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Natureza jurídica das ações afirmativas

5 AÇÕES AFIRMATIVAS SEGUNDO RALWS E ARISTÓTELES

5.3 Natureza jurídica das ações afirmativas

A natureza jurídica das ações afirmativas é de certa forma controvertida. Pois, há quem afirme que dispõem de natureza distributiva, como por Exemplo: Ronald Dworkin, que sustenta que as ações afirmativas têm natureza distributiva, por que surgem da necessidade de equalizar a distribuição ou o acesso de determinado bem jurídico entre todos os componentes da sociedade.

Para outros como Joaquim Barbosa Gomes, a natureza jurídica das ações afirmativas é eminentemente compensatória, conforme destaca:

[...] sua finalidade principal, mais que prevenir, proibir e punir atos discriminatórios, é gerar condições para que as consequências sociais concretas das discriminações passadas ou presentes sejam progressivamente amenizadas até o alcance do objetivo maior de promoção da efetiva igualdade157.

Com fundamento na lição de Joaquim Barbosa Gomes, Jose Carlos Machado de Brito Filho, sustenta que as ações afirmativas no âmbito do direito brasileiro têm natureza compensatória. Sendo assim ele afirma:

Como se vê a ação afirmativa tem como objetivo não apenas coibir a discriminação do presente, mas sobre tudo eliminar os efeitos persistentes (psicológicos, culturais e comportamentais) da discriminação do passado, que tendem a se perpetuar. E esses efeitos se revelam na chamada <<discriminação estrutural>>, nas abismais desigualdades sociais entre grupos discriminantes e grupos marginalizados158.

Pela perspectiva dessa doutrina, as ações afirmativas têm natureza eminentemente compensatória, na medida em que visam alcançar uma igualdade de certos grupos minoritários, que fôra negada aos seus antepassados.

As ações afirmativas devem ser vistas como medidas temporárias de igualação dos cidadãos e devem sujeitarem-se a exames periódicos, para a certificação de que seus resultados são realmente útil para os fins a que foram propostas ou, que justificaram as suas implementações.

Vale lembrar, contudo, que em que pese o entendimento de parte da doutrina seja no sentido de que as ações afirmativas têm natureza jurídica compensatória, observa-se que ao contrário do que determina, ou recomenda a Conferência Mundial de Durban de 2.001 em seus artigos 107 e 108; E, essas medidas afirmativas não dispõem dessa natureza compensatória, por forças do próprio modelo criado pela Constituição de 1.988. Com efeito, dispõe o artigo 3º da Constituição da República Federativa do Brasil:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação159 (grifo nosso).

157 BRITO FILHO, 2014. 158 Ibid.

Pelo teor do artigo 3º da Constituição Federal de 1.988, infere-se que as ações afirmativas que visam a integração de grupos vulneráveis e, particularmente, os negros, constituem-se medidas de implementação do próprio objetivo do Estado Democrático de Direito instituído pela referida Constituição. Conclusão que se extrai também do artigo 1º da referida Carta, principalmente do seu inciso III. Diz o artigo 1º e incisos acima mencionados:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV – valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição160.

Em que pese as recomendações previstas nos artigos 107 e 108 da Conferência de Durban, contra Todas as Formas de Discriminação Racial e embora, a adoção pelos Estados signatários da referida Conferência, de medidas especiais, ações afirmativas e “[...] compensatórias voltadas a aliviar a carga de um passado discriminatório daqueles que foram vítimas da discriminação racial, da xenofobia e de outras formas de violências correlatas”161.

Ao nosso sentir, as ações afirmativas no âmbito do Direito Brasileiro não têm a natureza indenizatória e nem compensatória. Tratando-se de medidas vinculadas à própria Constituição Federal visam a concretização dos fins do Estado Democrático de Direito, instituído pela própria Carta Constitucional de 1.988, vez que apresentam-se mais com um viés de distribuição de bens e oportunidades. Ou seja, se inserem mais no âmbito da natureza distributiva.

