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Ensino Superior Brasileiro: emergência e consolidação moderna nos termos

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CAPÍTULO 1 A EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA EM TRÊS TEMPOS E

1.2 O ensino superior brasileiro, seus tempos e marcas constitutivas

1.2.2 Ensino Superior Brasileiro: emergência e consolidação moderna nos termos

Com o golpe militar de 1964, o ensino superior, especialmente as universidades, teve

que lidar com as interferências impostas pelo Governo Federal, que afastaram inúmeros professores de seu trabalho, colocando as instituições federais de ensino superior sob a mira repressora de um Governo Militar por mais de 20 anos. Em decorrência, os estudantes que se reorganizavam para um enfrentamento com o governo foram impedidos pelo veto direcionado aos órgãos de representação estudantil de realizar qualquer ação ou manifestação de caráter político-partidário em todas as suas formas (DURHAM, 2005; OLIVEN, 2002).

O Governo Militar, nos fechados gabinetes da burocracia estatal e com consultoria

americana do Acordo Internacional de Cooperação MEC/USAID29, elaborou e impôs uma

profunda reforma no ensino superior sob o mote de sua modernização.30 Dentre elas, estavam

algumas reivindicações do movimento estudantil que expressavam o consenso de alguns grupos dos meios acadêmicos do período (OLIVEN, 2002).

Tais reivindicações defendiam uma reforma profunda no sistema educacional

almejando a expansão das universidades públicas e gratuitas que associassem o ensino à pesquisa; compartilhavam com os segmentos populares a luta contra a desigualdade social e pleiteavam a substituição do ensino privado pelo ensino público. Nesse sentido, em

1968, a Lei da Reforma Universitária31 foi aprovada, segundo Cunha (2007c), com as

seguintes “inovações”:



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A LDB foi promulgada pela lei nº 4.024. 29

Os acordos realizados entre o MEC e United States Agency for International Development (USAID) tinham como objetivo estabelecer convênios de assistência técnica e cooperação financeira à educação brasileira, desde a educação básica ao ensino superior. “Com esses assessores, teria vindo para o Brasil o modelo das universidades norte-americanas que o governo e o Ministério da Educação, em particular, trataram de implantar” (CUNHA, 2007, p. 24).

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CUNHA a nomeará como Universidade Reformada. 31

a) criação dos departamentos;

b) sistema de créditos e matrícula por disciplina; c) seriação semestral;

d) vestibular unificado e classificatório; e) cursos superiores de curta duração; f) fim da autonomia das faculdades; g) extinção da cátedra;

h) indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão;

i) flexibilidade de métodos e critérios, para prover às diferenças individuais dos alunos;

j) cria o regime de tempo integral e a dedicação exclusiva dos professores.

Entre estas aparece o curso profissional firmado no Art. 23, § 1º da Lei 5.540/1968:

“Serão organizados cursos profissionais de curta duração, a fim de corresponder às condições do mercado de trabalho”. Entretanto, a verdadeira reforma curricular não aconteceu. O crescimento do acesso à universidade se deu pela simples multiplicação das matrículas nos cursos tradicionais que conservaram a mesma concepção de diploma profissional, mantendo ainda o mesmo tipo de ensino (CUNHA, 2007c).

É importante retomar, neste momento, as palavras de Florestan Fernandes, citadas por

Romanelli (1986, p. 230-231), ao esclarecer as motivações do Governo quanto à promoção da

Reforma Universitária. Segundo ele,

[...] a extinção do antigo padrão de escola superior não ameaçava o status quo. [...] sob a pressão constante de tendências modernizadoras que partiam do interior do País, dos Estados Unidos e de organismos econômicos, educacionais e culturais internacionais, e sob o desafio crescente da rebelião estudantil, a reação conservadora preferiu tomar a liderança política da “reforma universitária”.

