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Direitos sociais como direitos humanos fundamentais

4 DIREITOS HUMANOS E AÇÕES AFIRMATIVAS

4.3 Direitos sociais como direitos humanos fundamentais

A essa altura, já não existem mais dúvidas acerca da jusfundamentalidade dos direitos humanos. Por ser esse direito um direito universal; cuja titularidade pertence a todos os seres humanos, surge daí a justificativa de que esses direitos sejam caracterizados como direitos fundamentais.

Por outro lado, embora, nem todas as pessoas possam exercer todos os direitos fundamentais, isso não quer dizer que não sejam titulares do mesmo. “[...] não significa que todas as pessoas, em quaisquer circunstâncias e quaisquer que sejam as suas qualidades possuam todos os direitos fundamentais”117; torna-se

óbvio que os direitos humanos são também direitos fundamentais.

Já os direitos sociais estão, na verdade, inseridos entre os direitos à prestação. Sendo assim, devem ser classificados como direitos de segunda geração em que o estado se incumbe de ofertar uma prestação social aos titulares desses direitos, no sentido de proporcionar suas dignidades como seres humanos.

No âmbito das ações afirmativas como concretização do princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana, com a finalidade de inclusão social, quer seja, em decorrência de discriminações étnico-racial, quer seja em razão de discriminação por gênero ou outra discriminação; o que está em causa, a princípio, é a concretização de direitos sociais visando a inclusão dos grupos ou integrantes de grupos vulneráveis em um patamar de dignidade que possa em condição de igualdade com outros grupos ascender na pirâmide social.

116 PIOVESAN, 2007, p. 36. 117 NOVAIS, 2010, p. 48.

Como as ações afirmativas, têm como fundamento os próprios direitos humanos e, principalmente os direitos sociais, se torna necessário um breve comentários acerca de sua qualidade como direitos fundamentais de todas as pessoas e, não apenas das deles carecem na medida das suas necessidades.

Nesse contexto é esclarecedora a lição do professor Jorge Reis Novais. Senão vejamos:

[...] Nessa medida, nada de diferente ocorre com os direitos sociais. São direitos de todos, mas os respectivos deveres de prestação estatal só surgem relativamente a alguém que se encontra abrangido pela respectiva previsão normativa. Se todos tem direito à prestação de um mínimo existencial quando se encontre em situação de penúria extrema, um tal direito é universal, mas, obviamente só vai aplicado a quem preencher os requisitos previstos118.

Ainda sobre os direitos sociais, embora haja quem afirme que sua titularidade não abrange a todos os cidadãos, como, por exemplo, Vieira de Andrade em Portugal, citado pelo professor Jorge Rei Novais. O certo é que, do ponto de vista do Direito Constitucional não há nenhuma reserva quanto a titularidade desses direitos.

Para além dessa circunstância, como os direitos sociais estão inseridos no catálogo dos direitos fundamentais com a característica de universalidade; cuja essência possibilita juridicamente a fruição desses direitos por qualquer pessoa não há como afastar a condição desses direitos serem exercidos por todos os cidadãos na medida de suas necessidades.

Por outro lado, como esses direitos decorrem dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, aliadas do princípio da universabilidade; impõe reconhecer terem como titulares todos os cidadãos.

O que deve ser diferenciado, na verdade, é a prestação desses direitos pelo Estado. Obviamente que só será prestado a quem deles necessitem. Mas, nem por isso deixam de ser um direito de todos. Nesse sentido é a lição do professor Jorge Reis Novaes:

Diferentemente, entendemos que os direitos sociais, são direitos de todas as pessoas, ainda que os deveres do Estado, designadamente os deveres de proteção e de promoção ao acesso individual aos respectivos bens

possam e devem ser diferenciados em função da situação e das necessidades das pessoas119.

Assim, resta evidente que os direitos sociais do ponto de vista geral estão ao alcance de todos os cidadãos. Só podendo ser entendido como direitos de alguns se estiver diante de direitos específicos, ou seja, prestação especifica a ser feita pelo Estado. Cujo entendimento é reforçado pelo próprio artigo 12º da Constituição da República Portuguesa.

Desse modo, os direitos sociais constituem garantias fundamentais a todos. Sendo óbvio que o seu exercício exige os requisitos legais para tanto; como por exemplo, a necessidade. Como por exemplo, na hipótese do denominado mínimo necessário para existência com dignidade. Nesse sentido, só está a prover essa necessidade, caso ela exista.

