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Origem das ações afirmativas

5 AÇÕES AFIRMATIVAS SEGUNDO RALWS E ARISTÓTELES

5.2 Origem das ações afirmativas

Diversamente do que se costuma pensar, o surgimento das ações afirmativas não se deu no Direito Norte Americano, mas no Direito Indiano; pois a Índia, há séculos é um país marcado por uma profunda diversidade cultural e étnico- racial, bem como por uma acentuada desigualdade entre as pessoas, decorrente de uma rígida estratificação social.

Segundo Carlos Moore Wedderburn, a ação afirmativa teve origem na “Índia imediatamente após a segunda guerra mundial, ou seja, bem antes da própria independência do país”141. Segundo ele “[...] em 1.919 Bhimrao Ramji Ambedkar

(1.859-1.956), jurista, economista e historiador propôs pela primeira vez na historia e em pleno período colonial britânico a “representação” dos segmentos populacionais designados e considerados inferiores”142.

Para o autor mencionado, historicamente o sistema de cotas que impera na Índia, é articulado em torno de quatro castas formais: sendo que as três primeiras castas são superiores e a quarta é inferior, pois segundo o hinduísmo foi criada por Deus para servir as demais.

Entretanto, ao longo do tempo foram formando milhares de castas à margem do sistema formal, todas subalternas e por serem formadas fora do sistema formal, todas deviam obediência às demais castas, inclusive a casta “Shudra”, que também era castra inferior. Fora do sistema de castras havia ainda na India as populações tribais, que eram conhecidas como “tribos estigmatizadas”; cuja população vivia no último estágio de inferioridade.

141 WEDDERBURN, 2007, p. 308. 142 Ibid., p. 308.

Segundo Carlos Moore Wedderburn, “[...] as populações classificadas como “inferiores” intocáveis ou “estigmatizadas” pertenciam ao povo Dravídico, população autóctone de pele preta”143.

Diante desse quadro de desigualdade ou de exclusão social ou ainda, de alta vulnerabilidade de parte da população indiana, principalmente a população tribal, o jurista, economista e historiador Bhimrao Ramji Ambedkar “[...] apresentou ao colonial britânico a “demanda” pela representação eleitoral diferenciada em favor das classes oprimidas”144; cujo documento é considerado fundador do sistema de

ações afirmativas. Pois, naquela situação já se inseria no âmbito das políticas públicas de igualdade material.

Embora, “Mahatma Mohandas Gandhi (1.869-1.948) promotor da luta anti britânica pela independência da Índia, tenha lutado pela independência do país, posicionou-se contra a ação afirmativa proposta Ambdkar”145; sob argumento de que

a referida ação afirmativa dividiria o povo indiano e levaria à guerra civil entre as castas superiores e inferiores, redundado no massacre dessa última.

Entretanto, como partido do congresso necessitava do apoio de toda a população indiana para obter a independência da Índia, a posição de Ambedkar saiu vitoriosa no sentido de implantação das ações afirmativas como forma de inclusão social das castas inferiores, que na época era 60% da população da Índia.

Com a independência do país em 1,947, Ambedkar tornou-se responsável pela redação da nova constituição de 1.950:

[...] incluindo nos artigos 16 e 17 da nova Carta a proibição de descriminação com base na raça, casta e descendência; Aboliam a intocabilidade e instituíram o sistema de ações afirmativas chamado de “Reservas” ou representação “seletiva”, nas assembleias legislativas; na administração pública e na rede de ensino146.

Ressalta-se ainda, que diante do quadro de desigualdade e vulnerabilidade social, “[...] o parlamento Indiano, sobre a liderança de Mahatma Gandhi aprovou em 1.935, o conhecido “Governmernt of Índia Act”, cuja espinha dorsal consistia no combate a exclusão social”147.

143 WEDDERBURN, 2007, p. 308-309 144 Ibid., p. 309. 145 Ibid., p. 309. 146 Ibid., p. 310. 147 BRASIL, 2009.

Desse modo, infere-se que o instituto das ações afirmativas teve como berço o país indiano ainda antes de sua independência em 1.947; inicialmente em 1.919, com a “Representação” de Bhimrao Ramji Bemdkar e em 1.935, com o “Governmernt of Índia Act”, de Mahatma Gandhi.

Do ponto de vista global, as ações afirmativas como instrumento de concretização do princípio da igualdade estão intimamente relacionadas com as normas de proibição das discriminações negativas. Pois, como é sabido, sobre o prima do sistema global de proteção dos direitos fundamentais, constata-se que o direito à igualdade e à proibição das discriminações foi enfaticamente consagrado pela Declaração Universal de 1.948 e pelo pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais.

O artigo 1º da Declaração Universal de 1.948 anuncia que: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e diretos. São dotadas de razão e com consciência, devem agir uns para com os outras em espírito de fraternidade”148.

Já o artigo 2º da mesma declaração afirma o seguinte:

Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamadas na presente declaração, Sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra de origem nacional ou social de fortuna, de nascimento ou de outra qual situação149.

A Declaração Universal dos direitos de 1.948 estabelece em seu artigo 7º a concepção da igualdade formal ao prescrever que:

Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação150.

Verifica-se que os dois primeiros artigos da Declaração Universal consagram o direito de igualdade sem discriminação, estabelecendo o binômio da igualdade sem discriminação sobre a aspiração da concepção formal da igualdade, que sem dúvida alguma implicará na feição do sistema normativo global dos direitos humanos.