E Romanelli (1986, p. 231) ratifica, afirmando que a Reforma: “[...] iria, portanto, modernizar sem romper com as antigas tradições, nem ferir interesses conservadores. Ao mesmo tempo, iria controlar a inovação”. Nessa mesma direção, vale lembrar as palavras de Antônio Candido sobre reforma na educação, retomadas por Frigotto (2011). As mudanças essenciais que se dão na sociedade não se estabelecem, porque as reformas que ocorreram no campo da educação não tiveram, por si, força suficiente para modificar a estrutura social e a educacional, embora possam ter contribuído para isso. Sendo assim, o saber continua mais ou menos como privilégio. Apenas as verdadeiras revoluções permitem reformas profundas, capazes de transformar o ensino e torná-lo acessível a todos, com equalização de oportunidades.

Vale lembrar, que entre as universidades públicas, o caso paulista se destaca pelo seu

caráter pioneiro na implantação de medidas modernizadoras. A primeira a ser criada no Brasil foi Universidade de São Paulo (USP), em 1934. É estadual e vem se mantendo a frente das demais na implantação da pesquisa, do tempo integral e na oferta de cursos de Doutorado (OLIVEN, 2002).

As duas importantes instituições voltadas à formação de pesquisadores, criadas na década de 1950, foram reformuladas e fortalecidas nesse período. Trata-se da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq). A Capes formulou um amplo programa de bolsas que financiou a criação e a expansão da Pós-Graduação, e o CNPq estabeleceu programas de bolsas de Mestrado e de Doutorado não só no Brasil como também no exterior. Ambas, segundo Durham (2005), apoiavam-se em avaliações de pares dos programas e projetos financiados, e não presididos pela lógica das leis e regulamentações que favoreciam o controle burocrático.

Cunha (2007c) afirma que o processo de modernização do ensino superior tem sua

origem na década de 1940, quando o Ministério da Aeronáutica do Brasil solicitou os serviços de um consultor norte-americano para ajudar na elaboração dos planos de criação de um instituto tecnológico. Este autor chama a atenção para a seguinte questão: “Se a doutrina da reforma universitária de 1968 foi elaborada com base no idealismo alemão, o modelo

organizacional proposto para o ensino superior brasileiro era o norte-americano” (p. 20).

Grifo do autor.

O crescimento econômico dos anos 1970 produziu o chamado “milagre econômico”. Em decorrência, ele motivou o incremento de recursos federais e o orçamento direcionado à educação, trazendo ainda “benefícios” para as chamadas classes médias, como as demandas pelo ensino superior, ainda que no campo privado. Pode-se dizer, portanto, que a ampliação do ensino superior operada no decorrer das décadas de 1960 e 1970 fez surgir um novo tipo de instituição superior, que se caracterizou pelo significativo crescimento das matrículas e pelos interesses voltados para o lucro. A expansão que se instalou fez com que as instituições de ensino superior que antes eram frequentadas quase que exclusivamente pela elite, passassem a acolher um novo estrato social estabelecido por setores das “classes médias” baixas (Cf. MOELHECK, 2004).

As discussões que se desenvolveram nos anos 1970 mostram uma preocupação em

relação ao vestibular na questão não apenas das possibilidades como instrumento de medida, mas também na sua relação com o sistema de ensino. Nesse último caso, a proposta seria pensar nas possíveis formas de incentivar melhorias nos níveis que antecedem o superior e analisar os objetivos desvirtuados que faziam do ensino médio apenas um preparatório para o vestibular, motivando a criação de cursinhos preparatórios (Cf. MOELHECK, 2004).

