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Reestruturação produtiva, metropolização e expansão metropolitana

3. REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E ESPAÇOS REGIONAIS: EXPANSÃO

3.1 Reestruturação produtiva, metropolização e expansão metropolitana

No contexto do crescente papel de atividades com base regional na acumulação, as facilidades provenientes da metrópole e o apoio de áreas urbanas tornam-se cada vez mais relevantes para alimentar o circuito produtivo territorializado. Assim, o interesse aqui recai sobre o processo de metropolização e de expansão metropolitana. A discussão, analisa as contribuições em torno da definição destes processos, bem como algumas perspectivas mais recentes que tem analisado o tema da metrópole em conjunção com o da região.

Desta forma, em uma primeira aproximação, George e Verger (1970, p. 272) definem o processo de metropolização da seguinte forma:

³'\QDPLTXH VSDWLDOH IRQGpH VXU OH GpYHORSSHPHQW GHV YLOOHV-métropoles et des grandes villes associées dans des réseaux urbains de plus en plus étendus. La métropolisation est favorisée par le développement de communications et des pFKDQJHV(OOHV¶LQVFULWGDQVOHSURFHVVXVGHPRQGLDOLVDWLRQHWG¶LQWHUFRQQH[LRQVGHV économies"

O conceito proposto por George e Verger aponta no sentido de compreender a metropolização a partir do desenvolvimento de uma (ou das) cidade(s) metropolitana(s). Assim, atrela-se a perspectiva de metropolização à de desenvolvimento, que, pela complementação do conceito proposto tem ligação com os fluxos econômicos ou com a associação com redes de cidades. Curiosamente, não se anuncia a metropolização a partir da expansão de uma cidade, mas principalmente do crescente papel de importância que tal objeto espacial, a metrópole, adquire nas redes e na economia como um todo. Essa ausência, de certa forma, enuncia uma tensão comum em torno da perspectiva da metropolização e da expansão metropolitana: a metropolização acaba encarada a partir das funções assumidas pela cidade que vai se transmutando em metrópole; a expansão metropolitana como consequência disso (ou como a causa da assunção de novas funções, a depender da visão).

'DGD HVWD ³GXDOLGDGH´ DQXQFLDGD GHQWUR GD *HRJUDILD 7HRUpWLFD-Quantitativa, autores como Brian Berry e Frank Horton (1970) se associam a uma perspectiva da metropolização a partir das funções assumidas pelos aglomerados urbanos. Assim, ao analisarem o critério dos EUA para identificação das metrópoles, apontam para a existência de um espaço urbano cuja principal característica reside na função (ou nas diversas funções) que executam. Há uma primazia do papel econômico da cidade para que seja assim reconhecida como metrópole, além de outros fatores como a mobilidade e as comunicações internas. Desta forma, a metropolização é claramente o processo de ascensão nas hierarquias urbanas, a partir da assunção de novas funções. Ainda nesta perspectiva de valorização da função exercida pelas metrópoles, e já percebendo suas tendências de interdependência em nível global, Peter Hall (1966) disserta sobre as cidades mundiais. Estas apresentam características como: centros do poder político; centros de comércio; existência de importantes equipamentos que operam em lógica global, como os grandes aeroportos; presença de mão de obra altamente qualificada. Há aí também a concentração de riqueza, com a moradia do extrato mais rico do planeta. Tudo isto

faz com que tais cidades tenham influência não apenas regional ou nacional, mas sejam elementos-chave na política, economia e espaço globais.

A conceituação proposta por estes autores reside claramente na associação metrópole com a função exercida, relativizando o peso do tamanho da metrópole, de sua extensão e da integração e partilha de serviços (sem falar da questão dos movimentos pendulares). Neste sentido, joga peso excessivo na questão da rede urbana e nas funções aí exercidas, e menos nos processos e fatos espaciais concretos que formam os espaços metropolitanos. Obviamente que, à medida que os espaços urbanos assumem tais funções de controle, há a tendência de crescimento, mas este talvez demande melhor consideração.

Nesse grupo de autores, a principal contribuição que irá enfatizar o tema da extensão do processo metropolitano será a de Jean Gottman (1959), ao abordar a ideia de ³PHJDOySROH´7DOFRQFHLWRUHIHUH-se a uma ampla região urbanizada, caracterizada por sua excepcionalidade quanto ao tamanho e quanto aquilo que ele chama de pioneirismo. Esta última característica estaria ligada à perspectiva de que outros espaços urbanos assim se conformassem, no futuro (sua análise é focada no nordeste americano). Ainda que não considere a questão da metrópole a partir de sua característica de extensividade, ele transfere tal conceito para a perspectiva de uma ampla região metropolizada. Pode-se considerar, de certa forma, uma polarização com a perspectiva puramente funcional, muito comum aos geógrafos da escola quantitativa-teorética.

