As pesquisas sobre racismo, discriminação racial, história da África e dos afro-brasileiros dentre outras na relação com o campo da educação vem crescendo desde os anos 1990. A aprovação da lei 10639 em 2003 e das DCNERER em 2004 impulsionaram novas pesquisas. Há número significativo na atualidade de programas de pós-graduação relacionados com a educação para as relações étnico-raciais, ensino de história africana e/ou afro-brasileira bem como linhas de pesquisa. Porém, em relação aos cursos de graduação as pesquisas mostram que ainda há um grande desafio para a implementação das DCNERER, em especial, nas licenciaturas (MONTEIRO, 2010; JORGE, 2017; SANTOS e SILVA, 2017). Desta constatação decorre certamente, os problemas para a implementação das DCNERER nas escolas de educação básica e as dificuldades que gestoras(es) e docentes apresentam, como veremos mais à frente. Santos e Silva (2017, p.2) realizaram análise dos Anais das Reuniões Anuais da ANPED, no período de 2000 a 2015, identificando 39 trabalhos que “apresentam como ênfase temática em seu conjunto de textos: a política educacional, a política curricular, as políticas de ações afirmativas, o movimento negro e a Lei nº 10.639/2003”. De forma explícita pude identificar na análise dos trabalhos realizada por Santos e Silva (2017) que apenas um trabalho se relacionava com a gestão da escola e implementação das DCNERER e/ou do artigo 26 A da LDB. Este único trabalho, atribuído a Fernanda Rocha denomina-se “O enraizamento institucional da Lei Nº. 10.639/2003 na rede federal de educação profissional, científica e tecnológica” (2015).
Outras pesquisas como de Jorge (2017) e nossa pesquisa de doutorado (MONTEIRO, 2010) embora se refiram a abordagem do tema relações étnico-raciais e formação de profissionais da educação e/ou implementação das DCNERER nos cursos de pedagogia se basearam em abrangentes levantamentos de dados sobre as relações étnico-raciais, DCNERER e educação. As duas pesquisas não identificaram a existência de trabalhos relacionados especificamente a gestão escolar, gestão democrática e DCNERER. Jorge (2017) realizou levantamento de teses e dissertações no banco de dados da IBICIT/BDTD5 enquanto Monteiro (2010) utilizou o banco de teses e dissertações da
CAPES. Para o presente texto, buscamos atualizar as informações supracitadas utilizando a base da IBICIT/BDTD com os descritores “relações raciais e gestão escolar” e “lei 10639 e gestão escolar” identificamos apenas dois (2) trabalhos, ambos relacionados a gestão escolar e educação quilombola. A partir destas constatações, destacamos a importância da pesquisa coordenada por Gomes (2012) denominada “As práticas pedagógicas de trabalho com as relações étnico-raciais na escola na perspectiva da Lei 10639/03” posto que um dos eixos da pesquisa de caráter nacional, foi a gestão do sistema escolar e das escolas implicados na implantação, implementação e enraizamento/ sustentabilidade do artigo 26 A da LDB 9394/96 e das DCNERER. A pesquisa
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“Práticas pedagógicas...” investigou trinta e seis (36) escolas das cinco (5) regiões do país. A amostra foi definida por indicação de secretarias estaduais e municipais de educação que reconheciam que estas escolas estavam implementando as DCNERER. Em relação ao papel da gestão do sistema a pesquisa nos aponta que:
• Das 39 secretarias estaduais e municipais da amostra, 24 possuíam equipe/núcleo ou coordenação relacionada a temática étnico-racial e/ou diversidade. E, destas 24, apenas 12 realizavam acompanhamento pedagógico da implementação das DCNERER. Sendo as gestões municipais as que menos possuem equipes e quando possuem acompanham menos ou não acompanham a implementação das DCNERER. (JESUS, MIRANDA; 2012)
• A falta de informação sobre o tema é indicada como a principal razão para a não implantação ou dificuldades para implantação/implementação seguido de ausência de materiais didáticos e de recursos financeiros.
Embora essas respostas se refiram a 2009, ainda podemos ouvir as mesmas justificativas atualmente. Recentemente, ao participar de reunião de um Conselho Municipal de Educação, no estado de São Paulo, para discutir a regulamentação das DCNERER, ouvi de conselheiras(os) as mesmas justificativas. O próprio presidente deste Conselho revelou desconhecer a legislação em análise e do papel do Conselho quanto a sua regulamentação. A pesquisa aponta ainda outro fator importante relacionado as dificuldades das Secretarias para efetivar a implementação da Lei nas escolas: a resistência da comunidade escolar e de mães/pais (13 respostas). Sobre este aspecto JESUS e MIRANDA (2012, p. 65) afirmam que:
Nessa questão aparece com mais vigor a resistência da comunidade escolar, que, aliada à resistência de mães/pais, configura a maior frequência. Leve-se em conta que a adoção de políticas de ação afirmativa se depara com representações e mentalidades que sustentam preconceitos e reforçam discriminações. Podemos supor que as resistências se devem aos efeitos da naturalização das diferenças transpostas em desigualdades.
