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4. CENTROS E SUBCENTROS REGIONAIS E AS DESIGUALDADES REGIONAIS

5.2 O período desenvolvimentista (1956-1985)

5.2.2 Ações de gestão do território

Conforme já brevemente exposto, as ações de gestão do território analisam, inicialmente, as políticas públicas formuladas para a temática em discussão; em seguida, são analisadas as ações efetivas e a atuação dos agentes privados sobre aquele tema. Considerando os temas de interesse deste trabalho, foram analisadas ações e políticas públicas no âmbito dos seguintes setores: política regional; política metropolitana (e, subsidiariamente, urbana); política agrícola; e política de infraestrutura de transportes9.

Política regional

As ações estarão, de forma geral, orientadas por uma perspectiva de desenvolvimento muito pautada na ideia de industrialização. O Estado, assumiu o protagonismo das ações, o que somente se altera no fim do período, com a crise dos anos 1980. Em termos de política regional, pela a primeira vez, o Estado torna a questão do desenvolvimento regional

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A escolha destas políticas está atrelada, principalmente, aos três processos focalizados no âmbito da Ride-DF: a expansão metropolitana, a expansão da agropecuária moderna e a estruturação do Eixo Brasília-Anápolis-Goiânia. Ainda que as políticas não sejam essenciais na análise das Regiões Metropolitanas ± a seguir ± os temas servem como contexto e preparação para a discussão do foco da pesquisa, a partir do próximo capítulo.

como sua pauta de forma mais efetiva (logo, como alvo de políticas públicas). Neste contexto, o pensamento furtadiano foi fundamental, por meio da análise da economia brasileira em um viés estruturalista-regional-histórico, além da busca de um modelo próprio de desenvolvimento (MENDES; MATTEO, 2011).

Dentro das principais políticas públicas para o tema, no período, encontra-se o Plano de Metas, de Juscelino Kubitschek. Ainda que não fosse um plano específico para a questão regional, algumas de suas ações tem claro impacto aí, como a construção de Brasília e de rodovias. É digno de nota, ainda, a criação de instituições voltadas ao desenvolvimento regional, como a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Depois do Plano de Metas, até a edição dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs), o tema da política regional é mencionado em outros instrumentos de planejamento do governo, sugerindo mesmo a elaboração de uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional (caso do Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social, de 1967), porém sem haver uma política regional mais clara.

A perspectiva do planejamento regional muda a partir do I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND, 1972-1974). EVWHWLQKDFRPRSULQFLSDOREMHWLYR³WUDQVIRUPDUR%UDVLO em nação desenvolvida, constitui o modelo brasileiro de GHVHQYROYLPHQWR´ %5$6,/S 14). Especificamente sobre o tema do desenvolvimento regional, o Plano trabalha a partir de uma estratégia de desenvolvimento regional (ou grande espaço econômico), cuja base era a criação de demanda interna. Assim, a orientação básica dava-se a partir da descentralização econômica, de uma complementação econômica do tripé industrial do país (Belo Horizonte ± São Paulo ± Rio de Janeiro), da integração no sentido Norte-Sul (áreas menos desenvolvidas e mais desenvolvidas) e no sentido Leste-Oeste (áreas menos ocupadas e mais ocupadas).

Seguidamente ao I PND, surge o II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975- 1979, Lei nº 6.151, de 4 de dezembro de 1974). A perspectiva do plano, ambiciosa, pretendia posicionar o país no grupo das nações consideradas desenvolvidas a partir de uma nação industrial. Dentro deste quadro, a estratégia específica de integração nacional (que demonstra a política regional) tem como preocupações melhorar o equilíbrio político e econômico das regiões e outras de ordem geopolítica, ligadas à ocupação do território. Como estratégia, o foco estava em áreas integradas (como os polos e distritos industriais), a política de colonização e desenvolvimento agropecuário orientado e a demanda de maior investimento em ciência e tecnologia como forma de promover a expansão sem tantos custos ambientais. Para a Amazônia e o Centro-Oeste, as orientações seguem a perspectiva da ocupação produtiva ± notadamente para a segunda região (BRASIL, 1974).

Dando continuidade ao processo de planejamento de escala mais abrangente, é editado em 1980 o III PND. Apesar de manter a preocupação do Estado com a questão da integração e desenvolvimento regional, o Plano pressupunha diretrizes mais amplas que nos planos anteriores. Muito por conta da crise fiscal do país, teve poucos desdobramentos efetivos (BRASIL, 1980).

