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A Constitucionalidade das Ações Afirmativas

No documento Ações afirmativas e o pricípio da igualdade (páginas 131-136)

7 AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL

7.5 A Constitucionalidade das Ações Afirmativas

As ações afirmativas embora sejam instituídas com o fim da concretização do princípio da igualdade na sua dimensão material; exigem o controle de constitucionalidade que deverá ser feito também pelo próprio Poder Legislativo, instituidor de normas para sua concretização. Pois, embora a competência do Poder Legislativo seja limitada pela própria Constituição Federal, cabe a esse, fazer controle prévio de constitucionalidade.

Ressalta-se que, para além do controle interno realizado pelo próprio Poder Legislativo, as normas dele emanadas, sofrem também o controle externo de constitucionalidade exercido pelo Poder Judiciário; que as examina tanto formal, (competência e procedimento constitucionalmente estabelecidos) como materialmente, examinando o conteúdo da norma editada.

Desse modo, observa-se que as normas legislativas instituidoras de ações afirmativas não estão imunes ao controle de constitucionalidade, principalmente no que se refere ao controle de proporcionalidade e razoabilidade.

Ressalte-se, entretanto, que esse controle de constitucionalidade após a publicação da norma jurídica instituidora da ação afirmativa, deverá ser feito pelo Poder Judiciário, tanto por meio do controle abstrato, realizado pelo Órgão de Cúpula desse Poder, que no caso de violação da Constituição Federal, será realizado pelo Supremo Tribunal Federal, na hipótese do Direito Constitucional Brasileiro, e de forma concentrada ou difusa por qualquer Órgão ou juízo integrante do referido Poder.

Nesse contexto importa mencionar que o debate acerca das ações afirmativas passa necessariamente pelo aspecto de sua constitucionalidade. Porque,

como essas medidas visam proporcionar uma igualdade fática ou efetiva entre grupos socialmente vulneráveis e grupos não vulneráveis. Inexoravelmente a de se examinar se não existe alguma discriminação negativa.

Desse modo, considerando o fato de que a igualdade a ser proporcionada ou efetivamente realizada através de uma desigualação ou discriminação positiva em favor de quem já se encontra humana e socialmente discriminado, em razão da raça, cor ou outros fatores pessoais; o que está em causa nessa discriminação positiva, é saber se essa realidade não viola a própria Constituição ou alguns dos seus princípios estruturantes, como por exemplo: o principio da igualdade na sua dimensão material e o próprio principio da dignidade da pessoa humana.

De fato, só seria possível discriminar positivamente sem violar o princípio da dignidade humana ou mesmo o princípio da igualdade, se o benefício a ser auferido mostrar-se proporcional à afetação do direito de quem não estava em situação de vulnerabilidade social. Designadamente, porque o núcleo central das ações afirmativas é sem dúvida alguma, a igualdade, ou seja, o princípio da isonomia e o princípio da dignidade da pessoa humana.

Para responder esses questionamentos acerca da constitucionalidade das ações afirmativas, necessário se faz recorrer a própria Constituição da República Federativa do Brasil.

Examinando-se a Carta Constitucional de 1.988, conclui-se que o Legislador Constituinte fez uma opção clara pela igualdade fática ou igualdade material, afastando-se assim, o seu apelo à igualdade formal, pilar estruturante do Estado Liberal de Direito.

A Constituição Brasileira já no seu preâmbulo sinaliza para a instituição do Estado Democrático de Direito, que visa, “[...] assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça com valor supremo de uma sociedade fraternal [...]”253.

Diante dessa perspectiva, vislumbra-se que a própria Constituição indica como objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, por ela instituído, entre outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidaria (artigo 3º inciso I), que prima pelo respeito e aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, nos termos do que dispõe o § 1º do seu artigo 5º.

Outro objetivo do Estado Brasileiro está dimensionado no inciso IV do artigo 3º que dispõe: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”254.

Ressalta-se, que outros dispositivos da Carta Constitucional garantem a constitucionalidade das ações afirmativas ao afastar a possibilidade da prática de certas condutas; como por exemplo: o inciso XLII do artigo 5º, que incrimina o racismo como o delito inafiançável: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”255.