Estes resultados da pesquisa nos colocam algumas questões acerca da formação de gestoras(es) escolares e a implementação das DCNERER. Se as equipes de apoio existentes não realizam acompanhamento da implementação nas escolas, como as coordenações pedagógicas podem ser apoiadas para organizarem a formação em serviço e ações de planejamento com docentes? A resistência da comunidade escolar, incluindo familiares, pode estar relacionada ao como a gestão democrática da escola é desenvolvida? A falta de materiais didáticos e de informações seriam decorrentes da ausência de processos formativos – continuado e em serviço?
A pesquisa investigou ainda a gestão das escolas e sua relação com a implantação, implementação e/ou enraizamento/efetivação das DCNERER. Neste eixo destaco as seguintes dimensões: estrutura física e aparência das escolas, envolvimento da gestão e do coletivo de professores, formação continuada e material de apoio, avanços e limites do trabalho. (GOMES, JESUS, ALVES; 2012). Utilizo do exemplo de três escolas da região nordeste para apresentar os principais resultados da pesquisa coordenada por Gomes (2012).
MONTEIRO, R.B. • 76
Laplage em Revista (Sorocaba), vol.5, n.Especial, set.- dez. 2019, p.71-82 ISSN:2446-6220
Escola 1: Ensino Fundamental
O diretor da escola procura criar uma atmosfera de integração entre estudantes, professores(as) e funcionários(as), de modo que a diversidade étnico-racial e cultural seja respeitada. Ainda que o trabalho relativo à diversidade não tenha se tornado unanimidade na escola, as ações desenvolvidas imprimem um tom público de aderência à realização das práticas, já que nas reuniões de planejamento e coordenação pedagógica existe espaço para que os(as) professores(as) trabalhem assuntos relativos à educação das relações étnico- raciais. (SOUZA, BRITO, PEREIRA; 2012, p.83)
Sobre a escola 1 podemos destacar que: o papel do diretor é de grande importância para o desenvolvimento das atividades; a implementação das DCNERER se vincula ao desenvolvimento de um projeto de consciência negra criado por uma professora; os estudantes demonstraram conhecimentos superficiais sobre a história e a cultura da África; há espaço de discussão criado pela coordenação pedagógica, mas as ações parecem ficar restritas ao projeto. Não se faz menção a ações construídas coletivamente e inclusão no Projeto Político Pedagógico (PPP).
Escola 2: Creche
[...] a diretora destacou as dificuldades que enfrentaram no início das atividades, antes mesmo da promulgação da Lei, fosse pela inexistência de materiais de estudo, fosse pela dificuldade que alguns professores criavam para evitar a discussão da temática das relações étnico-raciais e da cultura afro-brasileira. Ela pontuou que a promulgação da Lei possibilitou melhor compreensão da proposta que a escola havia adotado – o ensino da história do negro e a valorização da cultura afro-brasileira, inserida inclusive no PPP da escola. (SOUZA, BRITO, PEREIRA; 2012, p.83)
Sobre a escola 2 podemos destacar que: há integração equipe gestora, docentes, quadro administrativo e famílias; há incentivo à formação de professores e diferentes parcerias para efetivá-las; os projetos são construídos coletivamente e envolvem as famílias e comunidade; há enraizamento das DCNERER explicitado no projeto político pedagógico construído coletivamente, e posto em prática por meio de projetos, aquisição de materiais tais como livros paradidáticos; as ações desenvolvidas sugerem existência de acompanhamento da coordenação pedagógica e intensa participação de docentes e familiares em sua construção e execução.
Escola 3. Ensino Fundamental
No município da escola 3 há uma lei que criou a disciplina obrigatória de África e Cultura Afro- Brasileira nos currículos de todas as escolas municipais e que ocorre no 1º ciclo do ensino fundamental. De acordo com a diretora da escola “a Lei obriga o ensino[...] Então, a partir daí, é uma obrigação da escola é... ensinar a respeito da cultura afro, então é Lei! Por [ser] Lei é para ser cumprida”. (SOUZA, BRITO, PEREIRA; 2012, p. 98). Nesta escola os conteúdos relativos as DCNERER ficam reduzidos a disciplina obrigatória, no 1º ciclo do ensino fundamental; a diretora demonstra conhecer a Lei n.º 10.639/03 e reconhece sua importância para os estudantes, especialmente por serem majoritariamente negros. A coordenação pedagógica não demonstra envolvimento com a temática. Não há incorporação das DCNERER no PPP para além da disciplina obrigatória. As experiências destacadas revelam que não é suficiente conhecer a legislação; que a implementação não é efetiva/enraizada se esta não fizer parte do Projeto Político Pedagógico; que a formação continuada e o acompanhamento/apoio da coordenação pedagógica são fatores importantes para a implementação e enraizamento; que o apoio da direção é importante, mas uma gestão democrática, que envolva a equipe gestora, que cria espaços e situações para a construção
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de projetos e ações coletivamente, envolvendo inclusive as famílias, é determinante para a implementação, enraizamento e sustentabilidade.