democrática e participativa
O Grupo de Pesquisa Educação, territórios negros e saúde (ETNS)6 da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar) vem desenvolvendo na cidade e região de Sorocaba, desde a sua criação, projetos de extensão voltados a formação de profissionais da educação para a reeducação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Integrantes do ETNS consideram, concordando com Pereira, Cruz e Oliveira (2016, p. 68) que,
[...] a formação dos professores está sendo chamada a uma reorganização em termos de conhecimento, bem como em termos pedagógicos. Relevante ainda é o fato de que a reeducação das relações étnicorraciais, ao transformar uma demanda formativa num direito, faz surgir a necessidade e a possibilidade de rever um passado pedagógico marcado pela voz uníssona do eurocentrismo, para formar as novas gerações.
O município de Sorocaba, apesar de possuir grupos do movimento negro de forte atuação no campo da educação, a exemplo do Centro Cultural Quilombinho e do Núcleo de Cultura Afro-brasileira (NUCAB) poucas foram as ações de formação voltadas a profissionais da educação, em atendimento a política curricular de ação afirmativa até 2014. É neste sentido que o ETNS vem contribuindo, seja promovendo formação continuada na UFSCar - Sorocaba, seja provocando, cobrando e apoiando a Secretaria de Educação em relação a oferta de formação continuada de seus profissionais da educação para a implementação das DCNERER.
Em 2014 e 2015 foram desenvolvidos cursos de extensão na modalidade de Aciepes7 com o
objetivo de formar formadores de educadores para a reeducação das relações étnico raciais. O curso oferecido em 2014 contou com a participação de professores(as) da rede pública de Sorocaba e região, coordenadores(as) ou orientadores(as) pedagógicos ou de área (no caso da rede estadual). O curso oferecido em 2015 teve como público alvo prioritário diretores(as) e coordenadores(as) pedagógicos especialmente em razão das informações coletadas no curso oferecido em 2014 que confirmou a hipótese inicial do grupo relativa a ausência de cursos de formação oferecidos pelas Secretarias Municipais de Educação de Sorocaba e região, em atendimento as DCNERER.
Como pudemos verificar na pesquisa “Práticas Pedagógicas...” a importância da gestão democrática, a atuação da direção e da coordenação pedagógica, a articulação com as famílias somados ao conhecimento da legislação e o reconhecimento da sua importância, são fatores determinantes para a implementação e enraizamento das DCNERER e Art.26 A da LDB. Neste sentido, o curso oferecido em 2015 também atendeu as demandas de coordenadoras e/ou orientadoras pedagógicas que desejavam aproveitar o momento de elaboração dos Projetos Político Pedagógicos nas escolas do município de Sorocaba naquele ano, para colocarem em discussão a inserção das DCNERER. Esta demanda esteve fortemente influenciada pelo intenso debate em torno do Plano Municipal de Educação (PME) em Sorocaba. Em meio a críticas sobre a forma como a discussão e elaboração do
6Para saber mais sobre o Grupo de Pesquisa Educação, Territórios Negros e Saúde (ETNS) ver: www.etns.ufscar.br
7ACIEPES: atividades curriculares de integração ensino, pesquisa e extensão. É uma modalidade de atividade
curricular criada pela Universidade Federal de São Carlos, oferecida espontaneamente por docentes e/ou técnicos a partir de aprovação de edital interno. Para saber mais sobre ACIEPE ver: http://www.extensao.ufscar.br/site/menu-1/aciepe
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Laplage em Revista (Sorocaba), vol.5, n.Especial, set.- dez. 2019, p.71-82 ISSN:2446-6220 PME estava sendo conduzido, criou-se um Fórum Popular de Educação em que, dentre vários temas, discutiu-se a necessidade de garantir a implementação das DCNERER no Plano.