Analisando as ações efetivas, ou implantadas, sobre o Plano de Metas, Matos (2002) aponta que este se constituiu, provavelmente, como o primeiro esforço de planejamento de mais longo prazo com decomposição das metas, sendo estas por ela consideradas bem definidas. Houve, por outro lado, dependência do capital estrangeiro para os investimentos e uma tendência à concentração de investimentos no Sudeste, reforçando a concentração regional da economia. No período posterior ao Plano De Metas, ainda que não houvesse uma política regional ou de desenvolvimento mais bem delineada (só retomada com o I PND), vale destacar que importantes instituições voltadas à temática regional foram criadas: Banco do Nordeste (BNB), a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), o Banco da Amazônia SA (Basa), a Superintendência para o Desenvolvimento da Zona Franca de Manaus (Suframa), a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), a Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul (Sudesul) e o Ministério que abrigava algumas destas e outras instituições, o Ministério do Interior (Minter).

Quanto ao I PND Senra (2009) destaca o papel do plano no processo de integração dos espaços da Amazônia, Nordeste e Centro-Oeste à economia nacional, baseado em um centro dinâmico (Centro-Sul). Tal perspectiva de integração ocorria também por meio da questão da segurança e da ocupação do território, algo que seria ainda mais reforçado a partir do II PND. Sobre este, Matos (2002) o aponta como a experiência mais válida de planejamento em longo prazo e com articulação após o Plano de Metas. Senra (2009) destaca a atuação do Plano no sentido de permitir a criação de importantes eixos de penetração para a economia QDFLRQDOPXLWRSX[DGRVSHODLGHLDGHRFXSDomRGRV³HVSDoRVYD]LRV´0HQGHVHMatteo (2011) destacam a importância do Plano no processo de desconcentração industrial, mas ainda sem atingir as regiões menos industrializadas, especialmente na escala intrarregional (basta comparar a situação do Nordeste, entre Zona da Mata e Semiárido). Um outro aspecto ainda por ser criticado neste plano parte de Souza (2004) é a prevalência de uma visão setorialista, em detrimento de uma perspectiva mais global, muito por conta da própria forma de organização da administração pública. Por fim, o III PND, como dito, teve pouca aplicação efetiva.

Política metropolitana

Antes de falar propriamente da política metropolitana, é necessária alguma consideração sobre a política urbana no período. Especificamente sobre o planejamento urbano, Villaça (2004) aponta para a evolução deste instrumento, na medida em que as ações ultrapassam a perspectiva apenas da realização de obras físicas, passando a uma abordagem PXOWLGLVFLSOLQDUVHQGRFRQVWLWXtGRV³VXSHUSODQRV´GHFDUiWHUWHFQRFUiWLFReLPSRUWDQWHDLQGD o avanço na política em termos federais, com a criação de instituições como o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (Serfhau) em 1964, além do tema da habitação, a partir do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), cujo principal braço executor foi o Banco Nacional da Habitação (BNH ± também criado em 1964).

Especificamente sobre a política metropolitana, o período considerado demonstra o início da preocupação do governo federal com o tema. Neste ponto, é necessário considerar algumas iniciativas em São Paulo em torno do tema, na segunda metade da década de 1960. Em âmbito federal, a questão foi tratada na Constituição Federal de 1967, propondo as regiões metropolitanas a partir da ideia de comunidade socioeconômica, dando ainda a prerrogativa de criação destes espaços à União. Tal instrumento seria efetivado em 1973, por meio da Lei Complementar nº 14 (BRASIL, 1973).

Esta lei foi responsável pela criação de oito regiões metropolitanas: São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza. Posteriormente, em 1974, por meio da Lei Complementar nº 20, de 1º de julho de 1974, é criada a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O modelo de gestão previa a existência de um Conselho Deliberativo, presidido pelo Governador do Estado e composto por cinco membros de reconhecida capacidade técnica, nomeados pelo Governador (ao menos um indicado pelo prefeito da Capital e outro indicado pelos outros municípios membros) e um Conselho Consultivo. Ao Conselho Deliberativo cabia aprovação dos Planos de desenvolvimento e a coordenação da execução dos projetos, enquanto o Conselho Consultivo (composto pelos indicados de cada município) tinha funções não decisórias, como as de acompanhamento das políticas adotadas, tendo caráter consultivo.

