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Fundamentos da autoridade da coisa julgada

3. A COISA JULGADA

3.6. Fundamentos da autoridade da coisa julgada

A doutrina tem entendido que dois são os fundamentos da autoridade da coisa julgada: o primeiro de ordem política e o segundo de ordem jurídica.

A finalidade da jurisdição, que utiliza o processo como instrumento, é promover a justiça, pacificar os conflitos de interesses, dando a cada um aquilo que é seu por direito. O ordenamento jurídico, para minimizar a possibilidade de ocorrência de injustiças, prevê às partes a possibilidade de interposição de recursos, desde que preenchidos seus pressupostos de admissibilidade.

Todavia, o processo tem que ter um ponto final, dando segurança jurídica às partes. Vale dizer, os recursos devem ser finitos e em um determinado momento a decisão judicial tornar-se imutável.

Aquele que venceu a demanda tem de ter a certeza de que poderá promover uma execução e uma vez satisfeito seu crédito, aquele bem da vida alcançado por meio do processo passa a integrar definitivamente seu patrimônio. Não poderia ficar constantemente na incerteza de que aquilo que a Justiça disse que era seu poderia ser revisto a qualquer tempo e então, não mais sê-lo. Portanto, o fundamento político da autoridade da coisa julgada repousa no princípio da segurança jurídica.

Quanto ao fundamento jurídico da coisa julgada, não há unanimidade entre os juristas. Trata-se de tema controvertido. Algumas teorias a respeito foram sintetizadas por Moacyr Amaral dos Santos163, a saber:

Teoria da presunção da verdade: os juristas da Idade Média entendiam que a sentença continha uma presunção de verdade. Eles sabiam que nem sempre as sentenças eram justas, mas ainda assim elas produziam coisa julgada. Pelo fato de nem sempre reproduzirem a verdade, não se podia dizer que a sentença era a verdade, mas tão somente que continha uma presunção de verdade.

163SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 46-52.

Essa teoria foi esposada pelo Regimento nº 737, de 1850, cujo artigo 185 assim dispunha: “São presunções legais absolutas os fatos ou atos

que a lei expressamente estabelece como verdade, ainda que haja prova em contrário, como a coisa julgada”.

Teoria da ficção da verdade: foi elaborada por Savigny também partindo-se do fato de que sentenças com erros de fato ou de direito fazem coisa julgada. Como as sentenças injustas também fazem coisa julgada, aquilo que a sentença declara não pode deixar de ser reconhecido verdadeiro pelas partes, bem como por qualquer juiz. Assim considerando, pode-se dizer que na sentença nada mais há do que ficção da verdade. O autor explica que a ficção é aparência havida como verdade, ainda que não seja verdade, pelo que a sentença contém uma verdade artificial.

Teoria da força legal, substancial da sentença: seu autor é Pagenstecher, que entende que toda sentença – ainda que a meramente declaratória, cria direito, é constitutiva de direito.

A sentença, para o autor da teoria, assemelha-se a um parecer elaborado por um jurisconsulto. O parecer deste produz certeza, mas a certeza produzida pela sentença contém um quid, isto é, um quê a mais que se molda à certeza produzida pela sentença, tornando-a criadora de direito. Uma vez proferida a sentença, não é o direito anterior que se impõe, mas o direito novo resultante da certeza contida na sentença mais o referido quid.

Por essa teoria, o fundamento da coisa julgada reside no fato de que direito novo criado pela sentença tem força de lei.

Teoria da eficácia da declaração: seus elaboradores e defensores são Hellwig, Binder, Stein. O fundamento da autoridade da coisa julgada estaria na eficácia da declaração de certeza contida na sentença.

Segundo esta teoria, a sentença pode ser declaratória (quando declara o direito) ou constitutiva (quando forma o direito). Até a sentença condenatória tem natureza constitutiva porque além da declaração de certeza, tem também uma ordem de dar, fazer ou não fazer.

Toda sentença conteria uma declaração e esta é que produz a certeza do direito.164

Teoria da extinção da obrigação jurisdicional: foi desenvolvida por Ugo Rocco, para quem o conceito de sentença e coisa julgada estão necessariamente presos aos conceitos de ação e jurisdição.

