• Nenhum resultado encontrado

2. A INCLUSÃO RADICAL E O MIPID

2.15. Ações Afirmativas

125

Figura 25 - Educadores discutem a temática étnico-racial.97

Todo menino é um rei Eu também já fui rei Mas quá! Despertei! Por cima do mar da ilusão Eu naveguei! Só em vão Não encontrei O amor que eu sonhei Nos meus tempos de menino Porém menino sonha demais Menino sonha com coisas Que a gente cresce e não vê jamais (Roberto Ribeiro)98

O que pode ser mais afirmativo que o direito à educação, o direito de poder conhecer a própria história, o direito ao questionamento sobre os fatos e os sujeitos dessa história, sobre suas contribuições?

97

Em evento realizado no salão vermelho do Paço Municipal. Professor Amilton, Wilson Queiroz, Sandra Amara e Jussara Barnabé.

126

Deseducaram a gente. Através dessa pedagogia, (não falo das pedagogias com perspectivas libertadoras) mas essa que veio pra esconder, veio pra oprimir. Educaram- nos, que a gente precisou renascer das cinzas, se reinventar. (v. anexo: entrevista com José Galdino Pereira, p. 200)

O que ocorreu no período em que realizávamos as atividades do programa MIPID foi a compreensão e a vivência de uma ação afirmativa, e seus desdobramentos para a sociedade brasileira. A relevância da institucionalização do programa e de sua viabilização nos moldes em que foi possibilitado ao MIPID é com certeza, uma vitória nessa longa luta.

Todas as construções que foram possibilitadas ao longo do processo demonstram a importância do que vem sendo chamada “ação afirmativa”, implementada pelas políticas públicas deste país a partir de uma reinvenção pedagógica, como afirma José Galdino:

E a gente começa a reconstrução. Reconstrução mesmo. O negro se reinventa mesmo. E ai a militância tem esse papel fundamental. Por que ela é política na sua questão. Por que a questão é uma questão política de espaço dentro da sociedade. (id, p. 201)

O MIPID possibilitou a construção de inúmeros materiais e abordagens para o trabalho da temática, bem como ampliou significativamente o alcance das discussões étnico-raciais na Rede Municipal, possibilitando a compreensão das relações étnico-raciais nas instâncias político- partidário-pedagógicas e as contradições entre discurso e prática, destaca José Galdino:

De conquista de espaço e essa conquista de espaço não se dá, com um pires na mão, não se da com papel. Dá-se é com a “briga” mesmo. De dizer olha nós temos direito a isso. E é isso que vai acontecer. Por que é isso que acontece. Se a mãe não tem isso presente, a militância vai ter isso presente. A questão dos direitos começa ali, aqui, acolá. Uma lei aqui. Repensar determinadas práticas. E o que a militância faz muito bem é identificar isso. (id, p. 203)

Compreender cada vez mais as mudanças e avanços conquistados com a institucionalização do MIPID é importante para entender a abrangência que a discussão étnico-racial ganhou com o programa. Toda a experiência do MIPID precisa ser estudada minuciosamente por quem trabalha a educação, para que a partir daí possam emergir novas formas de reinvenção, reestruturação e ressignificação da atividade docente para o trato com a temática.

127

Eu não sei se eu consigo pensar esta questão. Acho que é muito pra eu conseguir pensar. Uma pedagogia étnica. Não sei se eu consigo. Mas é assim. Eu vejo assim e o MIPID deu essa consciência. Eu me lembro que quando eu pensava no MIPID eu pensava puxa vida Wilson é de Ciências e Matemática, eu sou de História, fulano de Geografia, Kátia de Educação Física. Eu acho que ainda faltou esse tempo, para que a gente sentasse junto e pensasse nisso que você está propondo agora. Será que seria possível. Note que nós não nos juntamos. Eu nunca sentei com você depois, ou com os outros assim, pra ver o que cada um dentro da sua disciplina, como é que trabalhou essa questão racial. (id, p. 199)

Com a determinação do retorno às salas de aula em setembro de 2007 e a suspensão imediata de todas as atividades em execução, o Programa MIPID foi extinto. Seu esvaziamento, em termos de proposta política, deveria estar atrelado a uma nova proposta efetiva de trabalho da temática, mais séria e com maior investimento e melhores condições de trabalho. Qualquer outra forma de compensação ficaria aquém do que foi conquistado pelo programa.