O curso ofertado em 2014 teve os seguintes eixos de formação: a) “Dinâmica Racial Brasileira e Educação” - Conceitos de raça, etnia e racismo. Estudo sobre a construção do modelo racial brasileiro; b) “Multiculturalismo e Interculturalidade” – diferenças culturais e o aspecto dinâmico das culturas e suas relações no contexto da globalização; c) “Diáspora negra em tempos de globalização” - História dos Movimentos sociais negros, movimentos contemporâneos e regionais. d) “Políticas de Afirmação e as construções de Ação afirmativa no Brasil”.8 O curso oferecido em
2015 foi organizado da seguinte forma:
O primeiro tema definido foi “Estatísticas de racismo”; com números sobre a saúde da população negra, índices de mortalidade, acesso e permanência na escola, especialmente de jovens; como forma de sensibilizar os participantes para a importância das discussões e ações de combate ao racismo. Outros temas foram: - As relações raciais no Brasil: Clóvis Moura, Florestan Fernandes e Gilberto Freyre; - “Legislação: Políticas de Ação Afirmativa”; - “Gestão da escola, currículo e prática educacionais”. (MONTEIRO, OLIVIO, CAMARGO, 2015, p. 330- 331)
Considerando a importância da gestão democrática para a implementação das DCNERER, o último módulo do curso foi dedicado a reflexão sobre o papel da equipe gestora na proposição da revisão do currículo da escola, do Projeto Político Pedagógico e das práticas educacionais. Coletivamente as(os) cursistas organizaram propostas de implementação da política curricular de ação afirmativa para as escolas onde atuavam. As ações desenvolvidas pelo ETNS corroboram, portanto, para o atendimento das DCNERER que, em seu Artigo 1º determina que deverá ser,
[...] observadas pelas instituições de ensino, que atuam nos níveis e modalidades da Educação Brasileira, em especial, por instituições que desenvolvam programas de formação inicial e continuada de professores.
Seja pelas atividades de extensão e pesquisas realizadas, pelo ETNS, bem como pelas parcerias construídas com os grupos do Movimento Negro de Sorocaba e outros, em 2017 foi criado no Centro de Referência em Educação – órgão ligado a Secretaria de Educação (SEDU) de Sorocaba, um grupo para a discussão de questões relacionadas as diversidades e inclusão. Embora as descontinuidades das gestões da SEDU tenham esvaziado este grupo, a articulação entre seus integrantes possibilitou alguns avanços em relação a implementação das DCNERER.
Um grupo de professoras(es), diretoras(es), orientadoras(es) pedagógicas(os) dos diferentes níveis/etapas e modalidades da rede municipal, juntamente com integrantes do ETNS, NUCAB e Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra (CMPDCN), com algum conhecimento ou experiência com temas relativos às DCNERER, se reuniu regularmente ao longo de 4 meses para construir uma proposta de curso de formação continuada a ser desenvolvida pela SEDU, para toda a rede de ensino. Os encontros foram planejados a partir de 3 eixos formativos, a saber:
1) Políticas Curriculares de Ação afirmativa: Artigos 26 A e 79 B da LDB 9394/96, DCNERER; Plano de implementação das DCNERER e PME-Sorocaba. As DCNERER nos PPP. Diagnóstico e análise de dados acerca da implementação das DCNERER – 2012 e 2017 em Sorocaba.
8 Integraram a equipe formadora deste curso (ACIEPE) Rosana Batista Monteiro (UFSCar), Lourdes de Fátima
B. Carril (UFSCar), Mariana M.C. da Silva e André dos Santos Luigi (à época mestrandos no PPGEd – UFSCar); Ademir Barros dos Santos (Movimento Negro Sorocaba/NUCAB), Laíne Horta Lima e Bruno Santos de Almeida (à época, graduandos das licenciaturas de Pedagogia e Geografia, respectivamente).
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2) Estratégias e planejamento de uso de recursos públicos para capacitação; identificação dos recursos financeiros, humanos e materiais disponíveis em âmbito federal, estadual e municipal e formas de sua captação para subsídio da aplicação das DCNERER; Estudo de estratégias de uso recursos públicos na implementação das DCNERER.
3) Modalidades de formação. Proposições de formação continuada de professores a partir das narrativas dos participantes do curso.
Podemos afirmar que o grupo se mostrou bastante interessado nos temas, participando ativamente das discussões. Houve farta apresentação de experiências, positivas ou não, tanto relacionadas ao espaço escolar como de outros; a principal atividade proposta – a elaboração coletiva de proposta de formação de profissionais da educação – teve participação efetiva dos diferentes segmentos e representações. Ao longo dos encontros professoras(es) e gestoras(es) relataram que as discussões estavam contribuindo para que construíssem estratégias democráticas e participativas de implementação das DCNERER nas escolas em que atuavam. Ou ainda, como no caso de um diretor, que considerou que as discussões contribuíram para avaliar o quanto a escola em que atuava poderia contribuir com as experiências em andamento de implementação da lei. Em nossa análise os encontros propiciaram formação coletiva, levantamento das ações desenvolvidas pelos(as) participantes com identificação do estágio de implementação das DCNERER nas escolas em que atuavam, ações individuais e/ou coletivas de implementação das DCNERER.