148 ONU, 1948. 149 Ibid. 150 Ibid.

Contudo, sob esse prisma do sistema global de proteção dos direitos humanos a Declaração Universal e os Pactos que a sucederam, na verdade constituem instrumentos de concretização do princípio da igualdade na sua concepção formal e, é nesse aspecto da igualdade e da não discriminação que assegura uma proteção geral e abstrata dos direitos humanos.

Já a proteção concreta ou a implementação da igualdade material decorre do surgimento de ações afirmativas com vistas a acelerar o processo de construção da igualdade em favor de grupos socialmente vulneráveis.

Nesse particular, Pioversan destaca que, “[...] a igualdade e a não discriminação passam a ser concebidas como princípio fundante ao direito internacional dos Direitos Humanos, como condição e requisito para o pleno exercício desses direitos”151.

Ainda sob o aspecto do direito de igualdade e da proibição de descriminação preconizados pela Declaração Universal de 1.948; surge o clássico dever dos Estados respeitarem, protegerem e implementarem os direitos humanos. Sob o primeiro dever, respeitar, exige dos Estados apenas que não violem o direito à igualdade. Já o direito de proteger e implementar, exige dos estados a adoção de medias necessárias para plena realização do direito a igualdade.

Esse dever de implementação das medidas necessárias a realização dessa igualdade real ou fática, faz surgir as ações afirmativas, que passam assim, a constituírem não apenas medidas legítimas, mas sobretudo, necessárias a concretização do princípio da igualdade na sua dimensão substancial.

As ações afirmativas são consideradas pelos comitês da Organização das Nações Unidas, “[...] como medidas necessárias e legítimas para aliviar, remediar e transformar o legado de um passado discriminatório”152.

As ações afirmativas como instrumento de concretização da igualdade material; como ensina Flavia Piovesan:

Devem ser consideradas não apenas pelo prisma retrospectivo – no sentido de aliviar a carga de um passado discriminatório - mas também prospectivo – no sentido de fomentar a transformação social criando uma nova realidade sob a aspiração da igualdade material e substantiva153.

151 PIOVESAN, 2015, p. 320. 152 Ibid., p. 322.

O surgimento das ações afirmativas se deu pela necessidade de implementação da igualdade material como um dos deveres do Estado. Mesmo porque, em última análise, no Estado Democrático de Direito, a democracia significa justamente a igualdade no exercício dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais isto é o exercício dos direitos em igualdade de condições. De modo que:

[...] as ações afirmativas caracterizam-se como a expressão democrática mais atualizada da igualdade jurídica promovida pela sociedade, segundo um comportamento positivo normativo ou administrativamente imposto ou permitido154.

Cumpre mencionar que, diante dessa perspectiva de respeito às diversidades sociais, as ações afirmativas desempenham um papel importantíssimo, no sentido de implementar uma maior representatividade dos grupos minoritários ou socialmente mais vulneráveis na sociedade, nos mais diversos domínios das atividades públicas e privadas e, com isso proporcionar a possibilidade de criação de mobilidades ascendente nos extratos propícios aos maiores entraves sociais, mitigando os obstáculos intransponíveis à realização do sonho e projetos de vida dos integrantes desses grupos minoritários; que por suas naturezas são socialmente discriminados.

Nesse contexto infere-se, conforme ensina Luciana Dayoub Ranieri de Almeida:

[...] que as ações afirmativas constituem um mecanismo sócio jurídico destinado a viabilizar, sob tudo, harmonia e a paz social as quais sofrem serias perturbações quando um grupo social expressivo se vê a margem do processo produtivo e dos benefícios do progresso155.

No Direito Norte Americano, o surgimento das ações afirmativas se deu na década de 1.960, precisamente em 04 de Julho de 1.965, quando o presidente Lyndon Johnson participou do movimento denominado pela Suprema Corte Americana como AFIRMATIVE ACTION, que tinha como objetivo fazer com que as organizações públicas e privadas se comprometessem com uma nova prática do princípio da igualdade.

154 ALMEIDA, 2011, p. 64-65. 155 Ibid., p. 65.

Naquele mesmo ano, 1.965, uma ordem executiva Federal Norte Americana determinou que as empresas empreiteiras contratadas pelas entidades públicas ficavam obrigadas aumentar a admissão dos grupos ditos minoritários, social e juridicamente desigualados.

Foi nesse contexto, que as ações afirmativas ganharam relevo no Direito Norte Americano e passaram a constituir um importante instrumento de favorecimento das minorias socialmente descriminadas por preconceitos culturalmente enraizados, cujas distinções negativas necessitavam ser superadas para que viessem conseguir a igualdade material assegurada pela Constituição.

Por outro lado, na América Latina, o primeiro País a inserir ações afirmativas no seu sistema jurídico, como forma de proporcionar igualdade entre grupos vulneráveis foi a Argentina, que aprovou em seu parlamento em 1.991 a denominada “Lei de Cupos”, que previa uma cota mínima obrigatória de 30% para candidaturas femininas em todos os partidos. Leis semelhantes foram aprovadas pelos demais países da América Latina; como por exemplo: “Paraguai 20%; Peru e Republica Dominicana 25%; Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Panamá, Venezuela e México 30% e por último a Costa Rica que editou lei estabelecendo 40% para candidaturas femininas”156.

Observa-se, que a política consistente em ações afirmativas na América Latina iniciou-se pela tentativa de promover a participação das mulheres nas representações políticas, quer seja, no parlamento, quer seja no executivo.