Mesmo destituído, o MIPID deixa um legado de possibilidades para novos olhares e fazeres sobre as questões raciais, a partir da inovação no tratamento dado pelos gestores à temática e seus desdobramentos políticos, éticos, étnicos e sociais.

Desta forma, negar estrutura mínima à continuidade de um projeto de tamanha dimensão demonstra sintomas de uma sociedade doente, que reage com medo ao ser questionada e prefere a manutenção de ideias e práticas não mais condizentes com o sistema democrático e humanitário a que se propõe.

A partir de ações declaradas ou não, deu-se o abandono de uma proposta que iniciou o processo de problematização e reestruturação do modelo educacional imposto até aquele momento à população negra, um modelo excludente e que ilustra cotidianamente a negação da história dos negros e de sua contribuição para a formação de nossa sociedade.

O MIPID certamente possuiu falhas, mas esse fato não tira sua legitimidade enquanto construção histórica daquilo que representaria a inclusão do negro como identidade brasileira. O correto, ao invés de acabar com o programa, seria a realização de uma análise mais criteriosa a fim de estabelecer parâmetros e eventuais modificações em sua estrutura a fim de aperfeiçoá-la. Ao serem negadas as proposições apontadas pelo MIPID, é permitido às escolas e à sociedade o esquecimento desse debate.

128

Percebe-se, então, que o direcionamento dessa política educacional, após a extinção do programa, forneceu às escolas e aos professores a possibilidade de silenciarem as mínimas ações que começavam a germinar, provenientes dos esforços do MIPID e de seus agentes.

Olha, Wilson, eu acredito que teria que ter uma formação continuada. Até por que como você sabe, o problema do preconceito, da discriminação, ele também vai evoluindo nas formas de discriminação. Quando a gente fala aqui há uma discriminação velada, mas há também uma evolução, vai evoluindo. Então nessa evolução também precisa de estudo permanente para criar estratégias de combate. Por que você precisa criar estratégias, a gente tem que ter estratégias, e assim como vão aparecendo estratégias de aperfeiçoamento da discriminação e do preconceito, a gente também tem que criar estratégias de enfrentamento. (v. anexo: entrevista com Thiago Martins Dias, p. 215)

Por mais que as ações políticas elaborassem teorias e decretos sobre a questão racial, era visível que o debate corria sérios riscos de não sair do papel, como expõe a professora Sueli Gonçalves ao analisar a lei elaborada pelo vereador Sebastião Arcanjo: “A teoria, sem condições materiais e políticas para sair do papel, corre o risco de virar letras mortas, letras de pouco valor, letras que entram para a história sem terem sido pronunciadas pelos sujeitos aos quais se destinam”.

Nesse sentido, seria necessário que a gestão política do processo fosse conduzida conforme planejado pela militância do movimento negro, de forma que todo esse processo histórico educacional se transformasse em ações concretas. Entende-se, portanto, que naquele momento qualquer ação institucional para o esvaziamento do programa seria uma ação declarada de racismo e que, consequentemente, deveria ser combatida.

A amortização do MIPID representa a perda de uma instância poderosa de formação política das questões étnico-raciais e seus desmembramentos. A atuação política que o programa possibilitou foi fundamental no processo de sua concepção e execução, e o fato de não ter sido declaradamente extinto (mas destituído de seus agentes e de sua estrutura) fez com que não tivéssemos mais voz sequer para protestar ou entender os protestos que surgiram no decorrer de sua existência.

Seus seis profissionais com jornada de 36 horas semanais foram reduzidos a uma professora com a mesma jornada, como se o programa não tivesse representado qualquer avanço. A verdade é que não foi possibilitada uma reestruturação das condições de trabalho, da gestão do programa e da participação dos educadores étnicos.

129

Esse contato poderia ser tanto com professor quanto com diretor, com funcionários, com quem tivesse necessidade de orientar a escola a tá trabalhando com essa conscientização. A princípio com a conscientização sobre a questão racial, da importância de trabalhar a questão racial desde bebê. Na verdade a gente começava o iniciar antes. Não á aquela coisa que segundo a lei é só para o fundamental. (v. anexo: entrevista com Sueli Gonçalves, p. 133)

O MIPID foi calado de forma preocupante, retornando à invisibilidade das ações antirracismo e permanecendo o silêncio permissivo acrescido da impressão de possuir um discurso de inclusão sem sequer investir nesta ação de forma efetiva.