Pela leitura dos dispositivos acima mencionados, conclui-se que a Carta Magna não se limitou a vedar as práticas discriminatórias. Mas, sobretudo, assume uma postura positiva ou ativa no sentido de proteger os direitos dos grupos minoritários contra possíveis violações dessas garantias, assegurando assim, as medidas capazes de concretizar efetivamente a igualdade material desses grupos vulneráveis.

Segundo Piovesan, a igualdade e a não discriminação, pela ótica do Direito Internacional, passa a constituir princípios desse próprio ramo do direito e dos direitos humanos. Diz ela:

A igualdade e a não discriminação passam a ser concebidas como um principio de fundante do direito internacional e dos direitos humanos, como condição e requisito para o pleno exercícios dos direitos humanos. Para a jurisprudência internacional, assume a categoria de jus cogem, direito cogente e inderrogável. A igualdade e a não discriminação constituem um principio fundamental que ilumina e ampara todo o sistema de proteção dos direitos humanos256.

A mesma autora afirma que a ONU através de seus comitês temáticos para a consolidação da igualdade material, igualdade de fato, tem recomendado a adoção de ações afirmativas “[...] como medida legítima e necessária quando a discriminação perpetua-se”257.

No âmbito das ações afirmativas, o que está em causa, na verdade, é a necessidade de se afastar a violação ao princípio da igualdade na sua dimensão material, através de discriminações decorrentes de circunstâncias pessoais. Sendo que a adoção de medidas de igualação, ainda que constituam a discriminação

254 BRASIL, 1988. 255 Ibid.

256 PIOVESAN, 2015, p. 320-321. 257 Ibid., p. 321.

inversa ou positiva; não poderá promover a violação de preceitos constitucionais, na medida em que buscam desigadamente a proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Vale ressaltar, com esse raciocínio, mais uma vez a lição de Flavia Piovesan. Segundo ela: “[...] do direito a igualdade e de proibição da discriminação atentatória aos direitos, emergem os clássicos deveres dos estados de respeitar, proteger e implementar direitos humanos”258.

A implementação das ações afirmativas, como já foi dito em capítulo anterior deste trabalho, deve ser concretizada, obviamente com observação ao princípio da proibição do excesso e de seus subprincípios, idoneidade, proporcionalidade e objetividade; sob pena de contrariar normas constitucionais.

Desse modo, a constitucionalidade das ações afirmativas deve ser analisada no âmbito desses princípios, idoneidade e aptidão ou adequação, necessidade e proporcionalidade no seu sentido estrito.

As medidas afirmativas são idôneas ou adequadas quando “[...] aptas a realizar o fim visado com a restrição ou contribuam para alcançar [...]”259 os objetivos

almejados, que na hipótese, constitui-se o afastamento da discriminação racial ou de qualquer natureza.

Já do ponto de vista do principio da indispensabilidade; tem-se, que a ação afirmativa a ser implementada deve constituir-se uma medida idônea, mas que venha a produzir efeitos menos restritivos para àqueles que não são seus beneficiários. Sobre o subprincípio da indispensabilidade ou da necessidade, vale trazer a lume a lição do professor Jorge Reis Novais, quando destaca que “[...] de todos os meios idôneos disponíveis e igualmente aptos a prosseguir o fim visado com a restrição se deve escolher um meio que produz efeitos menos restritivos”260.

Por essa perspectiva, estando a medida afirmativa em conformidade com esses subprincípios do princípio da proibição do excesso, há de se examinar se a medida preenche também o principio da proporcionalidade em seu sentido estrito.

Sob a lógica da proporcionalidade, segundo a lição do Professor Jorge Reis Novais; para que a ação afirmativa em causa seja constitucional, necessário se faz que o direito fundamental sacrificado pela medida restritiva seja de magnitude

258 PIOVESAN, 2015, p. 321-322. 259 NOVAIS, 2011, p. 162-163. 260 Ibid., 2011, p. 163.

inferior ou mesmo igual ao direito fundamental que se queira com ela prosseguir. Assim, só será inconstitucional por essa perspectiva, se não houver uma “relação de adequação entre os bens e interesses em colisão, ou mais especificamente, o sacrifício imposto pela restrição e o beneficio por ela prosseguir”261.