A partir dos conhecimentos apreendidos e das experiências trazidas foi elaborada coletivamente uma proposta de formação continuada para profissionais da educação da rede municipal de Sorocaba contendo estratégias de implementação e de acompanhamento das DCNERER. O grupo participante compreendeu que a construção coletiva foi democrática e participativa especialmente pela representatividade presente, das diferentes categorias integrantes da escola (professores, orientadores pedagógicos, diretores, supervisores de ensino), do movimento negro da cidade e da universidade. A proposta foi entregue a Assessoria da Secretaria de Educação à época, porém, as várias trocas de gestor(a) da SEDU entre 2017 e 2019 não viabilizaram até o momento a análise da proposta.
Considerações finais
Como mostraram as pesquisas e experiências de formação no campo da educação das relações étnico-raciais, não é suficiente para a implementação das DCNERER que profissionais da educação tenham conhecimento da lei e de seus conteúdos. Embora este conhecimento seja imprescindível para a sua implementação a efetiva prática da gestão democrática nas escolas é fundamental. A escola em que as tomadas de decisão são coletivas, envolvendo toda a comunidade escolar, torna viável a efetiva implementação das DCNERER. Uma escola em que há profissionais preparados(as) e engajados(as) em desenvolver ações para a implementação das DCNERER para toda a escola, alterando seu currículo e Projeto Político Pedagógico, precisa do apoio da equipe gestora.
As experiências com os cursos de extensão promovidos pelo ETNS demonstraram que as (os) profissionais da educação precisam de formação continuada no campo das relações étnico-raciais, e que a Secretaria de Educação precisa responsabilizar-se por este. A organização dos cursos demonstrou o exercício do diálogo e da efetividade da parceria entre professores(as), gestoras(es), movimento social e a universidade na promoção de formação. Os cursos desenvolvidos em 2015 e 2017 nos mostraram que as gestoras (diretoras de escola e orientadoras pedagógicas) que se inscreveram e participaram das atividades procuravam realizar uma gestão democrática e participativa nas escolas sob sua responsabilidade e, buscavam conhecimento, bem como apoio de especialistas que pudessem contribuir com ações formativas para si e para seus(suas) professores(as) de forma a construírem ou revisarem projetos político pedagógicos voltados à diversidade e ao combate ao racismo.
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Laplage em Revista (Sorocaba), vol.5, n.Especial, set.- dez. 2019, p.71-82 ISSN:2446-6220 Podemos ainda destacar que a formação de profissionais da educação precisa estar apoiada na compreensão da importância da gestão democrática e no reconhecimento das diversidades, desde a formação inicial. A quase totalidade de profissionais que participaram das atividades promovidas pelo ETNS informaram que nunca estudaram qualquer tema relacionado a educação para as relações étnico-raciais, história e cultura afro-brasileira e africana na formação inicial.
Por fim, cabe destacar que em 2018, o Conselho Municipal de Educação de Sorocaba, impulsionado pelo Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Sorocaba aprovou a DELIBERAÇÃO CMESO Nº 05/2018, de 28 de novembro, em que “Atualiza Normas para garantir a implementação dos Artigos 26A e 79B da Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (...) no Sistema Municipal de Ensino do Município de Sorocaba”. Tal deliberação determinou que a SEDU criasse uma Comissão Permanente de acompanhamento e avaliação da política curricular de ação afirmativa no município. Os resultados da criação desta Comissão começam a aparecer. Ainda em 2018 foi realizado o I Fórum de Educação e Relações Raciais, em que houve pela primeira vez uma formação extensiva a gestores da rede municipal e, recentemente, em novembro de 2019, o II Fórum aconteceu tendo como avanço, a apresentação de trabalhos desenvolvidos por algumas escolas sobre a educação das relações étnico-raciais e sobre história e cultura afro-brasileira e africana. Dentre as escolas participantes da exposição estão aquelas que tiveram suas professoras e gestoras formadas pelas atividades promovidas pelo ETNS.
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* Doutora em Educação pela UFSCar. Professora Adjunta do Departamento de Ciências Humanas e Educação, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus Sorocaba. E-mail: rosanabmonteiro@ufscar.br.
Recebido em 15/12/2019 Aprovado em 20/12/2019