• Nenhum resultado encontrado

Ações afirmativas do ponto de vista político no direito brasileiro

No documento Ações afirmativas e o pricípio da igualdade (páginas 126-130)

7 AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL

7.3 Ações afirmativas do ponto de vista político no direito brasileiro

Percebemos que do ponto de vista jurídico normativo, a implementação das ações afirmativas não encontra nenhum obstáculo na legislação brasileira, sob a ótica da compatibilidade vertical e horizontal dessas normas instituidoras de ações afirmativas com a Constituição Federal de 1.988.

Já do ponto de vista político, o Brasil tem tentado de forma satisfatória, ainda que tardia, implementar medidas afirmativas visando mitigar as discriminações de grupos ou de indivíduos socialmente mais vulneráveis; talvez não com a visão de resgate histórico das discriminações sofridas por esses grupos e ou indivíduos, mas, designadamente no que se refere a discriminação étnico racial. Para com essa perspectiva, promover a inclusão social dos integrantes desses grupos.

Ressalta-se que, uma das primeiras medidas de ações afirmativas, embora não visando o resgate histórico de discriminação étnico racial, mas com objetivo de impedir a discriminação em razão da nacionalidade, implementada pelo Brasil foi a denominada Lei do Dois Terços, implementada em 1.930, que tinha por objetivo:

Garantir a participação majoritária de trabalhadores brasileiros nas empresas em funcionamento no Brasil, numa época em que muitas firmas de propriedades de imigrantes costumavam discriminar os trabalhadores nativos, sobretudo em São Paulo e nos estados do sul246.

Nos últimos tempos, o Brasil passou a implementar uma série de medidas afirmativas no âmbito dos programas governamentais de inclusão social, tanto de grupos específicos como de grupos variados, mas que, na verdade, devem ser consideradas como ações afirmativas de promoção da inclusão social; não por motivo de discriminação, mas em razão de desigualdades originadas por outros fatores, como por exemplo: relacionados à própria política de desenvolvimento

adotada inicialmente pelo País. Entre essas medidas é de relevo destacar as seguintes:

A criação das Agências de Fomento, como por exemplo: a SUDAN, Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia; SUDENE, Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste; SUDECO, Superintendência de Desenvolvimento do Centro Oeste. Cujas agências de fomento foram criadas pelo Governo Brasileiro visando desenvolver as regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste do País, uma vez que essas regiões apresentavam grande carência de recursos financeiros e nelas imperava a maior incidência de desigualdade social do Brasil.

Outra medida com feição de ação afirmativa, de âmbito geral, está inserida no sistema tributário nacional no âmbito do Imposto de Renda - IR, que nos termos da Constituição Federal tem caráter progressivo, visando a redistribuição de rendas. Nesse sentido dispõe o artigo 153, inciso III e o inciso I do seu § 2º: “Compete a União instituir impostos sobre [...] III renda e provento de qualquer natureza; § 2º o imposto previsto no inciso III, será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade na forma da lei”247.

A instituição de imposto sobre rendas com alíquotas de caráter progressivo tem por objetivo, na verdade, a redistribuição de rendas. Outra medida com natureza de ação afirmativa destinada a compensar a desigualdade social, que constitui uma alternativa, em favor da opção pela discriminação positiva encontra-se inserida no âmbito da lei 8.213/1.991, precisamente nos seus artigos 52 e 53 que permitem aposentadoria parcial e integral da mulher aos vinte e cinco e trinta anos de contribuição previdenciária, respectivamente; portanto, com cinco anos a menos que a previsão de aposentadoria nos mesmos moldes para o homem. Senão vejamos:

Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30 (trinta) anos, se do sexo masculino.

Art. 53. A aposentadoria por tempo de serviço, observado o disposto na Seção III deste Capítulo, especialmente no art. 33, consistirá numa renda mensal de:

I - para a mulher: 70% (setenta por cento) do salário-de-benefício aos 25 (vinte e cinco) anos de serviço, mais 6% (seis por cento) deste, para cada novo ano completo de atividade, até o máximo de 100% (cem por cento) do salário-de-benefício aos 30 (trinta) anos de serviço;

II - para o homem: 70% (setenta por cento) do salário-de-benefício aos 30 (trinta) anos de serviço, mais 6% (seis por cento) deste, para cada novo ano

completo de atividade, até o máximo de 100% (cem por cento) do salário- de-benefício aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço248.

