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Ações no subprojeto PIBID com apoio do programa prodocência

Midori Hijioka Camelo

Introdução

Neste capítulo apresentamos algumas reflexões acerca da formação inicial de professores da área de Ciências (Física, Química e Biologia). De modo particular, relatamos algumas vivências suge- ridas aos estudantes das referidas Licenciaturas na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Através dos Programas Institucionais como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e Programa de Consolidação das Licenciaturas (Prodocência), tivemos a oportunidade de desenvolver atividades de natureza interdisciplinar cujas vivências tiveram como obje- tivo principal provocar, nos futuros professores, novos olhares e reflexões acerca do ensino-aprendizagem de Ciências numa perspectiva de integração de diferentes saberes bem como pensar a incorporação de espaços não escolares em tais processos. Para além dos conteúdos específicos, ou conteúdos conceituais como denominam alguns autores, percebeu-se, nessa oportunidade, as

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possibilidades para o desenvolvimento de outros conteúdos, quais sejam os procedimentais e os atitudinais. Através de atividades como “Roda de Passarinho”, saída a campo para observação de aves no Açude de Gargalheiras e oficina de envio de cartões postais elaboradas a partir das aves observadas, os estudantes puderam refletir sobre as diferentes possibilidades de ensino-aprendizagem numa perspectiva interdisciplinar.

As preocupações com um Ensino de Ciências menos frag- mentado e mais orgânico vêm se apresentando desde a década de 1960 quando nos vimos colocados ante as críticas ao dogma racionalista da ciência, em particular, pela reivindicação verda- deiramente estética do pensamento de Feyerabend que defende uma realidade policromática marcada pela abundância de ações, pensamentos, tradições e cosmovisões (FEYERABEND, 2015). Vimos também Charles P. Snow (1959) alertando para o distan- ciamento progressivo entre as ciências naturais e as humanidades com consequente empobrecimento mútuo.

Passado pouco mais de meio século daquelas discussões, presenciamos, perante os desenvolvimentos da tecnologia, uma necessidade ainda mais premente do diálogo das culturas. Essas e outras questões de cunho filosófico e metodológico vêm sendo discutidas no âmbito do pensar e fazer Ciências. Tais questões, no entanto, incidem também, inequivocamente na Ciência ensinada e na Ciência aprendida. ‘Como a Ciência é apresentada nos bancos esco- lares?’, ‘Como isso reflete no círculo vicioso do ensinar como aprendi?’ e ‘Por que os alunos não aprendem a Ciência ensinada?’. Essas e outras questões parecem exigir uma constante e vigilante reflexão daqueles que participam do processo de formação de Professores de Ciências.

Nesse processo, tais questões devem perpassar pela mudança cultural na forma de aprender e ensinar, ao que Pozo

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e Crespo (2009) chamam de uma “nova cultura de aprendizagem”. Segundo estes autores:

As formas de aprender e ensinar são uma parte da cultura que todos devemos aprender e sofrem modificações com a própria evolução da educação e dos conhecimentos que devem ser ensinados. [...]. De modo resumido, poderíamos caracterizar esta nova cultura de aprendizagem que se aproxima por três traços essenciais: estamos diante da sociedade da informação, do conhecimento múltiplo e do aprendizado contínuo.

(POZO, 2009. p. 23-24)

Compartilhamos com o pensamento dos autores citados segundo o qual os conteúdos das diferentes disciplinas que compõem o currículo deveriam ter a função formativa essencial de assimilação e interiorização da cultura em que vivem, conside- rando as produções artísticas, científicas, técnicas, etc., próprias dessa cultura, através da compreensão do seu sentido histórico, além de apresentarem a capacidade de acessar, desfrutar e renovar esses produtos culturais (POZO, 2009, p. 23).

Ainda segundo Pozo e Crespo (2009), a cultura da aprendi- zagem evoluiu com a sociedade. Na sociedade de informação na qual nos encontramos inseridos, a escola deixou de ser a primeira e até mesmo a principal fonte de conhecimento. E, no que se refere à educação científica, a informação deixa de ser prioridade, demandando capacidade para organizá-la e interpretá-la, para lhe dar sentido. A assimilação crítica da informação será resultante da capacidade de aprendizagem proporcionada pelo acesso e compre ensão (dar sentido) desta. Caracterizada pela perda da certeza, a Ciência, a partir do século XX, vem permeada de incertezas, até mesmo dentre aquelas consideradas “Ciências

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Exatas”, de modo que a educação em Ciências não deve tratar de proporcionar aos alunos conhecimentos como se fossem verdades acabadas, mas ajuda-los a construir seus próprios pontos de vista.

A cultura da aprendizagem na sociedade da informação gera a sociedade do aprendizado contínuo (POZO, 2009) e, para tanto, devemos pensar em formar aprendizes mais flexíveis, eficientes e autônomos, dotados de capacidades e formas de pensamentos que, no caso da Ciência, poderiam ser propiciadas pelas suas particularidades.

Entretanto, o ensino tradicional de Ciências tem privilegiado fortemente a transmissão dos corpus conceitual das disciplinas, dos principais modelos e teorias gerados pela ciência para interpretar a natureza e seu funcionamento (POZO, 2009). Assim,

o conhecimento científico, tal como é ensinado na sala de aula, continua sendo sobretudo um conhecimento conceitual. Não em vão o verbo que melhor define o que os professores fazem durante a aula continua sendo o verbo explicar (e os que definem o que fazem os alunos são, no melhor dos casos, escutar e copiar).