Enquanto a década de 1980 no mundo foi tratada por alguns pensadores mais

renascimento. Isto porque, com o esgotamento e declínio do regime político militar, inaugura-se

um longo e paulatino processo de redemocratização que culminou na Constituição de 198832,

bem como na conquista da primeira eleição direta para Presidente da República no pós-1964. Essa foi uma época de transição marcada por perspectivas e desejos de mudanças perpassadas por momentos de crise econômica e crescente inflação. A democratização do ensino superior brasileiro propugnado pela UNE é assumido como compromisso político do então candidato à Presidência da República, Tancredo Neves, que vitimado por problemas de saúde veio a falecer antes mesmo de assumir o cargo, se se considerar sua vitória no Colégio Eleitoral. Logo, de meados de 1985 a 1990, o crescimento do ensino superior se manteve praticamente inalterado, enquanto as instituições superiores privadas organizadas como universidades tiveram um aumento de 145%. Essa expansão se deu pela pressão do setor voltado para o ensino de massa, com finalidades lucrativas sem nenhum interesse em desenvolver atividades de pesquisa (Cf. CUNHA, 2007c, OLIVEN, 2002).

Ainda nesse período, um importante movimento instituído pelos docentes do ensino

superior público esteve em ação travando lutas no interior das instituições para uma organização efetiva, dando origem à Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes). Essa entidade assumiu um importante papel na luta pela democratização da educação superior, atuando estritamente no setor público. O movimento que a criou, priorizou a autonomia e a democratização universitária com o intuito de ampliar a participação docente na gestão da universidade, tornando-se legítimo ao atuar em defesa de valores acadêmicos ancorados na competência científica de sua liderança.

Várias mudanças ocorreram durante a década de 1990. O governo FHC, marcado em

seus dois mandatos por uma continuidade administrativa, permitiu a realização de uma alteração no sistema universitário sem com ela alterar a hegemonia do setor privado. As mudanças ocorridas, de caráter neoliberal, foram ditadas por orientações dos organismos bilaterais nas políticas econômicas e sociais, com reformas orientadas para o mercado, incluindo o campo educacional. Esse campo, inserido num contexto mais alargado, traduz-se na “[...] inserção subalterna do país à economia global e na permanência ou no agravamento dos inaceitáveis índices de desigualdades sociais na década de 1990” (SGUISSARDI, 2009, p. 199). Esse mesmo autor esclarece que



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A Constituição Federal determinou um mínimo de 18% da receita anual, do imposto da União, para o desenvolvimento e manutenção do ensino; firmou a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais em todos os níveis e instituiu o Regime Jurídico Único; estabeleceu pagamento igual para as mesmas funções e ainda fixou a aposentadoria integral para funcionários federais. Assegurou a autonomia das universidades e a indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão em nível universitário (Cf. OLIVEN, 2002).

[...] a integração do país à economia mundial dá-se enfatizando o novo papel atribuído ao mercado na alocação dos recursos e diminuindo as funções do Estado, em especial quando este é pensado como provedor dos serviços sociais, entre eles, a educação. (SGUISSARDI, 2009, p. 199)

Complementando sua reflexão, o autor afirma que a concentração de renda no período

se manteve quase inalterada, permitindo afirmar que “[...] as políticas públicas na economia e nos serviços não tiveram caráter distributivo de renda” (p. 201).

O sistema educacional no inicio dos anos 1990 já manifestava importantes tendências

que tiveram continuidade nos anos posteriores. Um dos fatores a considerar, foi o aumento do percentual de docentes que obtiveram o titulo de Mestre ou Doutor, como resultado das políticas voltadas para a formação de pesquisadores, estimuladas pela Capes e CNPq. Ao mesmo tempo, isto é, entre 1994-2002, o ensino superior público federal enfrentou um congelamento salarial direcionado a seus servidores num momento em que a educação superior apresentava uma expansão nas matrículas de 37% e uma redução de 5% no seu corpo docente, acarretando uma acentuada carga horária de trabalho e a redução em 21% de seu quadro de funcionários (Cf. SGUISSARDI, 2009; GOMES, 2008).

Um importante indicador utilizado para analisar as políticas públicas de educação superior

é o do financiamento federal das IF, obrigatório pela Constituição. Trata-se de um percentual em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) como índice mais utilizado para revelar os recursos destinados ao conjunto das IF, a cada ano. Em 1989 corresponderam a 0,97%; em 1994 a 0,91%; em 2002 a 0,64% e em 2010 um percentual de 4,0%, ainda muito aquém do almejado pelo Plano

Nacional de Educação (PNE)33 (Cf. SGUISSARDI, 2009; AMARAL, 2011).

