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Reestruturação produtiva e estruturação de redes e eixos

3. REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E ESPAÇOS REGIONAIS: EXPANSÃO

3.3 Reestruturação produtiva e estruturação de redes e eixos

O terceiro processo de interesse para a análise deste capítulo diz respeito ao processo de estabelecimento e estruturação de redes e eixos. Desta forma, verifica-se que tal processo é fundamental na produção dos espaços regionais e, como se verá, seu entendimento está fortemente ligado ao processo de metropolização e ao avanço da agropecuária moderna, anteriormente tratados. A linha adotada na discussão nesta seção parte de um conceito mais geral, a ideia das redes e de sua estruturação no espaço, passando à análise do fenômeno dos fluxos e chegando, finalmente, às formas de materialização destes, abrindo espaço para uma análise final sobre os eixos rodoviários, um dos processos-foco do trabalho.

Neste sentido, a discussão se inicia a partir do tema do estabelecimento das redes no espaço geográfico. Sobre o tema, Milton Santos (1996) parte da ideia de que uma rede possui tanto um aspecto material quanto um aspecto social. Quanto a este segundo aspecto, ele FRQFHLWXD TXH ³D UHGH p WDPEpP VRFLDO H SROtWLFD SHODV SHVVRDV PHQVDJHQV YDORUHV TXH a frequentam. Sem isso, e a despeito da materialidade com que se impõe aos nossos sentidos, a UHGHpQDYHUGDGHXPDPHUDDEVWUDomR´ S $SURGXomRGDVUHGHVRFRUUHDSDUWLUGHWUrV PRPHQWRV XP SHUtRGR FKDPDGR ³SUp-PHFkQLFR´ HP TXH HVWDV HVWDYDP Vubordinadas aos ditames naturais; um segundo momento, no qual predomina o desenvolvimento das técnicas necessárias; e um terceiro momento, em que sua estruturação se encontra ancorada nas forças da natureza dominadas pelo homem e pelos objetos técnicos específicos criados para sua existência, sendo materializada, principalmente, por seus pontos.

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Por conta de sua implantação no território, ocorrem impactos na estruturação das UHJL}HV6DQWRVPHQFLRQDDDOWHUDomRGRVWHPSRVWRUQDGRV³UiSLGRV´QRVORFDLVDWingidos pelas redes ± ORJRPDLVFRQHFWDGRVHLQWHJUDGRVTXHRVQmRDWLQJLGRVRQGHRWHPSRVHULD³OHQWR´ Além disso as redes têm atuação espacial seletiva, reforçando as heterogeneidades regionais. Elas não são, ainda, uniformes, estando mais densamente concentradas em alguns espaços. São, finalmente responsáveis por uma dialética dos territórios, a partir das diversas formas de relacionamento propostas por processos na escala global e local (aqui pode-se remeter a análise, QD VHomR DQWHULRU GRV HVSDoRV ³DOLHQDGRV´ FRQWURODGRV SRU FHQWURV GH JHVWmR H[WHULRUHV H longínquos).

A partir do posto por Santos, é possível visualizar a ligação do pensamento deste autor com a análise anteriormente realizada especialmente da estruturação da agropecuária em nível global e regional, e as tenções que isto provoca. De sua análise é possível ainda extrair algumas das consequências negativas da forma como a reestruturação produtiva vem estruturando os espaços regionais, principalmente no que tange ao aumento das desigualdades regionais internas, o aumento da seletividade espacial e social e algo que se torna claro relembrando tanto o avanço metropolitano quanto a realidade do moderno agronegócio: o rompimento ou relativização da solidariedade local, em favor de lógicas globais de produção. Em uma ótica próxima da de Santos, Dias (1995) aponta para uma retomada, recente, da noção das redes, a partir dos atributos de instantaneidade e simultaneidade que estas possuem, fundamentais no momento atual de globalização. Na realidade, as redes são revalorizadas pela questão dos fluxos, já que as redes permitem sua materialização. São valorizadas as propriedades de conexão das redes, e, principalmente, os nós de articulação, que cumprem, no atual momento, o papel de gestão dos fluxos (logo, acumulam poder). Por tal lógica, pode-se pensar numa menor valorização do espaço ao redor das redes, porém Dias refuta tal tendência ao apontar que características próprias do espaço (não apenas a distância) são primordiais na localização das atividades e mesmo dos nós de controle e gestão. Ela reafirma a tendência seletiva, desigual e causadora de heterogeneidades das redes, apontando, sobre a relação global-local uma contradição: as redes são fundamentais, na escala global, à organização da produção; localmente, atuam na desorganização dos espaços produtivos, aí impondo as lógicas globais.