A parte tem o direito de ação, que é o direito subjetivo de submeter ao Estado a resolução de um conflito. O Estado, por meio da jurisdição, irá aplicar o direito objetivo ao caso concreto. O direito de ação implica a correspondente obrigação jurisdicional do Estado. Mas, tendo o processo chegado ao seu final com a devida prestação jurisdicional, extingue-se o direito de ação e de jurisdição sobre aquela relação de direito material. Assim, a decisão final não mais poderá ser questionada porque, para o caso, a jurisdição está extinta e, conseqüentemente, o direito de ação também.

Teoria da vontade do Estado: esta teoria teve Chiovenda como um dos seus ilustres defensores. Teve grande aceitação na Alemanha. O fundamento da coisa julgada estaria na vontade do Estado.

A sentença em si, como ato de inteligência do juiz e produto de raciocínio lógico, não tem nenhuma influência do Estado. Todavia, o Estado a

164“Na parte declaratória da sentença reside a autoridade da coisa julgada. Esta se fundamenta na eficácia da

declaração de certeza. A declaração de certeza produz a eficácia de impor às partes, bem como ao juiz que proferiu a sentença e aos demais juízes, a observância de tal declaração. A declaração produz, assim, fenômeno processual de duplo aspecto: por um lado, atribui às partes o direito de exigir de uma e de outra a sua observância, e, por outro lado, atribui a todos os juízes a obrigação de respeitarem-na. A autoridade da coisa julgada, assim, se fundamenta na eficácia da declaração, e, pois, corresponde ao fenômeno processual pelo qual a sentença se torna indiscutível, incontestável não só pelas partes como para todos os juízes.” SANTOS, Moacyr Amaral. op. cit., 17. ed., p. 48.

transforma num comando com força obrigatória, que pode se tornar indiscutível e imutável.

Teoria de Carnelutti: o construtor da teoria também vislumbra a autoridade da coisa julgada pelo fato dela provir do Estado. Carnelutti argumenta que para se ter um comando na sentença é necessário que se tenha um comando na lei. Assim, pode-se dizer que o comando da sentença é um comando suplementar ao da lei.165

Esta teoria diferencia-se da teoria da vontade do Estado defendida por Chiovenda pelo fato deste sustentar que a sentença espelha a lei aplicável ao caso concreto. Isto significa que na sentença é possível encontrar a própria lei, embora aplicada ao caso concreto. Uma vez proferida a sentença, esta substituiria a lei e o comando da sentença seria autônomo à própria lei.

Teoria de Liebman: O idealizador não vê a coisa julgada como um dos efeitos da sentença. Liebman sustenta que a coisa julgada é uma qualidade especial da sentença, que reforça a sua eficácia. Essa qualidade advém da imutabilidade da sentença enquanto ato processual (coisa julgada formal) e imutabilidade de seus efeitos (coisa julgada material).

A eficácia da sentença resulta do fato de provir do Estado, mas deve estar conforme o direito. Os recursos minimizam a possibilidade de o Estado proferir sentenças injustas. Muitas sentenças têm efeito suspensivo, outras só devolutivo. As sentenças que têm efeito suspensivo somente produzirão efeitos quando cessar o efeito suspensivo, com o julgamento dos recursos que lhe garantem essa suspensão. Depois de todos os recursos serem julgados, a eficácia da sentença se reforça, pois ocorre a formação da coisa julgada formal

165“Na teoria de Carnelutti é interessante a inversão dos momentos do fenômeno processual da coisa julgada. Enquanto para as demais teorias a coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal, para Carnelutti é esta que pressupõe aquela. Na certeza que a sentença produz está a imperatividade dela, e é esta imperatividade que constitui a coisa julgada material, a qual, pela preclusão dos recursos se transforma em coisa julgada formal.” SANTOS, Moacyr Amaral. op. cit., 17. ed., p. 50.

(imutabilidade da sentença) e conseqüentemente a coisa julgada material (imutabilidade dos efeitos da sentença).