O tema da política urbana e metropolitana apareceu ainda nos instrumentos maiores de planejamento, sendo o caso da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), elaborada na esteira do II PND. Este instrumento identificava a importância das metrópoles e grandes cidades como irradiadores das melhorias previstas pelo desenvolvimento. Buscava-se, ainda, a redução dos desequilíbrios existentes nas cidades brasileiras e a racionalização do uso

do solo, além da correção dos desníveis de renda dentro das cidades e a melhoria da estrutura urbana. Como instrumento central da aplicação destas políticas, em termos institucionais, estaria a Comissão Nacional das Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU), atuando financeiramente a partir do BNH e de Fundos de Desenvolvimento Urbano de outras fontes. Posteriormente, em 1979, é criado o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU). De forma efetiva, em relação à política urbana, Villaça (2004) considera que houve evolução na perspectiva de um planejamento urbano integrado (e não apenas visando intervenções pontuais), porém estes eram eivados de forte tecnocracia e buscavam aqui aplicar modelos de planejamento e de cidade estrangeiros, o que resultou em baixa execução geral dos planos. Gouvêa (2005) ressalta a crítica às ações setorializadas do Estado, que elevou a pouca execução do planejado.

Em termos de política metropolitana, a grande inovação do período foi a inserção do tema das metrópoles nas políticas de Estado do país. Analisando sua efetividade, Eghrari (2013) classifica sua forma de governança como top-down, com o governo central impondo seu formato aos governos estaduais e prefeituras. A própria composição das Regiões Metropolitanas era definida por uma legislação federal, também a cargo da regulamentação da gestão desses entes. Isto revela, por outro lado, a necessidade de controle de um território que ia sendo considerado cada vez mais estratégico pelos governos militares. Em relação à efetividade do CNDU, Gouvêa (2005) aponta que a atuação deste órgão não compreendia um planejamento do tipo global ou compreensivo, atuando em um planejamento adaptativo, o que acabou por reduzir a eficácia de sua atuação. Por outro lado, é fundamental apontar a criação de novas instituições voltadas ao planejamento metropolitano e regional no âmbito dos Estados.

Política agrícola

Relativamente à política agrícola, Graziano da Silva (1996) destaca que o período é marcado pelo início do processo de modernização da agricultura. Em termos de políticas específicas, ele destaca o interesse, já no governo Vargas, da produção de fertilizantes e de máquinas agrícolas internamente, sugerindo o mesmo processo de substituição de importações em curso na indústria. Tal interesse somente veio a se concretizar durante o Plano de Metas, quando a produção interna foi bastante fortalecida. A partir do golpe de 1964, passa a ter fundamental importância o crédito rural, organizado a partir do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR). De certa forma, a própria política agrícola passa a constar mais claramente no planejamento de longo prazo do governo federal, destacando-se aí o I PND, em oposição ao

Plano de Metas que não traça claramente uma política para o setor (ao menos não como um todo). O I PND sugeria, assim, o desenvolvimento de uma agricultura de base empresarial, moderna, para o Centro-Sul; uma mudança na agricultura do Nordeste, a partir do avanço da perspectiva empresarial e da modernização do campo; a ocupação e o avanço da fronteira agrícola, no Centro-Oeste e na região Amazônia. É importante ainda considerar o papel do Estado no estímulo à ocupação de novos espaços, seja por meio da formação das colônias agrícolas, seja pelo desenvolvimento de tecnologias necessárias ao plantio em solos antes pouco utilizados, como o dos cerrados. Fora da órbita estatal, há ainda a atuação de agentes financeiros de origens diversas, que passam a ver na produção agropecuária possibilidades de aumento de lucros, alterando bastante o perfil de atuação no setor agrícola.

Em termos efetivos, Graziano da Silva (1996) aponta para dois processos das políticas implantados no período em questão: uma parte como a continuidade da modernização agrícola, no qual a atuação do Estado deu-se especialmente no sentido de modernizar a base técnica por meio da substituição de importações, levando a uma mudança na orientação do principal mercado consumidor (do externo ao interno); e um segundo momento, no qual a atuação passa a se basear em torno do crédito, levando ao aprofundamento do processo de modernização e à associação da agricultura à indústria, formando os Complexos Agroindustriais (CAIs). A atuação efetiva leva, assim, a um abandono das políticas que favoreciam a produção do café sudestino, em um primeiro momento, para uma agricultura modernizada a mais submetida ao urbano, e que, como se verá à frente, foi uma das responsáveis pelas intensas mudanças na organização regional brasileira. Delgado (2005) aponta o prevalecimento de uma visão baseada na economia liberal ortodoxa, de modernização que prescinde da resolução dos problemas sociais do campo, o que levou a perseguições a movimentos rurais de esquerda.

