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Ações afirmativas na área da educação

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CAPÍTULO 2 DIREITOS HUMANOS E AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL

2.4 Ações afirmativas na área da educação

Tanto nos Estados Unidos quanto na Índia, conforme Weisskopf (apud SILVÉRIO,

2006, p. 310), as ações afirmativas na área da educação evidenciam alguns custos e benefícios. Com relação aos custos, têm-se: a acentuação de conflitos étnico-raciais ou de casta, pelo aumento da consciência desses grupos; a obtenção de um desempenho acadêmico relativamente diferenciado de grande parte dos membros dos segmentos beneficiários; a manifestação de uma estigmatização que deixa implícito que a entrada desses estudantes no ensino superior tenha se dado não pelas suas qualificações, e sim pela seleção diferenciada. Mas Weisskopf (apud SILVÉRIO, 2006, p. 310) afirma que, apesar das críticas, não existe comprovação de que as políticas de ação afirmativa tenham sido contra produtivas. Ao contrário, podem ser consideradas políticas de sucesso.

Entre os benefícios, os mais evidentes são: os estudantes atendidos com cotas de acesso

à educação desenvolvem uma maior integração nas elites profissionais e mantêm uma preocupação em contribuir com a sociedade em geral, particularmente com seus grupos de origem, “[...] ao desenvolverem carreiras profissionais que ultrapassam os objetivos meramente

materialistas” (SILVÉRIO, 2006, p. 310). Além disso, ampliam o capital humano49 e o capital

social50 e ainda desenvolvem uma motivação nos jovens de suas comunidades, que passam a

vislumbrar uma possibilidade real de ingressar em uma universidade.



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Aquisição de educação individual e habilidades. 50

Bowen e Bok (2004) realizaram um importante estudo nos Estados Unidos no período compreendido entre 1976 e 1996, em 28 escolas seletivas que adotaram a “admissão sensível

à raça”51. Essa pesquisa foi desenvolvida com um interesse central de conhecer quais as

consequências dessas medidas para o País, ao serem adotadas pelas universidades e faculdades norte-americanas.

Após longos anos analisando os inúmeros dados colhidos pela pesquisa, os autores

fizeram importantes questionamentos:

Qual é nosso objetivo supremo? Quanto se conseguiu avançar? Até onde ainda temos que ir? Ao lado de muitos outros, ansiamos pelo dia em que os argumentos a favor das políticas de admissão sensíveis à raça não mais serão necessários. Em todos os lados desse debate, quase todos concordariam em que, num mundo ideal, a raça seria uma consideração irrelevante. Como nos disse um amigo negro, quase trinta anos atrás: ‘nosso objetivo supremo deve ser uma situação em que todos os indivíduos, provenientes de todos os meios, sintam-se descontraidamente incluídos’ (BOWEN; BOK, 2004, p. 410). Grifos do autor.

Mais adiante, tecem outras considerações:

É animador observar [...] as mudanças ocorridas entre a admissão da coorte de 1976 e a coorte de 1989. Nesse breve espaço de tempo, os escores médios no SAT52 obtidos pelos matriculados negros [...] subiram 68 pontos - um aumento maior que o dos matriculados brancos. O índice global de diplomação dos negros, que já era mais do que respeitável na coorte de 1976 (71%), subiu para 79%. A matrícula nas escolas mais prestigiosas de pós-graduação e formação em carreiras liberais continuou a aumentar. Os matriculados negros de 1989 são ainda mais atuantes nas questões cívicas (comparados a seus colegas brancos) do que os da coorte de 1976 (BOWEN; BOK, 2004, p. 410-411).

A educação que esses estudantes receberam, reconhecem os autores, enriquecida com

a diversidade, foi valorizada e expressa com grande entusiasmo nos últimos dados da pesquisa. E uma afirmação em especial dos autores chama a atenção para uma reflexão: “Até o presente, havia poucas provas sólidas para confirmar a confiança dos educadores no valor da diversidade”. Porém, a pesquisa revelou que, com os educandos deu-se o contrário, pois os dados levantados mostram que uma nova perspectiva se projetou, ao ser constatado o alargamento de interação que ocorreu nos câmpus, sobretudo, em relação à atitude positiva da maioria dos estudantes ao valorizar as oportunidades de aprender “[...] com pessoas com pontos de vista, antecedentes e experiências diferentes”. Completa os autores: “A admissão ‘por mérito’ seria míope, se os que dela se encarregam fossem impedidos de dar crédito a essa



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Bowen e Bok (2004, p. 409) afirmam que “[...] as políticas de admissão sensíveis à raça foram adotadas pelas faculdades e universidades para enfrentar problemas claramente baseados na raça, e para fazê-lo de um modo que lhes parecesse educacionalmente sensato”.

