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Os neomarxistas: globalização, arquipélagos fraturados, relações sociais e região como

2. A REGIÃO E SUA DISCUSSÃO: DA CLASSIFICAÇÃO DE ÁREAS À

2.3 Os neomarxistas: globalização, arquipélagos fraturados, relações sociais e região como

Os chamados neomarxistas retomam o tema da região a partir de um viés crítico, em um contexto histórico posterior ao dos anos 1980, em que, por conta do avanço do neoliberalismo (entre outros fatores), houve teóricos (marxistas, inclusive) que proclamavam a ³PRUWH´ GD UHJLmR 7UDWD-se da ideia de que as diferenciações do espaço tornar-se-iam irrelevantes, em função de um capital global que torna tudo homogêneo. Há, nos neomarxistas, um resgate do tema da região, porém com avanços que incorporam efeitos de dinâmicas territoriais contemporâneas, especialmente o valor da região na globalização: a maior parte das formulações recentes parte da perspectiva de uma região fragmentada. Os principais expoentes deste grupo são Michael Storper (1997), Allan Scott, John Agnew, Edward Soja e Storper (2001), Pierre Veltz (1996) e John Allen, Doreen Massey e Allan Cochrane (1998).

Storper (1997) possui uma perspectiva sobre a definição de região baseada fortemente na economia, apontando ele para uma retomada e revalorização do ente regional nas últimas décadas. Assim, a região se caracteriza a partir das relações que estabelece. A economia regional seria, desta maneira, regida por uma trindade santa, composta pela tecnologia, pelas organizações e pelos territórios. Além das relações, as regiões são ainda definidas a partir das convenções estabelecidas entre os atores, estas não sendo necessariamente convenções formais, mas um quadro de ações em comum esperadas quando ocorrem as interações. O papel das relações e das convenções é reforçado pelo entendimento da atual fase do capitalismo por Storper, que considera como sua principal característica a questão da reflexividade. Tal termo pSRUHOHGHILQLGRFRPR³the possibility for groups of actors in the various institutional spheres of modern capitalism ± firms, markets, governments, households, and other collectivities ± to shape the course of economic evolution´ S   As regiões são delimitadas a partir da associação entre as tecnologias e as organizações junto ao território, que produzem espaços regionais diferenciados (já que o modo de associação é próprio de cada região). Vão se formando, assim, coerências regionais próprias nos diversos espaços. A região, desta forma, em sua perspectiva, é organizada e estruturada a partir das relações existentes nos diferentes espaços globais. Ocorre um processo local de associação entre organizações e suas tecnologias (que se personificam, obviamente, em instituições que produzem tais tecnologias) e destas com o território que ocupam, que resulta na produção de regiões econômicas disponíveis ao desenvolvimento do capitalismo reflexivo.

A perspectiva de Storper aponta para a grande influência da globalização nos processos de formação das regiões. Já apresentando uma perspectiva mais flexível sobre o tema, ele vê na associação da tecnologia com o território o elemento essencial na diferenciação dos espaços que leva ao processo de regionalização. A ligação com o tema da tecnologia permite associar justamente os processos à globalização, apesar de ele não apontar para a tendência de homogeneização dos espaços regionais. A região é vista como unidade essencial de associação e organização dos diversos atores no sentido de torná-la competitiva em nível global.

Scott et al (2001) buscam uma aproximação da temática urbana com a regional. Na realidade, a perspectiva apresentada não busca especificamente uma delimitação sobre a natureza da região, limitando-se a afirmar a importância das chamadas cidades-regiões globais como motores do desenvolvimento econômico do capitalismo atual. Pode-se depreender, destes autores, a ideia de que a região (e por extensão o território) é fundamental ao desenvolvimento do capitalismo globalizado, especialmente a partir das relações econômicas internas às regiões. Estas não ocorrem de forma homogeneizada, a partir do interesse da cidade (não é ratificada a ideia da cidade que controla totalmente sua região), mas estabelecem-se no sentido de promover toda a região como mola do capital. A região é, desta forma, organizada e estruturada, a partir das relações econômicas nela existentes. Os autores consideram ainda o papel elementar das identidades internas existentes e da tendência ao aumento das desigualdades internas nestas regiões (já que a teia de relações aí existentes é afetada pelo processo de concorrência capitalista).