Assim, ao propor enormes regiões metropolizadas, Gottman inicia a consideração da possibilidade da extensão do fenômeno urbano como algo importante. Algumas visões mais recentes têm ligação com esta análise que enfatiza o tema das funções exercidas pelas metrópoles, principalmente aquelas ligadas aos estudos da sociedade em rede e das cidades globais.

Estes estudos têm sido conduzidos, principalmente, por Manuel Castells (1999) e Saskia Sassen (1991). Estes enfatizam o terciário e o papel de gestão do capital das principais metrópoles mundiais. Suas análises centram-se no novo perfil de localização das atividades econômicas e no papel que as cidades exercem neste processo. Analisando a questão posta entre a tendência de concentração e dispersão das atividades econômicas no período atual, Castells aponta (assim como Sassen) para a tendência de dispersão das atividades que exigem menor qualificação e a concentração dos centros de poder e de negócios (e das atividades demandantes de maior qualificação) nas principais cidades do planeta. Surge daí uma hierarquia entre estes principais pontos, que se colocam no período atual como nós do espaço de fluxos que vai se formando. Já Sassen acrescenta ainda que nestes principais centros de gestão do capital em rede

tendem a se localizar as sedes das principais corporações transnacionais e de serviços associados às suas necessidades, como o setor financeiro, representado pelos grandes bancos e bolsas de valores. Este quadro é criado pela economia em sua fase globalizada (em um contexto de ampla desregulamentação, para favorecer a internacionalização do capital e a especulação), com a emergência de novos atores como as corporações multinacionais, os mercados financeiros globais e os blocos internacionais de comércio.

Mais recentemente Sassen (2007) propôs, uma outra perspectiva, as ³PHJDUUHJL}HV´(VWDVVXUJHPFRPRXPDGDVQRYDVIRUPDo}HVHVSDFLDLVGHVWHSHUtRGRTXHWHP como característica a sua diversidade interna, sendo marca disto a mescla das escalas urbanas e regionais aí dentro. Estas agregam a economia de aglomeração de diversas escalas, tornando- as atrativas, por exemplo, a setores que enviaram parte de suas unidades produtivas para pontos de outros territórios. Sassen aponta para algumas tendências destes espaços, como a multipolaridade e a dispersão geográfica dos espaços de moradia.

Os trabalhos destes dois autores dão ênfase, assim, ao formato pelo qual os espaços urbanos se inserem nos nós da economia globalizada, notadamente como espaços de gestão. Os espaços produtivos imediatos (especialmente na região próxima) e a expansão metropolitana deixam de ter maior importância em sua análise, cujo foco recai sobre o espaço em rede, nos quais as principais cidades se põem como seus nós.

Perspectivas que valorizam mais claramente os espaços produtivos próximos às metrópoles e o processo de expansão do tecido metropolitano que eles engendram encontraram grande campo de análise na tHRULDPDU[LVWD³FOiVVLFD´VREUHDH[SDQVmRPHWURSROLWDQD8PD primeira contribuição é dada mesmo por Harvey (1973) ao analisar que o processo constitutivo dos espaços urbanos, em sua gênese, era a acumulação dos excedentes produzidos no campo que esta cidade dominava. Ampliada em escala quase global, esta dinâmica serviria para explicar, em partes, a expansão mais recente dos enormes espaços metropolitanos. Esta perspectiva subsidiou muito da análise clássica do marxismo em Geografia, tanto da expansão metropolitana como da organização das regiões a partir da dominância da cidade principal.