Ainda sobre direitos sociais, sob a perspectiva do seu caráter fundamental, como diz Gilmar Mendes, esses direitos não contém apenas uma posição de uma intervenção do Estado, expressam também um postulado de proteção. Para o autor, no âmbito desses direitos haveria assim, não apenas uma proibição de excesso, mas também uma proibição de proteção insuficiente.

Ao contrário do que ocorre com o direito fundamental de liberdade, os direitos sociais, demandam do Estado prestações positivas, que exigem recursos financeiros. Devendo, portanto, ser levada em consideração que a implementação desses direitos pelo Estado varia de acordo com as necessidades especificas.

No dizer do professor Jorge Reis Novais, falando de direitos fundamentais: “O ser universal significa, relativamente aos direitos fundamentais a possibilidade jurídica de qualquer cidadão exercer qualquer direito fundamental desde que se encontre na situação prescrita na respectiva previsão normativa”120.

Por outro lado, como os direitos sociais se inserem no âmbito dos direitos constitucionais de segunda geração, ou direitos que demandam do Estado uma prestação positiva, designadamente com custos financeiros; nas palavras de Gilmar Mendes esses direitos exigem a disponibilidade de recursos financeiros. Diz ele:

Em razão de suporte financeiro insuficiente para satisfação de todas as necessidades sociais, enfatiza-se que a formulação de políticas sociais e econômicas voltadas à implementação de direitos sociais implicaria

119 NOVAIS, 2010, p. 48. 120 Ibid., p. 48

invariavelmente, escolhas alocativas. Tais escolhas seguiriam critérios de justiça distributiva (o quanto disponibilizar e a quem atender)121.

Vale ressaltar, que diante dessa discussão; se os direitos sociais são ou não direitos de todos, ou apenas designadamente dos que necessitam de prestações positivas do Estado; na visão moderna dos direitos fundamentais:

[...] discute-se até mesmo a possibilidade do estado se obrigar a criar pressupostos fáticos ao exercício efetivo dos direitos constitucionalmente assegurados e sobre a possibilidade do eventual titular do direito dispor de pretensão de prestação por parte do Estado122.

Nesse contexto, tem-se que, como os direitos sociais são direitos decorrentes do principio da igualdade e da dignidade da pessoa humana, com a característica da universalidade; e, considerando que nem todos os Estados dispõem de recursos financeiros suficientes para a implementação da igualdade material através dos direitos sociais; nada mais justo do que essa visão de solidariedade dos que dispõem de recursos financeiros que lhes assegurem uma vida condigna de solidarizar-se com os que têm necessidades prementes.

Os direitos sociais à prestações positivas do Estado visam a implementar a igualdade fática dos cidadãos também na tentativa de impulsionar a cidadania.

É certo, que os direitos fundamentais estão intimamente ligados a cidadania. E, por se falar nesse instituto é importante ressaltar a lição do professor da Universidade de Coimbra, José Casalta Nabais, a cerca da cidadania. Diz ele:

Cidadania pode ser definida como a qualidade dos indivíduos que, enquanto membros ativos e passivos de um Estado-Nação, são titulares ou destinatários de um determinado numero e deveres universais e, por conseguinte detentores de um especifico nível de igualdade123.

Para o mesmo autor, a cidadania compõe de três elementos, que são:

1) a titularidade de um determinado numero de direitos e deveres numa sociedade específica; 2) a pertença a uma determinada comunidade política (normalmente o Estado), em geral vinculada a ideia de nacionalidade e 3) a possibilidade de contribuir para a vida pública desta comunidade através da participação124. 121 MENDES, 2012, p. 465. 122 Ibid., p. 473. 123 NABAIS, 2007, p. 143. 124 Ibid., p. 143.

Segundo o professor da Universidade de Coimbra, a cidadania comporta desdobramentos tanto vertical como horizontal e subdivide ainda em níveis. Para o nosso trabalho importa essa subdivisão em níveis ou graus e, designadamente a subdivisão em dimensões que são: cidadania pessoal, cidadania política e cidadania social.

Entende-se por cidadania pessoal aquela diz respeito aos diversos direitos de liberdades pessoais. Já a cidadania política encontra-se consubstanciada nos direitos de participação política nos destinos do Estado. Enquanto que, a cidadania social concretiza-se nos direitos econômicos, sociais e culturais.