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contribuição potencial para a educação de todos os alunos” (BOWEN; BOK, 2004, p. 399- 400). Ao concluírem o trabalho, os autores esclarecem que,

[...] sem dúvida, houve erros e decepções. Certamente, há muito trabalho a ser feito pelas faculdades e universidades para descobrir meios mais eficazes de melhorar o desempenho acadêmico dos estudantes vindos das minorias. Mas, no cômputo geral,

concluímos que as faculdades e universidades academicamente seletivas tiveram extremo sucesso no uso da política de admissão sensível à raça, no intuito de

promover metas educacionais que eram importantes para elas e metas sociais que são importantes para todos (BOWEN; BOK, 2004, p. 411). Grifos meus.

Bowen e Bok (2004) ressaltam ainda que as normas de admissão utilizadas por

veneráveis instituições, que mantinham modos de funcionamento já há muito constituídos, tornaram-se um impressionante exemplo de disposição, pela capacidade de adaptação em atender às novas necessidades que se estabeleceram.

A pesquisa de Weisskopf (apud SILVÉRIO, 2006, p. 308) chama a atenção para o

modo como a política na área da educação deve ser formulada e implementada, propiciando uma efetiva atuação, de forma que possa gerar benefícios que resultem na qualidade do desempenho dos estudantes nas instituições em que tiveram acesso preferencial. O autor destaca também o processo de seleção, que considera como um fator central e complexo no conjunto das ações que consolidam a política adotada, e que, portanto, deve ser formulada de tal forma a admitir candidatos com potencial para conquistar um bom aproveitamento no processo educacional. E ainda, como fator determinante, obter recursos humanos e financeiros que possam promover satisfatoriamente, possibilidades de mobilidades oferecidas aos estudantes de um programa de ações afirmativas (WEISSKOPF apud SILVÉRIO, 2006, p.309).

Numa outra perspectiva de analise das políticas públicas, alerta Silva (2006), as

questões que envolvem a teoria das instituições mundiais53 merecem ser observadas mais

detidamente, pois são pouco discutidas nos debates e implantações dessas medidas. Esclarece que

[...] estudos baseados na teoria de instituições mundiais (world polity) defendem o argumento da convergência mundial. Esses estudos concentram-se na globalização e na disseminação de uma cultura mundial (um conjunto de crenças cognitivas e normativas transnacionais), que resultaram em políticas públicas mais análogas entre si. (cf. Meyer et al., 1997). Os teóricos das instituições argumentam que as estruturas legislativas e práticas de Estado-nação, em áreas como meio ambiente e direitos humanos, tornaram-se cada vez mais semelhantes – um processo definido



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“As instituições mundiais tem sido questionadas por várias razões: por serem muito estruturalistas, por se concentrarem mais em questões metodológicas (negligenciando os mecanismos de implementação), por não levarem em conta as contradições da cultura mundializada e, [...] por não discutirem os conflitos e embates locais durante o processo de difusão da cultura ocidental” (SILVA, 2006, p. 132-133).

na sociologia norte-americana como isomorfismo. No mundo contemporâneo, o isomorfismo criaria uma tendência à implementação de políticas mais liberais e individualistas. Essa tendência é explicada pela posição hegemônica dos Estados Unidos e de outras nações européias comprometidas com ideais democráticos, e pela pressão direta de agências internacionais, como as Nações Unidas (SILVA, 2006, p. 132).

Nesse sentido Bourdieu e Wacquant (2010) direcionam a atenção para o ponto de vista

americano que pretende se impor como ponto de vista universal; e citam como exemplo, o caso das fundações americanas de filantropia e pesquisa que atuam no campo universitário brasileiro, difundindo a doxa racial norte-americana. Assim,

[...] a Fundação Rockefeller financia um programa sobre “Raça e etnicidade” na Universidade Federal do Rio de Janeiro, bem como o Centro de Estudos Afro- asiáticos (e sua revista Estudos Afro-asiáticos) da Universidade Cândido Mendes, de maneira a favorecer o intercâmbio de pesquisadores e estudantes. Para a obtenção de seu patrocínio, a Fundação impõe como condição que as equipes de pesquisas obedeçam aos critérios de affirmative action à maneira americana, o que levanta problemas espinhosos já que, [...] a dicotomia branco/negro é de aplicação, no mínimo, arriscada na sociedade brasileira (BOURDIEU, 2010, p. 25). Grifos do autor.

Assim, o argumento cultural tem sido utilizado não apenas para justificar as diferentes

políticas, como também para explicar porque estão se tornando cada vez mais semelhantes (Cf. CAMPBELL 2002 apud SILVA, 2006).

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