Política de infraestrutura rodoviária e de transportes

Considerando o período, a política em torno da infraestrutura de transportes conheceu um forte impulsionamento, dado, principalmente pelos imperativos de desenvolvimento e integração regional. Neste sentido, O Plano de Metas, de JK cumpriu importante papel, na medida em que listou em diversas de suas metas o tema do transporte, especialmente o rodoviário. As projeções chegavam a falar na pavimentação de 5.000 km, além do estímulo ao aumento da produção de veículos automotores. A própria construção de Brasília teve importante papel nisto, já que a cidade fora projetada como ponto de irradiação do

desenvolvimento e da integração nacional, grande preocupação de então. Ainda no governo de Juscelino Kubitschek foram atraídas importantes transnacionais do setor automobilístico, ampliando a produção nacional de automóveis. No restante do período, de forma geral, a política rodoviarista dará o tom do processo de estruturação dos transportes, seguindo-se a W{QLFDGDEXVFDSHODRFXSDomRHLQWHJUDomRGRVHVSDoRVFRQVLGHUDGRV³YD]LRV´&RPRSULQFLSDLV eixos construídos no período, podem ser destacados aqueles diretamente vinculados à construção da Nova Capital, notadamente a Belém-Brasília (BR 153) e as rodovias de Brasília com outros importantes centros: Brasília-Fortaleza (BR 020), Brasília-Rio de Janeiro (BR 040), Brasília-Santos (BR 050 ± passando por São Paulo), Brasília-Campo Grande (BR 060 ± passando por Goiânia). É ainda notável o esforço de construção de rodovias no espaço da Amazônia, sendo notório o caso da Transamazônica (PEREIRA; LESSA, 2011).

De forma efetiva, houve, de início, o abandono da perspectiva de integração anteriormente posta, na primeira metade do século XX (e desde antes, no séc. XIX), da integração do território a partir das ferrovias e da navegação de cabotagem. Galvão (1996) aponta que a opção pela rodovia foi feita dada a urgência de integração nacional e pela falta de um mercado interno fortalecido, que justificasse economicamente a implantação das ferrovias. A opção pelas rodovias levará à construção e pavimentação de diversas delas, que acabaram por cumprir o papel de integrar um mercado interno que ia se expandido. A partir de Brasília e GHDOJXQVQRYRVHL[RVTXHVXUJLDPQRV³HVSDoRVYD]LRV´UHJL}HVUHPRWDVIRUDPLQWHJUDGDVD uma rede nacional, possibilitando falar, claramente, em um mercado nacional. Por outro lado, alguns projetos, especialmente na década de 1970 e sobre a Amazônia restaram inconclusos, o que acabaria por ser reforçado pela crise fiscal do Estado no fim desta década. O modelo foi ancorado em pesados investimentos estatais, sem grande participação da iniciativa privada na construção destes novos eixos.

Em um apanhado geral, as ações deste período apontam para uma progressiva preocupação das políticas públicas em torno dos temas territoriais. Vê-se, de início, a criação de um aparato institucional e de um arcabouço de métodos e técnicas de planejamento em relação ao tema regional, que aos poucos vai incorporando a questão urbana. De forma efetiva, as principais ações serão dirigidas pelo Estado, por manter aí sua política de apoio e direção ao setor privado (com suas exceções, obviamente). Com a crise do Estado de forma mais clara a partir da década de 1980, ações de mais curto prazo ganham mais força, em detrimento do planejamento de horizonte temporal maior. Paralelamente, outros agentes ganham força e ocuparão este espaço de promotor do desenvolvimento econômico nacional e de ordenador do

território. Estas ações foram fundamentais, para a Ride-DF por conta, inicialmente, da construção de Brasília e da construção de infraestrutura necessária para tal empreitada, bem como, a partir da década de 1970, pela inclusão do Centro-Oeste como espaço produtivo da agropecuária moderna.