Conclui-se, portanto, que os direitos sociais, estão incluídos entre os direitos fundamentais. E, são decorrentes dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

Infere-se também que, como os direitos fundamentais dispõem da característica intrínseca da universalidade, os direitos sociais na sua moldura geral são estendidos a todas as pessoas. Exceto na hipótese do mínimo necessário a uma existência condigna, que nesse caso submete-se ao requisito da necessidade. Sendo certo, que os direitos sociais estão intimamente relacionados ao postulado da cidadania, notadamente, da cidadania social.

Já a concepção das ações afirmativas sob a perspectiva dos direitos humanos, na verdade surge com a Declaração Universal que inicia o desenvolvimento da versão internacional dos direitos humanos a partir de vários tratados internacionais voltados à proteção de direitos fundamentais.

Foi a partir da Declaração Universal de 1948 e da Convenção para a Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, que se constatou ser insuficiente a proteção do ser humano individualmente tratando-o de forma genérica ou de forma geral e abstrata.

A partir do momento em que se individualizou os sujeitos de direito; passou- se a observar os indivíduos em suas particularidades. Observando-se as violações de direitos que passaram a exigir uma resposta especifica. Assim, foi a partir dessa abordagem que as ações afirmativas foram intimamente inseridas também no âmbito dos direitos humanos contemporâneos, passando a serem vistas como fator de promoção de direitos.

As diferenças que outrora serviam para aniquilamento de direitos, hoje pelas perspectivas dos direitos humanos contemporâneos devem ser vistas como fatores de promoção de diretos, principalmente do direito a igualdade.

Importa ressaltar, que ao lado do direito de igualdade, razão de ser das ações afirmativas, surge também diferença no que pertine à igualdade. Surgindo assim, três vertentes no que tange a concepção de igualdade conforme já foi mencionada nesse trabalho, que são:

a) a igualdade formal, reduzida a forma “todos são iguais perante a lei (que ao seu tempo foi crucial para a abolição de privilégios); b) igualdade material correspondente ao ideal de justiça social distributiva (igualdade orientada pelo critério sócio econômico) e c) a igualdade material correspondente ao ideal de justiça enquanto o reconhecimento de identidades (igualdade orientada pelos critérios gênero, orientação sexual, idade, raça, etnia e demais critérios)125.

Sob essa perspectiva da igualdade material orientada pelo critério do ideal de justiça, se insere a necessidade da formulação de políticas públicas orientadas por ações afirmativas. Pois, como diz Nancy Fraser citada por Piovesan; “a justiça exige, simultaneamente, redistribuição e reconhecimento de identidades”126.

Sustenta a autora na mesma passagem:

O reconhecimento não pode se reduzir à distribuição, porque o status na sociedade decorre simplesmente em função da classe [...] reciprocamente, a distribuição não pode se reduzir ao conhecimento, porque o acesso aos recursos não decorre simplesmente da função de status127.

Nesse mesmo sentido, também citado por Piovesan, Boaventura Sousa Santos afirma que apenas a exigência do reconhecimento e da redistribuição permitem a realização da igualdade. Diz ele:

Temos o direito de ser iguais quando nossas diferenças nos inferiorizam; e temos o direito de ser diferentes quando nossas igualdades nos descaracterizam. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades128. 125 PIOVESAN, 2007, p. 38. 126 Ibid., p. 38. 127 Ibid., p. 38. 128 Ibid., p. 39.

Por outro lado, foi a partir dessas constatações que as Nações Unidas aprovaram em 1.965 a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Cuja convenção fora ratificada por 167 países, incluindo-se o Brasil já no ano seguinte.

A Convenção ressaltou a urgência de se adotar todos os mecanismos necessários para a eliminação da discriminação racial em todas as suas formas e, para combater as práticas racistas que viessem prejudicar grupos sociais minoritários ou vulneráveis em razão da sua raça. Além de combater a discriminação racial, a referida convenção definiu em seu artigo primeiro o seguinte:

[...] qualquer distinção, exclusão ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha o propósito ou efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade dos direitos humanos e liberdade fundamentais129.

A igualdade como um dos princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito, orienta para uma proteção plena contra a qualquer discriminação e, mesmo contra a apologia e ao acintamento às discriminações negativas.

Todas as espécies de discriminações, despertaram no mundo civilizado um olhar para a cidadania, fazendo com que a Organização das Nações Unidas, viesse a intervir nessa situação recomendando a eliminação de todas as formas de discriminação. Sendo que em 1.968 ratificou-se essa recomendação na Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação racial. Cuja Convenção foi assinada pelo Brasil e ratifica em 1.969 pelo Dec.65.810/69. Como diz Jorge Miranda e Marco Antonio Marques da Silva:

A discriminação entre pessoas por motivos de raça, cor ou origem étnica obstaculiza relações amistosas e pacificas entre nações; é capaz de perturbar a paz e a segurança entre os povos e a harmonia entre as pessoas, até mesmo as que convivem num mesmo espaço. Foi reconhecido o potencial bélico do preconceito, e podemos auferir que o signatários da convenção reconhecem que o mesmo faz presença em seus territórios130.

