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2. A INCLUSÃO RADICAL E O MIPID

2.23. Tudo é racismo?

Em muitas partes do mundo, incluindo as mais desenvolvidas, as sociedades encontram-se fragmentadas por inimizades originárias de diferenças raciais, étnicas, tribais, nacionais, classistas e religiosas. Algumas dessas inimizades – usamos a palavra no sentido bem amplo – atingiram o grau mais alto de barbaridade. Outras, menos extremas,

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manifestam-se na forma de exclusão e opressão racial, segregação, discriminação adversa, atitudes e condutas pessoais derrogatórias e a promulgação de doutrinas e legislações concebidas para promover e justificar as demais manifestações de inimizade. (PATAKI, Tamas, 2005, p. 13)

Esta talvez seja uma das grandes questões que surgem no curso.

Neste mês de julho de 2011 estávamos eu, a professora Corinta e o professor Wanderlei Geraldi conversando sobre o consumo do mundo moderno e suas repercussões para as próximas gerações. Para o professor Wanderlei, a natureza seria, no atual momento, a grande responsável por uma conscientização dessa modernidade. Será ela quem cobrará de forma mais contundente todos os descasos provenientes do consumo desmedido? Será a natureza quem fará a grande revolução de que a humanidade necessita?

Imediatamente pensei num trecho da ópera “Alabê de Jerusalém”, onde Altair Veloso também fala da importância da natureza ao discutirmos as relações étnico-raciais. Ele canta que, mesmo resistindo, o ser humano ainda assim precisa tomar consciência. E ressalta que religião de verdade, “como queria o Nazareno”, é a ecologia. Ainda que a preocupação inicial seja com as plantas, os animais e as águas, nós precisaremos em um determinado momento chegar à preocupação com os seres humanos.

A questão “tudo é racismo?” movimenta-me constantemente na busca por suas possíveis reelaborações. O exercício do pensar cotidianamente nas implicações das questões étnico-raciais faz com que reflitamos sobre uma educação que extrapola a ideia dicotômica das coisas e das pessoas, e passa a ser a busca por uma formação a mais ampla possível. O curso Educar para a

Igualdade Racial lançou o desafio do encontro de novas possibilidades para a compreensão

destas questões, além de cobrar-nos um posicionamento ante o desafio.

Neste diálogo com o professor Wanderlei mais uma pergunta: “Até onde respostas para as questões étnico-raciais nos induzirão apenas à legitimação da sociedade de consumo, e o quanto estamos contribuindo para alimentar essa engrenagem do consumo desmedido?”

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Avaliando o estado atual de nossos conhecimentos sobre a África, propondo diferentes pontos de vista sobre as culturas africanas e oferecendo uma nova leitura da história. (G. Mokhtar)

Ao reavaliar o inventário de dados desta pesquisa, posso perceber que todo o material organizado me possibilita uma intervenção nas práticas que envolvem as discussões da Lei 10639/03. E acredito que foi uma das grandes aprendizagens conseguidas no MIPID: o que fazer para que o silêncio não persista em nossa presença. E, mais ainda, o que fazer para que, durante nossa ausência, as propostas possam frutificar em novas ações. Este é o grande desafio. Mas são as conquistas cotidianas que estimulam a continuidade da luta.

2.23.2. Questões? Questões! Questões. Questões...

Significa, em termos de saber, privilegiar as perguntas por oposição às soluções, ou seja, centrar o conhecimento em um processo de pesquisa. Significa reconhecer o valor insubstituível do erro nos processos de aprendizagens. (CANÁRIO, Rui, 2006, p. 18)

As questões étnico-raciais não são poucas e não são simples. O curso Educar para a

Igualdade Racial lançou o desafio do questionamento sobre as nossas ações em relação às

questões étnico-raciais. E a partir desta dúvida, o que é racismo? Como identificar? Como lidar com isso?

E então, o que inicialmente seriam questões particulares, a partir do olhar lançado pelo curso é estendido para a família, para a escola, para a sociedade. Tudo ao mesmo tempo. Assim, como a vida acontece. Ao mesmo tempo. Não é possível dissociar uma e outra instância.

À medida que as perguntas surgem, procuramos interlocutores para pensarmos as soluções. O professor precisa relacionar as questões à turma de alunos com a qual trabalha. Como tratar então da temática étnico-racial, considerando agora as faixas etárias? Os níveis de aprendizagem? Como fazer com que os alunos sejam também protagonistas na elaboração de respostas para estas questões?

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Esta dissertação procura expor o que foi o processo de compreensão e apropriação do conhecimento que foi sendo compartilhado e ao mesmo tempo produzido nos cursos e no trabalho do Programa MIPID. É também a sistematização de ideias e práticas que se consolidaram e passaram a ser importantes para a formação pessoal e profissional dos educadores da Rede Municipal.

Sem a pretensão de contar aqui uma história exaustiva do que poderia ter sido este processo, apresento um possível histórico – não tão cronológico, nem tão denso. É preciso considerar que continuo atuando como professor de matemática, disciplina que me mobiliza diariamente a estar na escola e a pensar em trabalho de aprendizagem específico, e que não é o foco desta pesquisa.

De certa forma sinto que tive uma ampliação da minha formação, porém as dúvidas que me rodeiam também se ampliam. Assim, a dicotomia professor de matemática / educador étnico passa a ser um questionamento bem mais constante. O fato de ter podido ampliar meu conhecimento histórico sobre as relações étnico-raciais é refletido em minha prática de maneira importante, e contribuiu para que eu pudesse compreender melhor o processo de formação do conhecimento humano em sua forma mais ampla, e não subdividida como o currículo por vezes nos impõe.

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