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O início do século XXI foi promissor para as políticas de ação afirmativa no Brasil. Reivindicadas pelos movimentos negros, especialmente como resposta às consequências de mais de três séculos de escravismo no Brasil e dos reflexos de ideologias racistas e políticas higienistas e eugênicas elaboradas no século XIX e amplamente empregadas no período pré e pós-abolição da escravatura. (MUNANGA E GOMES, 2004; MUNANGA, 2010; SCHWARCZ, 2009; GONÇALVES E SILVA, 2005). As discussões promovidas pelo governo federal, em meados dos anos 1990, foram impulsionadas fortemente pelas demandas dos movimentos sociais, pelos resultados das primeiras pesquisas sobre a relação entre racismo e desigualdades sociais – na educação, saúde, segurança e outras, e por eventos como a Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo e pela Vida”, em 1995 e a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e formas correlatas de Intolerância, em 20012. Também o cenário de reformas neoliberais, com a valorização de políticas

focalizadas significaram uma conjuntura favorável à aprovação de políticas de ações afirmativas3.

1 Ver participantes da Rede Interdisciplinar Interinstitucional Êxito Escolar, Empoderamento e Ascensão

Social (RIEAS)em https://rieas.com.br/membros/

2Em novembro de 1995, em alusão aos trezentos anos da morte de Zumbi houve uma grande manifestação em

Brasília denominada “Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo e pela Vida”, reunindo cerca de trinta mil pessoas, principalmente negros (BENTO, 2000, p.325 APUD MONTEIRO, 2010) e, em 2001 ocorreu a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e formas correlatas de Intolerância – realizada em Durban/África do Sul em 2001 que teve o protagonismo da representação brasileira.

3Sobre este tema ver Monteiro, 2010

. • 73 A importância da gestão democrática para a implementação das políticas... de ação afirmativa...

A demanda e aprovação de políticas de ação afirmativa no Brasil, de forma objetiva, buscam atuar sobre as consequências da persistência dos efeitos do racismo e da discriminação racial. Pesquisas confirmam as denúncias dos movimentos negros em relação aos fatores que determinam a baixa escolaridade da população negra, os maiores índices de evasão e repetência; as dificuldades de acesso ao ensino médio e especialmente a educação superior; o atendimento discriminatório nos serviços de saúde, a morte materna por causas evitáveis; o genocídio de jovens negros. (WERNECK, 2006; GONÇALVES e SILVA, 2005; MONTEIRO, 2010).

A educação, em particular a escolar, sempre foi valorizada e demandada pelos movimentos negros no Brasil. Um dos principais exemplos são as iniciativas da Frente Negra, com a criação de salas de alfabetização e do Teatro Experimental do Negro (TEN) nas décadas de 1930 e fins de 1940, respectivamente. (GONÇALVES e SILVA, 2005). Compreendendo a educação escolar como lugar de produção e reprodução social, mas também de transformação (PARO, 2012) de socialização, de aprendizagens, a escola deve ser lugar de desenvolvimento de potencialidades, de apropriação de conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade. De acordo com Frigotto4,

[...] a escola é uma instituição social que, mediante sua prática no campo do conhecimento, dos valores, atitudes e, mesmo por sua desqualificação, articula determinados interesses e desarticula outros. Nessa contradição existente no seu interior, está a possibilidade da mudança, haja vista as lutas que aí são travadas. (FRIGOTTO, 1999 APUD OLIVEIRA; MORAES, DOURADO; s/d) As contradições presentes na escola, as lutas, estão perpassadas pelas relações de poder que reproduzem desigualdades de raça, etnia, gênero, classe e que colocam em questão a função social da escola. Qual o papel da escola, de sua gestão e de quem integra a comunidade escolar, em especial os profissionais da educação que nela atuam no combate a tais desigualdades? Em que pese não ser a escola a única instituição responsável por combater as desigualdades, esta certamente tem papel imprescindível. A escola precisa deixar de ser espaço de reprodução do racismo e atuar no seu combate, a partir de uma perspectiva de pedagogia anti-racista e de valorização da diversidade, tal como definem as políticas curriculares de ação afirmativa. De acordo com Gomes (2012) na busca pelo direito à educação democrática e para todos que considerasse a diversidade étnico-racial como “um dos pilares pedagógicos do País” em 2003, foi aprovada a Lei n. 10639 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394/96 (LDB) incluindo os artigos 26 A e 79 B. No ano seguinte aprovou-se sua regulamentação na forma do Parecer CNE/CP 03 de 2004 e da Resolução CNE/CP 01/2004 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (DCNERER). Em 2009, aprovou-se o Plano Nacional de Implementação das DCNERER que, de acordo com Gomes (2012, p.23) “não teria sentido se não articulasse atores institucionais (MEC, gestores de sistemas de ensino, e de escolas), movimentos sociais, sobretudo, o Movimento Negro.” Passados cinco anos da inclusão dos artigos 26 A e 79 B na LDB 9394/96 e quatro anos das DCNERER, Nilma Gomes coordenou uma pesquisa de âmbito nacional para conhecer como os processos de implementação e sustentabilidade dessa política curricular de ação afirmativa estava acontecendo. O movimento negro e pesquisadores(as) do campo das relações étnico-raciais acompanhavam a lentidão e os diferentes problemas no processo de implantação e implementação da política. Salvo as ações desenvolvidas de forma mais volumosa nos primeiros anos da criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) após 2006 gradativamente os recursos e ações destinadas especificamente a implantação/implementação das DCNERER foram escasseando antes mesmo de se constatar sua efetividade e enraizamento. De acordo com Gomes (2012, p.23-4) acerca da implementação da política,

[...] há uma longa distância a ser transposta, e o desencadeamento desse processo não significa sua efetiva adoção, tampouco seu completo enraizamento no chão das escolas públicas e privadas no País. A efetivação e a implementação

MONTEIRO, R.B. • 74

Laplage em Revista (Sorocaba), vol.5, n.Especial, set.- dez. 2019, p.71-82 ISSN:2446-6220 de leis no campo educacional dependem em grande medida de um conjunto de condições que lhes permitam a realização plena.

É preciso considerar que o racismo estrutural e institucional contribuem para que a escola – seus agentes/sujeitos/atores(as) não reconheçam a importância e a necessidade das DCNERER. Novamente citando Gomes (2012, p. 24) a autora afirma que,

[...] a adoção da Lei e sua concretização em práticas pedagógicas baseadas na educação para (e na) diversidade demandam a reorganização desse lócus numa perspectiva emancipatória, a revisão da cultura escolar, de currículos, de práticas pedagógicas e de relações sociais entre os envolvidos nesse processo, enfatizando a especificidade do segmento negro da população. Tal transformação diz respeito ao reconhecimento da educação, sobretudo a escolar, como um direito de todos e, por conseguinte, da população negra.

As pesquisas relacionadas as DCNERER e a gestão escolar

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