Nesta seara, outra importante contribuição é dada por Soja (1993). Ele aborda quatro formas urbanas: cidade mercantil, cidade industrial de livre concorrência, do monopólio empresarial e a administrada pelo Estado fordista. Nesta última fase ocorre o que Soja chama de metropolização expansiva. Nela ocorre a ocupação de áreas suburbanas e recintos privados SHOD FODVVH GRV FKDPDGRV ³FRODULQKRV EUDQFRV´ 1R FHQWUR SHUPDQHFHP DOJXQV VHWRUHV industriais, setores de livre concorrência, órgãos do Estado e as sedes de empresas. Os imóveis de caráter residencial perdem valor nestas regiões, o que, frequentemente, enseja a realização

GDVRSHUDo}HVGH³UHYLWDOL]DomRXUEDQD´SHOR(VWDGRTXHYLVDP³UHFXSHUDU´DViUHDVFHQWUDLV No entanto, por conta do papel do Estado na administração dos conflitos e na regulação econômica, o modelo entra em declínio a partir da década de 1970. Com a derrocada do modelo da metropolização expansiva, Soja aponta algumas tendências atuais do processo mais recente de reestruturação da forma urbana: aumento da centralização e concentração do capital, na mão de enormes conglomerados empresariais; a integração entre atividades industriais, serviços e pesquisa que tem alargado espacialmente os sistemas produtivos, realocando-os; a aceleração da mobilidade espacial da indústria, aumentando a concorrência territorial; mudanças nas divisões regionais do trabalho, com novos complexos industriais territoriais.

Apesar do modelo de Soja avançar desde o modelo inicial da cidade mercantil até os indícios da metrópole afetada pela globalização, uma limitação de seu modelo é o fato de ele prever uma evolução quase linear das cidades, além de tomar por base a ocorrência de alguma industrialização ± isto dificultaria, por exemplo, tomar tal base teórica para compreensão do caso de Brasília. A perspectiva da metropolização expansiva atende claramente ao ocorrido em termos de metropolização nos Estados Unidos, com a migração de parcelas da população de mais alta renda para o subúrbio ± no Brasil, esta tendência ainda não é comum em todas metrópoles brasileiras, apesar de seu crescimento. Como anteriormente dito, Soja incorpora em seu trabalho a dimensão extensiva da metropolização e da expansão metropolitana, não a pressupondo a priori a partir da evolução e do acúmulo de funções urbanas.

Outro conceito a abordar tal situação é a perspectiva de cidade-região, proposta por Scott et al (2001). Estes autores partem de uma perspectiva de desenvolvimento regional que aponta maior protagonismo das regiões no processo de desenvolvimento capitalista, já que a questão da proximidade favorece a troca de informações, bens e serviços entre as empresas. Isto relativiza a visão das redes, havendo um resgate da organização regional e da localização dos espaços produtivos, não apenas dos de comando (STORPER; SCOTT, 1992; SCOTT, 1992). A partir disto, na perspectiva da cidade-região, as metrópoles contemporâneas mantem não apenas a primazia da gestão do capital, mas são referência em termos gerais para o planeta, já que tende a ocorrer uma forte associação entre a cidade e seus espaços produtivos imediatos. Espacialmente, vai se formando uma região de ocupação difusa, em que a figura de um centro único ± TXHHUDSUySULRGHXPDDQiOLVHDQWHULRURXGRPRGHOR³IRUGLVWD´± perde-se, na medida em que outros centros vão se formando. Entre outros fatores, esse próprio espraiamento das atividades fica responsável pela produção destes novos centros.

3Uy[LPDDHVWDYLVmRHVWiRFRQFHLWRGH³XUEDQL]DomRUHJLRQDO´proposto por Soja (2013). Na perspectiva original da pós metrópole, Soja a situava como algo além da metrópole

clássica, que seria um estágio deste processo histórico, surgido, principalmente, após a terceira revolução urbana, tendo como característica fundamental sua notável concentração (de atividades e pessoas). Soja defende DRFRUUrQFLDGHXPD³Qova fase de urbanização regional PXOWLHVFDODU´  S   TXH VH WRUQD HYLGHQWH D SDUWLU GH DOJXPDV GLQkPLFDV refuncionalização e reconfiguração dos espaços de antigas periferias metropolitanas; perda dos limites das antigas metrópoles, a partir de dinâmicas multiescalares ± além da participação em dinâmicas de diversas escalas, ocorre na grande metrópole a convergência escalar. Daí se poder falar em uma mistura das escalas urbana, metropolitana e regional subnacional.

A perspectiva da cidade-região e da urbanização regional enfatizam, de forma mais FODUDVDTXDVH³VLPELRVH´H[LVWHQWHHQWUHDFLGDGHHVXDUHJLmRLPHGLDWDDSDUWLUGDH[WHQVmR em enorme escala do processo metropolitano. Há uma confusão dos enormes espaços urbanizados com a própria região. Soja aí aponta a importância da interescalaridade dos SURFHVVRV TXHHVWiQDUD]mRGHVWD³VLPELRVH´ EHPFRPRGDFRQYHUVmRGDVHVFDODVQDFLGDGH a perspectiva da cidade-região desenvolve o tema frente ao processo de globalização, pontuando a importância da região no processo. Por outro lado, tal perspectiva parece descrever a realidade dos enormes aglomerados urbanos em torno das principais metrópoles do mundo, reportando-se a uma situação singular.