Quanto à diversidade institucional, os números revelaram que em 1994 havia um total

de 851 Instituições de Ensino Superior (IES), com apenas 127 universidades, 87 faculdades integradas e 637 faculdades ou instituições isoladas. Desse total, 192 eram públicas e 659 privadas. Em 2004, essas IES somavam 2013, com 169 universidades, 107 centros universitários, 1737 faculdades, faculdades tecnológicas e centros de educação tecnológica. No ano de 2008, um total de 2.251 IES, com 235 públicas e 2016 privadas (Cf. SGUISSARDI, 2009; LIMA, 2011).

A ampliação que ocorreu nesse período no ensino superior, pela diversificação e

privatização34 do sistema, orientou-se pelas decisões formuladas na Lei de Diretrizes e Bases



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Segundo Amaral, para utilizar esse indicador nas análises de políticas públicas é preciso muita cautela, pois, “[...] quando se trata da utilização desse indicador – percentual do PIB – há a necessidade da utilização de duas outras informações: o valor do PIB do país e o tamanho do alunado a ser atendido, o que pode ser expresso, por exemplo, pela quantidade de pessoas do país que estão em idades educacionais corretas” (AMARAL, 2011, p. 1). 34

O Brasil é “[...] o país de maior índice de privatização na América Latina e entre os cinco de maior índice de privatização no mundo, se considerados os números de IES e o percentual de matrículas” (SGUISSARDI, 2009, p. 202).

da Educação Nacional (LDB), aprovada em 1996. Esta propugnou inovações no sistema, exigiu das universidades a articulação entre ensino e pesquisa, com produção científica comprovada, para possibilitar seu credenciamento ou recredenciamento. Em decorrência, determinou que as universidades apresentassem condições mínimas de qualificação do corpo

docente e regime de trabalho para que a pesquisa pudesse ser implantada35. Estabeleceu o

recredenciamento periódico das instituições de ensino superior, precedidas de um processo de avaliação (Cf. MOELHECK, 2004).

Mais adiante foi criada uma nova categoria de estabelecimento, isto é, os centros

universitários, pelo Decreto nº 2.207, de 15/04/1997. Conforme seu Art. 4º, especificado pelo Art. 6º, determinou que proporcionasse um excelente ensino sem, entretanto, haver uma obrigatoriedade na dedicação à pesquisa. A estas instituições foram concedidas autonomia didática para criação de cursos e ampliação de vagas, mantendo-as no regime de avaliação periódica (Cf. MANCEBO; SILVA JR, 2004).

Segundo Mancebo e Silva Jr (2004), os centros universitários se multiplicaram, sem

uma preocupação com a qualidade, “[...] estabelecendo uma dura concorrência em relação às universidades, de um lado, e, de outro, transformando-se na modalidade institucional que mais traz vantagens para o setor privado” (MANCEBO; SILVA JR, 2004, p. 35). Nesse contexto, afirma Durham (2005, p. 226), que “[...] toda a eficácia da nova legislação dependia da construção de um sistema de avaliação”. Para tanto, o Ministério da Educação se orientou determinando uma avaliação na qualidade dos cursos, criando o exame nacional de cursos,

conhecido popularmente como Provão36 (Cf. DURHAM, 2005, p. 226).

As concepções e práticas educacionais que vigoraram na década de 1990

predominaram na primeira década do século XXI, assegurando as parcerias do público e do privado, alargando a dualidade estrutural da educação para ser introduzido de forma ampla nas instituições educativas públicas e educação básica, envolvendo desde o conteúdo do conhecimento até os métodos de sua produção (Cf. FRIGOTTO, 2011).

1.2.3 A Educação Superior Brasileira na 1ª década do século XXI: ampliação de acesso e

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