Para os citados autores, a discriminação em todas as suas espécies constituem barreiras para os grupos discriminados no sentido de ascender na vida. Se revestindo ainda de fator de repugnação para o mundo. Para além disso, a

129 BRASIL, 1969.

discriminação, principalmente a étnico racial, talvez seja a prática que mais influencia no alargamento das desigualdade sociais, que contribui para o reconhecimento da pobreza em Países como o Brasil e nos demais países da América Latina, que convivem com a discriminação desde suas colonizações.

A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, defende múltiplas formas de garantias da igualdade perante a lei, ou seja, igualdade formal, especialmente sem distinção de raça, cor, origem nacional ou ética, garantindo o gozo dos seguintes direitos:

[...] tratamento igual perante os órgãos jurisdicionais; segurança e proteção estatal contra a violência, seja essa cometida por agentes públicos ou indivíduos; grupos ou instituições; direitos políticos plenos; acesso as funções públicas (em igualdade de condições); direito de ir, vir e se fixar, de sair e retornar ao país; direito a uma nacionalidade (orientação afinada a condenação da condição de apátrida) consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos131.

Ressalta-se por oportuno, que embora a Convenção sob a Eliminação de Todas as Formas de Discriminações tenha assegurado de forma geral apenas a igualdade na lei ou igualdade na dimensão formal; é certo que, a referida Convenção tomou como parâmetro as democracias desenvolvidas, onde os seus cidadãos têm conhecimento de seus direitos básicos, e os compreendem exercendo-os de forma plena. De modo que alcançada a plenitude de direitos para uns há a possibilidade de que todos exerçam.

Ainda no âmbito das Nações Unidas, em 1.979 foi elaborada a Convenção Sobre Eliminação de Discriminação contra a mulher. Tendo sido elaboradas as estratégias com caráter de ações afirmativas. Uma de caráter punitivo e outra de caráter promocional, com o objetivo de promover avanços no que diz respeito à igualdade.

Contudo, observa-se que essas vertentes instituídas de formas isoladas não se mostraram suficientes no combate da discriminação social da mulher, tanto na sociedade, no lar, como no mercado de trabalho. É necessário que essas vertentes se materializem através de ações afirmativas conjugadas, ou seja, harmonizando as medidas repressivas à discriminação da mulher com medidas afirmativas promocionais.

É sabido que a igualdade e a discriminação são estratégias com sentido inverso. Pois, enquanto a igualdade prima pela inclusão de grupos vulneráveis nos espaços da sociedade; a discriminação prima pela exclusão desses grupos nos meios sociais. A discriminação se materializa pela exclusão, intolerância as particularidades de pessoas ou grupos às diversidades.

As ações afirmativas nesse âmbito, visam justamente promover a inclusão social. Pois, a simples proibição de discriminação por si só não é o bastante para a inclusão dos grupos minoritários, como diz Piovesan:

Nesse sentido, como poderoso instrumento de inclusão social, situam-se as ações Afirmativas. Estas ações constituem medidas especiais e temporárias que, buscam remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade substantiva por parte de grupos vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais, as mulheres, dentre outros grupos132.

Vale ressaltar, que as ações afirmativas desempenham um papel relevante diante desse contexto relativo aos direitos contemporâneos, dada a sua vocação reparatória ou pelo menos de mitigação dos traumas resultantes de um processo discriminatório a que foram submetidos alguns grupos sociais.

Para reforçar esse entendimento, o próprio artigo 1º, parágrafo 4º, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação de 1.979, prevê a possibilidade de discriminação positiva, que na verdade, nada mais é do que a própria ação afirmativa.

Com essa visão e certo que as ações afirmativas são respostas para a eliminação das discriminações, quer sejam, racial, étnica ou de gênero dos grupos mais vulneráveis. Por certo se faz necessária a compreensão do contexto maior em que estão inseridas. Até porque, o combate à discriminação poderá ocorrer basicamente de duas formas: através de normas que proíba a prática da discriminação e através da implementação de medias que promovam a inclusão social desses grupos minoritários ou vulneráveis.