Desta forma, a análise de Dias reafirma o caráter altamente seletivo das redes, especialmente nos locais onde os meios técnicos são instalados para seu funcionamento. Assim, se reproduz o que Dias chama de desorganização local. Há aqui um claro diálogo com a ideia de local-global exposto por Santos. Por outro lado, há uma análise muito similar da questão dos

efeitos no espaço-tempo: o tempo mais comprimido corresponderia aos tempos rápidos, onde as redes atuam, em oposição aos espaços lentos, onde suas redes técnicas não alcançam. Dias afasta, ainda, ao reafirmar o espaço como algo além da ideia de distância, como este é revalorizado pela questão das redes e fluxos, seja pelo papel estratégico que desempenha na localização da produção e dos nós de gestão, seja pelos efeitos contraditórios da atuação das redes em âmbito local/ regional.

Em uma análise que enfatizava, por outro lado, a importância dos fluxos no espaço, Manuel Castells (1999) propõe uma teoria do espaço a partir da questão dos fluxos, no período da chamada Era da Informação. Ele retoma muito do pensamento, já apresentado, de Sassen acerca das cidades globais. Castells considera, assim, uma nova realidade espacial de organização do capitalismo: a descentralização dos centros produtivos dos principais centros, a retenção das funções de gestão nas principais cidades, a permanência das grandes metrópoles como nós de gestão do capital. Daí advém o que chama de teoria do espaço de fluxos: os fluxos não seriam apenas uma forma de organização social, mas a expressão de processo que dominam a organização da sociedade atual: ³RHVSDoRGHIOX[RVpDRUJDQL]DomRPDWHULDOGDVSUiWLFDV sociais de tempo compartiOKDGRTXHIXQFLRQDPSRUPHLRGHIOX[RV´ S 2VIOX[RVVHULDP as sequências de intercâmbio entre posições desarticuladas, a partir dos diversos atores no espaço. Para existirem, os fluxos demandam três camadas de suportes materiais: a primeira é determinada pelo circuito de impulsos eletrônicos; a segunda, pelos nós e centros de comunicação; a terceira, pela organização das elites gerenciais dominantes. Castells aponta, ainda, que o espaço de fluxos não é a única lógica espacial do período atual, mas é a mais importante delas.

A análise de Castells concorda com Santos e Dias, na medida em que considera os fluxos (e as redes, por consequência) como mais de âmbito político que propriamente um dado técnico, ou uma forma técnica de organização da sociedade. Por outro lado, sua leitura do espaço parte da premissa da inserção das cidades globais nos nós de competição da economia globalizada, o que, de certa forma, torna a região um item meramente acessório às principais cidades, que as organizam para tornarem-se mais competitivas. Na realidade a maior parte do que se viu até o momento caminha no sentido oposto: não se verifica uma solidariedade regional ou local, no sentido da inserção de toda a região, mas tão somente de alguns de seus espaços, de forma seletiva, ao passo que todo o resto se torna XPLPHQVRHVSDoR³RSDFR´H[FOXtGRQRV dizeres de Santos.

Este tema dos fluxos é também tratado por Santos (1988), em sua conhecida formulação sobre os fixos e os fluxos, na qual propõe que o próprio espaço é formado por um

VLVWHPDGHIL[RVHIOX[RV³QyVWHPRVFRLVDVIL[DVIOX[RVTXHVHRULJLQDPGHVVDVFRLVDVIL[DV IOX[RVTXHFKHJDPDHVVDVFRLVDVIL[DV7XGRLVVRMXQWRpRHVSDoR´ S 1HVWHFRQWH[WR RV IOX[RV ³VmR R PRYLPHQWR D FLUFXODomR H DVVLP HOHV nos dão também a explicação dos IHQ{PHQRVGDGLVWULEXLomRHGRFRQVXPR´ S 2VIOX[RVVmRIXQGDPHQWDLVQRHQWHQGLPHQWR das diferentes fases da realização capitalista, notadamente a circulação, a distribuição e o consumo. Além disto, os fluxos são os responsáveis por atribuir valor aos objetos técnicos postos no espaço, os fixos. Santos aponta, ainda, que no momento atual, dadas as urgências de acumulação, a circulação tem sido muito valorizada, aumentando a importância dos fluxos. Desta forma, Santos, assim como Castells, aponta para os fluxos como um dos elementos essenciais para o entendimento da produção do espaço atual. Este seriam no seu entender, algo mais amplo do que apenas a circulação de pessoas, bens e informações, mas responsáveis mesmo pela atribuição de valor e sentido aos objetos técnicos, os fixos. Por outro lado, os fixos, para poderem ocorrer, demandam uma base material, sendo útil avançar no sentido de uma teorização acerca dos meios técnicos que possibilitam as redes e seus fluxos existirem, o que inicia o encaminhamento do debate para uma perspectiva possível sobre os eixos.

