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Traços constitutivos das primeiras iniciativas de ações afirmativas

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CAPÍTULO 2 DIREITOS HUMANOS E AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL

2.3 Traços constitutivos das primeiras iniciativas de ações afirmativas

A literatura aponta como primeiras iniciativas de políticas de ações afirmativas, as experiências realizadas nos Estados Unidos e na Índia.

2.3.1 Estados Unidos

As ações afirmativas tiveram início nos Estados Unidos, a partir de uma longa história

de constante luta dos negros contra o racismo. Na década de 1960, o governo Kennedy empregou pela primeira vez o termo “ações afirmativas” ao estabelecer uma comissão para analisar questões que promovessem oportunidades iguais no mercado de trabalho (Cf. OLIVEN, 2007a, 2007b; BRANDÃO, 2005). Quatro anos depois, o então presidente Lyndon B. Johnson promulgou a Lei dos Direitos Civis para combater a discriminação racial contra os negros. No ano seguinte, tem-se o emblemático momento histórico, lembrado pelos estudiosos das ações afirmativas, quando o presidente Johnson proferiu um discurso aos formandos da Howard University, ressaltando a injustiça social que se instalou ao ser abolida a escravidão. Nesse discurso, o Presidente chamou a atenção para a ideia de que

A liberdade, per se, não é suficiente. Não se apaga de repente cicatrizes de séculos proferindo simplesmente: agora vocês são livres para ir onde quiserem e escolher os líderes que lhe aprouverem [...] não se pode pegar um homem que ficou acorrentado por anos, libertá-lo das cadeias, conduzi-lo, logo em seguida, à linha de largada de uma corrida, e dizer “você é livre para competir com os outros”, e assim pensar que se age com justiça (CURRY; WEST, 1996 apud FERES JR., 2007, p. 4).

Por meio dessa ideia fica claro que somente a liberdade formal não seria capaz de

promover a justiça social. Na mudança que se deu, faltou o aparelhamento, isto é, a criação das condições reais de produção da oportunidade que abre espaço para a construção da justiça que mina a discriminação social.

No pronunciamento do então presidente dos Estados Unidos, Feres Jr. (2007)

identifica dois dos três argumentos que, segundo ele, são utilizados para justificar as políticas de ações afirmativas: reparação, justiça social e diversidade. O primeiro argumento utilizado pelo presidente norte-americano para justificar as políticas pela discriminação no passado foi o da reparação. Entretanto, atrelado a esse, tem-se no discurso o segundo argumento, o de justiça social.

Feres Jr. pontua que, mesmo sem terem sido empregadas pelo ex-presidente norte-

americano, duas expressões tornaram-se paradigmáticas: ações afirmativas e igualdade substantiva. Conforme o autor, a igualdade substantiva é o “[...] fulcro normativo da ação afirmativa”, que é “[...] o principal elemento de uma concepção de justiça social” (p. 4). Salienta ainda que a igualdade substantiva é efetiva e igualdade de fato, pois dela tem-se um resultado, enquanto a igualdade do direito formal é apenas uma teoria, um mero procedimento.

István Mészáros apud Oliveira (s/d) também discorre sobre a igualdade substantiva, afirmando que ela tem como base as relações sociais pautadas em alternativas cooperativas entre os indivíduos, nas lutas contra a continuidade desse sistema. Ou seja, pauta-se na possibilidade de construir uma nova forma de conduzir a vida humana. Impõe um distanciamento e ruptura com o princípio formal de igualdade, que opera sob a forma de ideologia, para tornar possível uma modificação radical em sua base, possibilitando a efetivação de uma sustentabilidade real.

Johnson passou a exigir das empresas que prestavam serviços para o Governo Federal

um tratamento não discriminatório no emprego e também a criação de programas de ações afirmativas com vistas a eliminar os efeitos da discriminação passada. Após dois anos, foi acrescida ao programa de ações afirmativas a categoria sexo e em 1972 as mesmas exigências foram adotadas também para as instituições educacionais. Nesse sentido, o governo norte- americano intencionou utilizar o poder público para beneficiar as vítimas de discriminação social (Cf. BRANDÃO, 2005; OLIVEN, 2007a).

Assim que os negros conquistaram ganhos políticos, outros grupos foram surgindo e

passaram a se identificar como segmentos discriminados, com o propósito de alcançar os mesmos fins.

2.3.2 Índia

Na Índia, as ações afirmativas foram introduzidas durante o período em que o País

ainda se mantinha como uma colônia inglesa, mas a legitimação dessas ações só veio a

ocorrer num momento posterior, com a promulgação da Constituição de 1947. O País46 tem

acumulado, portanto, uma longa experiência histórica com políticas de inclusão, conforme afirma Feres Jr. (2007)

Enquanto nos Estados Unidos os grupos favorecidos pelas políticas de ações

afirmativas são os afro-americanos, os hispano-americanos e os segmentos despossuídos do

País, na Índia são os dalits e os adivasis.47 Apesar de os Estados Unidos e a Índia possuírem

grandes diferenças culturais, econômicas e sociais, Weisskopf, em seu estudo sobre a

implementação de políticas de discriminação positiva48 (apud SILVÉRIO, 2006, p. 307)



46

Para melhor conhecer a história das ações afirmativas na Índia, cf. WEDDERBURN, 2007. 47

Os dalits, anteriormente conhecidos como membros das castas intocáveis, e os adivasis são grupos tribais que geralmente vivem em áreas afastadas. Após a independência da Índia (1947), esses grupos foram classificados oficialmente como castas e tribos programadas.

48

Weisskopf utiliza o termo discriminação positiva para se referir à seleção preferencial ou reserva de vagas de membros dos grupos étnicos sub-representados.

ressalta os importantes princípios que ambos possuem em comum: seguem um sistema eleitoral democrático; são comprometidos com a preservação dos direitos e das liberdades individuais; são nações compostas de uma população multicultural e ainda têm dedicado esforços para adotar políticas de descriminação positiva para reverter o quadro de sub- representação de minorias e grupos éticos nos estratos mais elevados da sociedade.

A pesquisa de Weisskopf, analisada por Silvério, direciona suas observações para as

políticas que conseguem alargar os benefícios e diminuir os custos sem se preocupar com julgamentos de fundo moral, ou seja, certo ou errado, e assim propor um modelo para uma análise comparativa que possa ter aplicabilidade em qualquer tipo de experiência. Weisskopf (apud SILVÉRIO, 2006, p. 310) chama a atenção para o modo como a política deve ser formulada e implementada, propiciando uma efetiva atuação, de forma que possa gerar benefícios que resultem na qualidade do desempenho.

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