A perspectiva apresentada por este grupo de autores tem forte ligação com a analisada anteriormente, na medida em que as regiões são produzidas a partir da sua dinâmica econômica interna. Em comum com Scott há a perspectiva de que a região é um elemento fundamental do processo de globalização, na perspectiva de se distanciar das perspectivas do ³ILPGDUHJLmR´± como no caso de Oliveira. Na realidade, a perspectiva destes autores avança ao apontar a associação da cidade com sua região como escala fundamental do desenvolvimento do capitalismo no momento atual. Entretanto, essa realidade parece ainda muito circunscrita a algumas metrópoles que se expandem por vastas porções do território, em geral nos principais QyV GD JHVWmR GR FDSLWDO $OpP GLVWR HVVD ³DVVRFLDomR´ WHUULWRULDO SURSRVWD QHP sempre é homogênea e, como se verá, é carregada de fissuras e desigualdades internas, com espaços mais e menos incluídos.

Em uma contribuição que busca também analisar o novo papel das cidades nas regiões ± e que acaba por trabalhar este conceito ± há a contribuição de Pierre Veltz (1996). Ele parte de um contexto em que considera uma economia de arquipélagos: em oposição ao

modelo clássico de compreensão da economia de forma extensiva, ele propõe entender a espacialização da economia a partir de uma geografia muito mais complexa, em que se combinam diferentes tipologias: as pontuais (polos), as matriciais (redes) e a zonal. Veltz fala nas micro desigualdades e em territórios cada vez mais fraturados, impondo uma noção de região na qual prevalecem mais suas heterogeneidades que suas homogeneidades. Tal ideia fica ainda mais clara em sua defesa sobre a questão da pertinência da relação espacial em centro- periferia, advogando por sua pertinência: ³OHUpVXOWDWHVWTX¶DXOLHXGHV¶RSSRVHUJOREDOHPHQW SDU JUDQGV EORFV OHV FHQWUHV HW OHV SpULSKpULHV WHQGHQW DXMRXUG¶KXL j V¶LQWHrpénétrer, à V¶LPEULTXHU OHV XQV GDQV OHV DXWUHV´ (p. 65). Tais descontinuidades e imbricações ocorrem porque há uma nova relação entre horizontalidades e verticalidades, que permite falar em um território-rede e em um território-zona (os dois não são excludentes, especialmente a partir da relação da cidade com a região). Desta forma, a definição ou identificação de um espaço regional torna-se algo cada vez mais complexo, uma vez que a perspectiva de continuidade e de regiões mais rígidas se torna algo com menor base na realidade. Estas são um espaço de relações complexas, onde dinâmicas locais e exteriores atuam. Daí a apropriação da metáfora dos arquipélagos: há uma realidade de processos espaciais em formatos puntiformes, zonais ou em eixos e redes que se superpõem.

A análise proposta por Veltz, desta forma, se opõe à perspectiva dos autores anteriormente expostos nesta seção. Isto porque neles permanecia a tendência de consideração da região como algo fechado, delimitado seja pela relação da tecnologia com o território, seja da cidade que se espraia por uma região. O conceito aqui torna-se aberto a consideração de lógicas contínuas ou não nos espaços regionais, fazendo com que mesmo a concepção de uma única região seja difícil de se manter. Abre-se, desta forma, a possibilidade de crítica das regiões estáticas, muitas delas comuns ao planejamento regional, ao passo que se torna possível analisar estas a partir de lógicas múltiplas que aí atuam.

Em uma visão muito próxima da de Veltz está o trabalho de Allen et al (1998), no estudo da região londrina (especificamente do sudeste inglês). Parte-se da premissa de que o espaço social somente pode ser compreendido a partir das relações sociais que são estabelecidas em torno de sua produção. Neste sentido, a ideia de região advém justamente disto: uma região é definida, essencialmente, pelas relações sociais que ela mantem, seja interna ou externamente. As diversas relações possíveis criam, desta forma, diversos formatos para a superfície, relativizando a ideia de uma região única, uma zona homogênea de características únicas ou diferenciadas. Daí surge também a explicação das desigualdades próprias das regiões: elas baseiam-se nas desigualdades próprias das relações sociais. As regiões são, assim, delimitadas

justamente pelas relações sociais que as produzem, a extensão que elas se dão no território. Por outro lado, os autores consideram a questão identitária envolvida na produção das regiões. Como a política é também uma relação, torna-se possível validar e justificar a existência das regiões de planejamento típicas do Estado. As regiões são passíveis de mudanças, dado que as relações sociais também mudam com o tempo.

