitas a recurso proferidas contra o autor da ação.

O artigo 9º da LAP dispõe que se o autor desistir da ação ou “der

motivo à absolvição da instância”, serão publicados editais nos moldes do artigo 7º, II214, garantindo-se a qualquer cidadão, assim como ao Ministério Público, dentro do prazo de noventa dias da última publicação prosseguir com a ação.

O prazo prescricional é de cinco anos (artigo 21 da LAP). Há discussão na doutrina sobre a natureza desse prazo: prescricional, decadencial ou extintivo. Gregório Assagra entende que esse prazo, por ser restritivo de direitos, não foi recepcionado pela Constituição, mas reconhece que a questão não é pacífica na doutrina e na jurisprudência215.