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1. MEMORIAL DE FORMAÇÃO

1.17. Trajetória profissional e escolar

1.17.2. Mas como me tornei professor?

Quando eu tinha seis anos, no meu primeiro ano escolar, lembro-me de minha mãe pedindo à professora Bia que me ajudasse com aulas de reforço, pois tínhamos receio de que eu não conseguisse acompanhar o ritmo escolar. A professora tranquilizou-nos dizendo que eu não precisaria das aulas de reforço pois tinha condições de acompanhar sem problemas. Esta é uma das primeiras lembranças da minha vida escolar.

Recordo-me também, deste primeiro ano, da professora Porcina, que foi responsável por minha alfabetização e me acompanhou até a oitava série como professora de Português. Era extremamente carinhosa. Dentre as inúmeras boas lembranças com a professora Porcina, recupero três que são extremamente significativas: a primeira era de sua casa, ampla e confortável, um espaço que me encantava e fazia sonhar principalmente pelo enorme quintal. A segunda lembrança desta professora é o livro A Flor de Gelo, que me marcou muito e que, recentemente, pude recuperar para melhor compreender a razão desta memória tão marcante.

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A terceira – e também a mais grave – foi uma traquinagem feita com ela. Na sétima série apareceu um sapo atrás da porta da sala de aula. Não me recordo bem se ele apareceu lá ou foi colocado, mas a questão é que a professora tinha muito medo de sapos. Neste dia ela saiu da sala em determinado momento para pegar um café e, ao voltar e fechar a porta, viu o sapo. Lembro- me de suas mãos tremerem no percurso da porta até a mesa, a xícara tremia e, quando ela se sentou, começou a chorar muito e a perguntar quem havia feito aquela brincadeira e por quê. Fomos todos os alunos para a sala da direção da escola e todos nós levamos suspensão, já que ninguém assumiu a responsabilidade.

A professora Porcina era casada com um senhor negro e tinha um filho cabo-verde (expressão da Bahia para negros com cabelos lisos), que veio a se tornar meu colega de turma. No episódio do sapo, inclusive, ele estava presente.

A escola Rômulo Galvão era considerada, na época, a melhor escola pública da cidade, e não havendo escolas particulares de 5ª a 8ª séries, tornou-se a melhor escola de Coração de Maria. Era costume entre mim e meus colegas disputarmos notas no boletim para saber quem era afinal o melhor aluno. Em razão desta “busca” por ser o melhor, participei da Olimpíada de Matemática da escola organizada pela professora Tereza Preta quando eu estava na sexta série, e consegui as melhores notas nas duas etapas da competição, o que me rendeu um troféu com meu nome gravado nele.

Desta forma, percebo que trago referências muito fortes de minhas primeiras educadoras. Estas referências refletem, hoje, em minha maneira de ser professor e lidar com educação.

Com o final do ensino médio tentei por um ano conseguir emprego na Bahia. Recordo-me que a única oportunidade que surgiu foi a de trabalhar no escritório de um posto de gasolina, mas apesar de a dona do estabelecimento ter prometido ligar para dar a resposta, nunca a recebi.

Após esse ano tive a oportunidade de vir para Campinas. Mais que oportunidade, tentar uma vida nova em outra cidade era uma necessidade. Enfim, com dezessete anos, cheguei a Campinas trazendo minha mãe comigo. Fiquei dois meses desempregado, mas eu acreditava que o sonho de ser bancário estava cada vez mais próximo, pois eu já havia estagiado na área.

Preenchi fichas para cargos em bancos e outros, já que eu tinha pressa em conseguir um emprego. Desta forma, meu primeiro trabalho em Campinas foi em uma loja de departamentos no centro da cidade como repositor de mercadorias na seção de perfumaria. Com apenas um mês de

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trabalho fui contratado como auxiliar administrativo da empresa e passei a cuidar do recolhimento de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Já estava há dezesseis meses trabalhando como auxiliar administrativo quando três funcionários do setor, inclusive o supervisor, foram demitidos. Meu nome foi cogitado para a função de supervisor, mas apesar das indicações o gerente geral não aceitou minha promoção. Decidi, então, propor à minha gerente um acordo para minha desvinculação da empresa, já que o fato de estar atuando como supervisor há tempos sem ser reconhecido como tal acabou por me desmotivar a continuar. Não sabia o que poderia acontecer com a minha demissão, pois não tinha outro emprego em vista.

Entretanto, naquele período eu já fazia planos para tentar o vestibular e buscar novas possibilidades, inclusive o sonho de ser bancário. Enquanto eu estava na loja de departamentos, conheci uma supervisora que cursava Matemática na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e que me ajudou com conselhos para o vestibular.

Com minha rescisão contratual nas mãos, resolvi apostar na faculdade. Minhas duas irmãs que moravam comigo e minha tia que residia em uma casa próxima à nossa nunca se opuseram a essa decisão. Pelo contrário, apoiaram-me sempre.

Fiz o vestibular da PUC-Campinas e da Universidade São Francisco de Itatiba (USF- Itatiba). Não me considerava gabaritado o suficiente para ser um aluno da UNICAMP, por isso naquele momento sequer passou pela minha cabeça a possibilidade de tentar o vestibular desta universidade.

Apesar de ter obtido a sétima colocação na prova da PUC, tive que optar pela USF por questões financeiras, já que eu não estava empregado. Mesmo sendo em outra cidade, a USF ainda era mais adequada ao meu orçamento.

Comecei a estudar em fevereiro de 1992. Naquele período, consegui algumas aulas de substituição nas E.Es Professor Salvador Bove e Professor Francisco Ribeiro Sampaio, duas escolas localizadas, respectivamente, no Jardim Nova Mercedes e Jardim Nossa Senhora de Lourdes, bairros vizinhos. Como eu morava no Jardim Nova Mercedes, conseguia ir andando até a E.E. Professor Salvador Bove.

Entretanto, encontrei diversas dificuldades para me deslocar até o Jardim Nossa Senhora de Lourdes, já que o transporte público da época ainda era deficiente e as alternativas para transitar

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entre bairros eram poucas e complicadas. Para chegar até a E.E. Francisco Ribeiro Sampaio era preciso tomar o ônibus para o centro da cidade e, de lá, outro para o bairro de destino. Esse percurso duraria pelo menos noventa minutos, mas eu tinha apenas trinta de intervalo entre as aulas nas diferentes escolas.

Destas condições surgiu uma das maiores aventuras daquele meu percurso inicial como professor, já que a única solução era ir andando os quatro quilômetros que separavam uma escola da outra. Além da disposição para a caminhada e a aula que viria em seguida, era preciso coragem, já que as chácaras que atravessávamos (eu e outros professores) eram guardadas por cães não muito amigáveis. Comecei, naquele momento, a vivenciar alguns dos inúmeros desafios de ser professor, já que para continuar estudando eu deveria assumir esses obstáculos e vencê-los.

Segue, em documento anexo, a descrição de dois caminhos que fazíamos a pé diariamente nos dois primeiros anos como professor de matemática nas E.E. Professor Francisco Ribeiro Sampaio (localizada na Rua Fernando Vaqueiro Ferreira, S/N, Jd. Nossa Senhora de Lourdes) e E.E. Professor Salvador Bove (localizada na Rua Alberto Degrande, 330, Jd. Nova Mercedes).