Esse modelo de conceituação das regiões leva a algumas importantes consequências: primeiro, a definição dos espaços regionais torna-se praticamente ilimitada, VHQGRTXHRVSDGU}HVGH³FULDomR´GHXPDUHJLmRILFDPPDLVOLJDGRVjLQWHUFRQH[mRGDVUHODo}HV sociais do que as diferenças em relação aos espaços vizinhos; tal conceito permite ainda pensar ePUHJL}HVQmRFRQWtQXDVRXPHVPRQDLGHLDGHUHJL}HVFRP³EXUDFRV´GDGRTXHH[LVWHP diversas relações em andamento em um determinado recorte regional; independentemente do critério adotado para a regionalização, haverá sempre uma tendência à desigualdade e descontinuidade internas.

Assim, os chamados neomarxistas convergem na perspectiva da importância da região e de seu resgate num momento em que muito se falava (especialmente na década de 1990) do fim da região. Sua discussão é expressiva em revalorizar a temática regional, havendo aqui continuidade com as análises dos marxistas clássicos: o espaço é fundamental à reprodução do capital, não apenas sua base física (em que pese o pensamento de Oliveira opor-se a isto). Dentro dos autores analisados, os primeiros posicionam-VHHPWRUQRGHUHJL}HVPDLV³UtJLGDV´ contínuas, organizadas por processos estruturantes claros; já as últimas advogam a ideia de regiões mais flexíveis, não necessariamente contínuas e produzidas por lógicas diversas.

Este grupo de autores, desta forma, avança para além da pura perspectiva da divisão regional do trabalho ou da dominação de uma região por outra. Eles conseguem abarcar processos mais diversos na formação das regiões, dialogando melhor com o fenômeno da reestruturação produtiva. Além disto, propõem uma análise em torno da região para além da questão da identidade e do cotidiano ± que são considerados, diga-se de passagem, por Allen et al ± e que busca compreender outras características e, principalmente, outros processos espaciais.

Uma última visão, importante para o tratamento do tema regional, especialmente SDUDRWHPDGHUHJL}HV³RILFLDOPHQWH´FULDGDVpSRVWRSRU+DHVEDHUW  (VWHDXWRU propõe uma outra forma de lidar com a questão regional, considerando-a como um artefato. O próprio nome contem a síntese da ideia: por um lado, a região é vista como um artifício, como uma criação da sociedade seja pelos fatores próprios da identidade, ou mesmo por outros interesses

como as políticas públicas; por outro lado, há a consideração dos fatos espaciais, das realidades naturais e sociais já postas e que precisam ser consideradas no momento da regionalização.

Assim, o processo de regionalização visa comportar tanto a perspectiva do zonal com o reticular, do imaginado com o real. A proposta tem alto caráter de síntese, e, até certo ponto, de conciliação entre uma visão anteriormente muito baseada nos caracteres do espaço e as mais atuais que enfatizam mais claramente as relações (econômicas ou sociais) aí estabelecidas. A regionalização proposta por Haesbaert considera ainda fundamental a questão das descontinuidades espaciais (como já posto por Veltz e Allen et al) e também das múltiplas escalas nas quais se dão os fenômenos espaciais.

Desta forma, a questão em torno da região com o todo encontra ligação a partir das diversas escalas nas quais os fenômenos espaciais se dão, não, havendo, na realidade, uma composição da região com o todo, mas de diversas escalas (infra e supra regionais). Vê-se, a partir disto, que a proposta converge em muito do que já fora exposto pelos autores neomarxistas; a grande diferença talvez esteja na busca de uma base material para a regionalização, algo somente visto de forma mais contundente no trabalho de Allen et al (1998).