Finalmente, Mark Gottdiener (1997) de ligação com a perspectiva da produção social do espaço, aborda o tema da expansão das metrópoles a partir da ideia da metrópole desconcentrada. Esta é consequência do contexto do capitalismo tardio, cuja uma das consequências é a ocupação mais desconcentrada dos espaços metropolitanos, dado por alguns fatores: a pressão exercida sobre a cidade pelas modificações causadas no campo pelo capitalismo tardio; a atuação do capital imobiliário na busca pela captura de mais-valia em outros pontos do espaço, demandando a expansão das cidades. Este contexto específico do capitalismo tardio tem como uma de suas tendências, no âmbito metropolitano, a mudança centrífuga de pessoas, comércio e indústrias para o subúrbio, e a mudança, para o caso das metrópoles dos EUA. Especificamente sobre a desconcentração, Gottdiener argumenta que a maior parte deste processo de mudança de localização foi puxado pelas habitações, não obrigatoriamente por uma relocalização da indústria ou do comércio. Nisto influenciou a atuação do capital imobiliário, atuando em conjunto com o Estado, abrindo novos espaços e tornando a metrópole mais fragmentada. Já as atividades econômicas, ao se moverem, não tornam o centro principal necessariamente decadente e vazio, já que há uma manutenção dos empregos no centro principal com incremento de novas ocupações nas periferias.

A proposta de Gottdiener (que analisa mais uma tendência de produção das metrópoles de forma desconcentrada a partir das características espaciais do capitalismo tardio) DSRQWDKDYHUXPD³FHQWULIXJDomR´GDSRSXODomRQXPSULPHLURPRPHQWRLPSXOVLRQDGRSHOD DWXDomRGHDJHQWHVFRPRRPHUFDGRLPRELOLiULRTXHDFDEDQXPVHJXQGRPRPHQWR³SX[DQGR´ as atividades econômicas. Gottdiener considera, assim, a importância do processo de expansão metropolitana e o articula ao tema das funções, ao considerar que o centro retém as funções principais ao mesmo tempo em que se expande fisicamente. Na prática, a visão apresentada busca ser um diálogo de duas dimensões que operam em escalas conjuntas, mas as quais a análise tem separado: o papel funcional das metrópoles com a sua extensão física.

A partir da polarização arguida em torno da metropolização (função) e da expansão metropolitana (expansão física), é necessária a busca de um conceito que encaixe as duas dimensões. A partir das perspectivas teóricas analisadas, a perspectiva da urbanização regional de Soja e da metrópole desconcentrada, de Gottdiener, aparentam ser as que melhor lidam com esta necessidade. Isto porque em ambos os conceitos pode-se visualizar que a contradição entre o processo de metropolização e expansão metropolitana é apenas aparente: eles são o subproduto de um processo maior, a saber, a inserção das metrópoles no processo produtivo e de comando do capitalismo global. Desta forma, em uma acepção mais ampla, pode-se mesmo definir a metropolização como este duplo processo: em sentido estrito, remete-se ao processo de densificação funcional e ascendência nas hierarquias urbanas; em sentido mais amplo, abarca um processo obrigatório de expansão de seus espaços em direção ao espaço rural circundante, que tende a ser incorporado a partir de dinâmicas, inicialmente do mercado imobiliário. Esta expansão se manifesta ainda a partir da partilha ou integração de serviços comuns e com a criação de mercados de mão de obra expandidos em torno de um grupo de atividades econômicas que estrutura a cidade/ metrópole.

A análise mostrou a questão da expansão metropolitana e da metropolização, entendendo tais processos como um dos produtores do espaço regional crescentemente globalizado. Observou, também, que o tecido urbanizado tende a fragmentar-se e expandir-se sobre áreas rurais, formando franjas metropolitanas heterogêneas. Articulando-se, por meio do mercado de insumos e da força de trabalho, a áreas urbanas e metropolitanas, outro vetor da organização espacial regional tem sido a expansão da agropecuária moderna, a partir de sua associação com a reestruturação produtiva.