No plano étnico, a primeira proposta de ação afirmativa ocorreu em 1.983, através do projeto de lei apresentado nas Câmaras dos Deputados pelo então Deputado Federal Abdias do Nascimento, um ativista da causa afrodescendente no Brasil e que representava o Estado do Rio de Janeiro. O referido projeto de lei tinha a seguinte disposição introdutória:

Dispõe sobre ação compensatória visando a implementação do princípio da isonomia social do negro, em relação aos demais seguimentos étnicos da população brasileira conforme o direito assegurado pelo artigo 153, §1º da Constituição da República249.

Esse projeto de lei abrangia as áreas de empregos públicos e privados e acesso ao sistema educacional; estabelecendo o percentual de 20% para homens e mulheres negras em todos os Órgãos da Administração Direta e Indireta, nas esferas Federal, Estadual e Municipal, incluindo as Forças Armadas em todos os escalões de trabalho e educação (artigo 2º do projeto de lei 1.332/1.983).

Já o artigo 3º do referido projeto de lei previa o estabelecimento de cotas raciais na forma de bolsas de estudo no percentual de 40% das bolsas de estudos a ser concedidas pelo Ministério da Educação e Secretarias de Educação estaduais e municipais. O projeto previa ainda a reserva de vagas no mesmo percentual de 40% no instituto Rio Branco (escola de formação de diplomatas), cujo percentual seria dividido na mesma paridade entre homens e mulheres negros.

O projeto de lei 1.332/1.983 previa a alteração das grades curriculares e acadêmicas em todos os níveis com vista a incorporar aos conteúdos dos cursos de história do Brasil e história geral “[...] o ensino das contribuições positivas dos africanos e seus descendentes”250.

Ressalta-se, que embora, o denominado projeto de lei 1.332/1.983, não tenha sido apreciado pelo Plenário da Câmara dos Deputados, o mesmo serviu de inspiração à várias leis setoriais; entre elas, destaca-se a lei 10.639/2.003, que alterou a lei de Diretrizes de Base da Educação Brasileira, número 9.394/1.996.

248 BRASIL, 1991.

249 MEDEIROS, 2007, p. 125. 250 Ibid., p. 126.

Sendo que pela alteração tornou-se obrigatória a inclusão na grade curricular do ensino fundamental e médio o ensino de história e cultura afro-brasileiras.

O PL 1.332/1.983, também serviu de inspiração, quase 20 anos depois à lei 12.711/2.012 que instituiu as cotas nas universidades brasileiras. A instituição de cotas para grupos vulneráveis nas universidades públicas brasileiras talvez seja uma das mais importantes ações afirmativas com objetivo de inclusão social das minorias, aí incluindo as minorias étnico raciais (negros) na sociedade brasileira.

Vale lembrar, que todas as pesquisas já realizadas apontam o estudo como o meio mais eficiente de inclusão social e democratização dos meios de produção de um país. Até porque, como já foi dito neste trabalho; não há democracia sem igualdade. A igualdade em todas as suas dimensões constitui assim, o pressuposto para a concretização plena do Estado Democrático de Direito.

A lei 12.711/2.012 que instituiu o sistema de cotas nas universidades públicas dispõe em seu artigo 1º e Parágrafo Único que:

As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita251.

Importa ressaltar, por oportuno, que segundos os dados da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República Brasileira, durante os anos de 2.013 e 2.014 foram ofertadas pelas 128 instituições federais de ensino em todo o país, mais de 130.000 (cento e trinta mil vagas) para estudantes negros estando aí incluídas as vagas no ensino técnico.

Segundo os mesmos dados, esses, consolidados do Ministério da Educação (MEC), a meta estabelecida pelo governo está sendo cumprida de forma antecipada. Pois, em 2.013 foram ofertadas 50.937 (cinquenta mil novecentos e trinta e sete) vagas para jovens negros nas instituições públicas federais de ensino, e em 2014 60.731 (sessenta mil setecentos e trinta e um) vagas, o que corresponde 33% e 40%

respectivamente do total de vagas. Cujo percentual supera a meta de 25% prevista no artigo 8º da referida lei a ser preenchida até 2.016.

No documento Ações afirmativas e o pricípio da igualdade (páginas 126-130)