É assim que a discussão retoma outra contribuição de Santos (1996), sobre os sistemas técnicos. O autor aborda uma evolução no tempo dos diferentes instrumentos utilizados pelo homem, chegando ao momento atual, dos autômatos. Neste sentido, para entender a técnica, é necessário associá-la a ideia de um sistema, já que não se pode entender XPDWpFQLFDIRUDGRWRGRDRTXDOHODSHUWHQFH$VVLP³DVWpFQLFDVFRQVWitutivas do sistema são LQWHJUDGDVIXQFLRQDOPHQWH´ S 2VVLVWHPDVWHQGHPDHYROXLUFRPRWHPSREXVFDQGR coerência com seus elementos internos (materiais e sociais). A partir da evolução na ciência e das técnicas de produção surgem os macrossistemas técnicos, responsáveis pela produção das grandes obras, existindo também os microssistemas técnicos, em escala menor.

Retomando, por outro lado, debate posto por Santos acerca das redes, pode-se resgatar o que ele chama de imperativo da fluidez. Para a estruturação das redes há a necessidade da criação de objetos e lugares próprios para o aumento da fluidez. A fluidez é um atributo relativo, já que deve ser sempre estimulada e se incorpora no valor dos objetos e lugares. Há, desta forma, a necessidade de ³VXSULPLU WRGR REVWiFXOR j OLYUH FLUFXODomR GDV mercadorias, da informação e do dinheiro, a pretexto de garantir a livre-concorrência e DVVHJXUDUDSULPD]LDGRPHUFDGRWRUQDGRXPPHUFDGRJOREDO´ S 

Desta forma, ao descrever o tema dos sistemas técnicos, Santos aponta para sua coesão interna como algo fundamental no entendimento de sua imposição ao território. Tal

coesão, como se viu, é fundamental na garantia da fluidez, imperativo quase absoluto no momento produtivo atual. Analisando de forma específica o tema da fluidez, é possível ir se aproximando de um dos focos do trabalho, o tema dos eixos rodoviários. Eles são, desta forma, fundamentais ao imperativo de fluidez do momento de produção atual do capitalismo, incorporando as características próprias do sistema técnico ao qual pertencem.

Outro autor que busca compreender as demandas de fluidez sobre o espaço é David Harvey (2013). Em sua análise o espaço é elemento essencial na realização do capital, na medida em que este é obrigado a ajustar o espaço no sentido de acelerar o tempo de acumulação e expandi-lo $ SDUWLU GH VXD ³WHRULD GR DMXVWH HVSDFLDO´ +DUYH\ DSRQWD SDUD D FRQVWDQWH necessidade do capital de moldar o espaço de acordo com suas necessidades, tornando-o essencial. Especificamente sobre a circulação, o tema dos transportes (e de suas condições de realização) são tratadas quando o autor aborda a circulação de mercadorias. As mercadorias contêm, em seu preço, os custos socialmente necessários para seu transporte, sendo a velocidade considerada um fator essencial no processo, incorporada no valor das mercadorias. Para que tal coisa ocorra, o capital é obrigado a modernizar e ampliar a rede de infraestrutura existente. A questão é que esta, uma vez posta no espaço, torna-se rígida e vulnerável à desvalorização local. Daí a necessidade quase incessante da produção de novas estruturas.

O proposto por Harvey guarda importantes relações com a perspectiva de Santos, colocada, por outro lado, a partir da necessidade de retirada dos obstáculos do capital ao aumento do acúmulo do capital, a partir da redução do tempo de sua realização. Se Santos fala no imperativo da fluidez, Harvey trata o tema a partir de imperativos maiores do capital, ligados à ideia de compressão do tempo pelo espaço.

É assim, que, a partir das visões propostas nesta seção, pode-se compreender o tema das redes como uma forma de organização da sociedade e do espaço que é específica e não totalizante, já que as redes são social e espacialmente excludentes. Sua estruturação, pode ser vista como a produção da base material linear das redes de circulação, estando ligadas por dois ou mais pontos e produzidas a partir dos imperativos dos fluxos no atual momento do capitalismo. Regionalmente, no atual momento de reestruturação produtiva, tem se mostrado altamente seletivas, re(des)organizando os espaços em que são implantadas, já que atendem a uma solidariedade organizacional distante, indiferente ao que se passa na escala local.

A partir desta discussão, é necessário, por fim, construir uma visão sobre os processos analisados e o modelo de região produzido, algo feito na seção seguinte.