Sobre o principio da proporcionalidade é sempre importante trazer a lição do professor Novais. Segundo ele a proporcionalidade em sentido estrito:

Trata-se essencialmente, de indagar acerca da adequação (proporção) entre dois termos ou entre duas grandezas variáveis e comparáveis. Com a generalização da aplicação do principio enquanto limitação geral da atuação dos poderes públicos, essas duas grandezas podem ser as mais diferentes, mas, quando da sua aplicação mais comum enquanto instrumento de controlo das medidas restritivas da liberdade, os dois termos daquela relação são de um lado, a importância ou premência do fim que se pretende alcançar com a medida restritiva e do outro, a gravidade do sacrifício que se impõe com a restrição262.

Na verdade o controle de proporcionalidade se faz através da ponderação de bens, examinando se o bem ou direito fundamental a ser afetado com a implementação da medida restritiva, é nessa hipótese, mais relevante do que o direito fundamental que se pretende assegurar com a implementação dessa restrição, ação afirmativa em causa.

Já no que pertine ao exame de razoabilidade das ações afirmativas; tem-se, que o caráter impositivo delas só é razoável, quando sua implementação não impõe um sacrifício relevante a direitos fundamentais. Como as ações afirmativas destinam-se a afastar restrições impostas por discriminações negativas de determinados grupos vulneráveis; só serão inconstitucionais se a aplicação dessas medidas apresentar-se excessivamente injusta para àqueles grupos não vulneráveis a quem elas impõem alguma restrição.

Por outro lado, quanto à determinabilidade das ações afirmativas; importa ressaltar, que essas medidas implementadoras da igualdade material, por si só já dispõem de objeto definido.

Nesse contexto; tem-se, que as ações afirmativas só violariam normas constitucionais se não dispusessem de objetivos definidos. Pois como afirma Jorge Reis Novais:

261 NOVAIS, 2011, p. 163. 262 Ibid., p. 178.

[...] com efeito, uma restrição de enunciado vago ou não previamente determinado abre a possibilidade de intervenções restritivas que vão eventualmente para além do que é estritamente exigido pela salva guarda pelos bens dignos de proteção que justificava a restrição263.

Outro requisito, que a mim parece relevante para se proceder a análise da constitucionalidade das ações afirmativas é a temporariedade ou transitoriedade da medida discriminatória. Pois a perenidade dessas medidas de desigualação, tende a violar o próprio princípio isonômico com o qual se busca atender a implementação das ações afirmativas.

Ressalta-se, que mesmo as ações afirmativas não dispondo de idoneidade e aptidão para eliminar as discriminações em sua totalidade, uma vez que essa eliminação deverá ser buscada pelo poder público através das diversas espécies de políticas públicas e incentivos à iniciativa do setor privado, incluindo ai as ações afirmativas de inclusão social; o certo é, que a perenidade dessas medidas acaba por acarretar restrições a direitos fundamentais de outros grupos que delas não necessitam, a ponto dessas restrições passarem a ser classificadas como desproporcionais e, com isso tornar inconstitucional a própria medida afirmativa.

Vale lembrar ainda, por oportuno, que um dos requisitos das ações afirmativas de inclusão social é temporariedade, ou seja, essas medidas de desigualação devem existir até que os grupos vulneráveis alcancem ainda que de forma parcial a igualdade fática com relação aos demais grupos da sociedade.

Contudo, insta observar que análise das ações afirmativas, do ponto de vista abstrato, se faz apenas em tese, uma vez que, salvo melhor juízo, se torna impossível examinar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dessas medidas afirmativas sem a sua incidência no caso concreto.

7.6 As Ações Afirmativas, o Estado Democrático de Direito e a Constituição da

No documento Ações afirmativas e o pricípio da igualdade (páginas 131-136)