Os artigos 107 e 108 da Conferência Mundial de Durban de 2.001 estabelece o seguinte:

107. Destacamos a necessidade de se desenhar, promover e implementar em níveis nacional, regional e internacional, estratégias, programas, políticas e legislação adequados, os quais possam incluir medidas positivas e especiais para um maior desenvolvimento social igualitário e para a realização de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais de todas as vítimas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, inclusive através do acesso mais efetivo às instituições políticas, jurídicas e administrativas, bem como a necessidade de se promover o acesso efetivo à justiça para garantir que os benefícios do desenvolvimento,

160 BRASIL, 1988.

da ciência e da tecnologia contribuam efetivamente para a melhoria da qualidade de vida para todos, sem discriminação;

Artigo 108. Reconhecemos a necessidade de ser adotarem medidas especiais ou medidas positivas em favor das vítimas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata com o intuito de promover sua plena integração na sociedade. As medidas para uma ação efetiva, inclusive as medidas sociais, devem visar corrigir as condições que impedem o gozo dos direitos e a introdução de medidas especiais para incentivar a participação igualitária de todos os grupos raciais, culturais, linguísticos e religiosos em todos os setores da sociedade, colocando a todos em igualdade de condições. Dentre estas medidas devem figurar outras medidas para o alcance de representação adequada Declaração de Durban nas instituições educacionais, de moradia, nos partidos políticos, nos parlamentos, no emprego, especialmente nos serviços judiciários, na polícia, exército e outros serviços civis, os quais em alguns casos devem exigir reformas eleitorais, reforma agrária e campanhas para igualdade de participação162.

Em auxilio a esse fundamento, há o fato de o Estado Democrático de Direito está fundamentado na dignidade da pessoa humana, que na verdade, constitui um dos princípios estruturantes do Estado Brasileiro. Ora, se o Estado Democrático de Direito tem entre seus princípios estruturantes o principio da igualdade em todas as suas dimensões e o princípio da dignidade da pessoa humana, que constitui também direito fundamental de todos os cidadãos que vivem sob as normas da Constituição Federal; as ações afirmativas implementadoras não podem ser inseridas na categoria de medidas indenizatórias e ou compensatórias.

Nessa mesma esteira de raciocínio é a lição de Eder Bomfim Rodrigues. Diz ele:

[...] as ações afirmativas no Brasil, devem ser vistas não mais como instrumento de reparação/compensação ou de distribuição de bens ou vantagens aos cidadãos, mas sim como um elemento propiciador da igualdade fundamental e da inclusão democrática e participativa de todos, pois, no Estado Democrático há institucionalização de processos e pressupostos comunicacionais necessários para uma formação discursiva da opinião e da vontade, a qual possibilita, o seu turno, o exercício da autonomia e da criação legitima do direito163.

Para o autor, o que está em causa, portanto, no Estado Democrático de Direito, nos mais diversos setores da sociedade e do Estado é a necessidade de promoção do acesso dos cidadãos com efetiva participação democrática e a emancipação da pessoa humana. Para ele, as ações afirmativas podem ser conceituadas da seguinte forma:

162 UNESCO, 2001.

[...] espécie de ação positiva, que tenha em vista a promoção de minorias socialmente discriminadas e efetivação do principio de igualdade no Estado Democrático de Direito. Visto que não se pode falar em igualdade sem a necessária participação e inclusão de todos nos processos democráticos, pois cada cidadão é interprete da Constituição e coautor das leis através de formações discursivas e democráticas164.

Esse conceito reforça a tese de que as ações afirmativas no âmbito do Direito Brasileiro; constituem um instrumento de efetivação do principio da igualdade, pilar estruturante do Estado Democrático de Direito, sem o viés indenizatório/compensatório e até mesmo distributivo, como pensa muitos teóricos dessas medidas de equalização social.