(POZO, 2009, p. 46)

Esses fazeres permanecem inegavelmente arraigados ainda nos dias de hoje em grande parte da cultura escolar brasileira e consequentemente nas aulas de Ciências. Nesse contexto, cabe destacar as cinco metas ou finalidades da educação científica estabelecidas por Jiménez Aleixandre e Sanmartí (1997, apud POZO, 2009, p. 27), quais sejam:

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b) O desenvolvimento de habilidades cognitivas e de racio- cínio científico.

c) O desenvolvimento de habilidades experimentais e de reso- lução de problemas.

d) O desenvolvimento de atitudes e valores. e) A construção de uma imagem da ciência.

Com o intuito de traduzir as metas acima em conte- údos concretos, Pozo e Crespo (2009) apresentam três tipos de conteúdos: conceituais, procedimentais e atitudinais. Os

conte údos conceituais devem ser trabalhados a partir dos mais

específicos e simples (os fatos ou dados) aos conceitos disci- plinares específicos até alcançar os princípios estruturais das ciências de modo a conseguir a aprendizagem de conceitos e a construção de modelos. Os conteúdos procedimentais devem atender o desenvolvimento de habilidades cognitivas e de racio- cínio científico, bem como de habilidades experimentais e de resolução de problemas. Os conteúdos atitudinais devem ser, segundo os autores, reconhecidos explicitamente como parte constitutiva do ensino de ciências, para que se possa promover o desenvolvimento de atitudes e valores (POZO, 2009).

Na visão de Pozo e Crespo (2009), dentre os três tipos de conteúdos apresentados, os atitudinais seriam, possivelmente, o mais difícil de abordar, embora reconheçam que estes sempre estiveram presentes no currículo, mas não de modo explícito (POZO, 2009, p. 29-30). E acrescentam: “A esse caráter implícito somam-se outros traços, como sua generalidade, onipresença ou

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estabilidade, que fazem das atitudes um conteúdo educacional particularmente difuso e fugidio” (POZO, 2009, p. 30)

Estabelecendo aspectos comparativos, Pozo e Crespo (2009) expõem:

[...] comparadas com os outros conteúdos do currículo - os conceitos e os procedimentos -, as atitudes têm uma natureza gasosa. [...] Conteúdos conceituais são mais sólidos. Os proce- dimentais estariam no meio do caminho entre os anteriores, comportar-se-iam como líquidos. [...] Assim, o conteúdo mais volátil (as atitudes) também é o que requer maior consenso, não só entre os professores da área de ciências da natureza, mas, principalmente, entre as diferentes áreas.

(POZO, 2009, p. 31)

A nosso ver, o exercício da interdisciplinaridade, mesmo que dentro de uma mesma grande área como a que aqui apre- sentamos, poderia se constituir em uma oportunidade a ser oferecida para desenvolver a atenção aos conteúdos atitudinais, ainda ocultos e mal compreendidos, mas contidos, quem sabe, num tipo de currículo (dentes-de-sabre) ao qual teria se referido Benjamin1 (CLAXTON, 2001; POZO; CRESPO, 2009):

“O currículo dentes-de-sabre”, publicada em 1939, nos faz retroceder às primeiras matérias sobre currículos: formar os jovens na arte de capturar peixes (com as mãos), caçar cavalos lanudos a garrote e assustar com fogos os tigres dente de sabre. A questão era: o que ocorreria com estas respeitáveis matérias do currículo quando alguém inventasse a vara de pescar, os cavalos

1 Harold Raymond Wayne Benjamin (1893 – 1969) foi um educador e escritor

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lanudos se deslocassem para as terras mais altas e forem substi- tuídos por antílopes mais velozes e os tigres morressem e seus lugares fossem ocupados por alguns ursos? Elas não deveriam ser aposentadas ou substituídas por estudos mais pertinentes? “Não seja tolo” disseram os sábios anciãos, mostrando seus sorrisos mais benevolentes. “Não ensinamos a capturar peixes com a finalidade de capturar peixes: ensinamos para desenvolver uma agilidade geral que nunca poderá ser obtida com uma mera instrução. Não ensinamos a caçar cavalos com garrote para caçar cavalos: ensinamos para desenvolver uma força geral no aprendizado, que ele nunca iria obter de uma coisa tão prosaica e especializada como caçar antílopes com rede. Não ensinamos a assustar tigres com a finalidade de assustar tigres: ensinamos com o propósito de dar essa nobre coragem que se aplica a todos os níveis da vida e que nunca poderia surgir de uma atividade tão básica como matar ursos”. Todos os radicais ficaram sem palavras diante desta declaração; todos exceto o mais radical de todos. Estava desconcertado, certamente, mas era tão radical que ainda arriscou um último protesto.

“Mas – mas contudo”, sugeriu, “deveriam admitir que os tempos mudaram. Não poderiam dignar-se a experimentar outras atividades mais modernas? Afinal de contas, quem sabe tenham algum valor educativo”. Até os companheiros radicais desse homem pensaram que ele havia ido longe demais.

Os sábios anciãos estavam indignados. O sorriso sumiu de seus semblantes. “Se você mesmo tivesse tido alguma educação”, lhe disseram de modo grave, “saberia que a essência da verdadeira educação é a atemporalidade. É algo que permanece através das mudanças das condições, tal como uma rocha firmemente fincada no meio de uma tumultuosa torrente. É preciso saber que existem verdades eternas e que o currículo dentres-de-sabre é uma delas!”.

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Motivados com a possibilidade de, através de conteúdos atitudinais como ponto de convergência entre as diferentes disci- plinas da área de ciências, a saber, Química, Física e Biologia, e em busca de elementos que nos permitissem vislumbrar, ainda que tenuemente, algum elemento do “currículo dentes-de-sabre”, o PIBID Interdisciplinar de Ciências, com seus projetos vincu- lados ao Programa Prodocência da UFRN, se propôs a desenvolver algumas ações com perspectivas de gerar os “momentos interdis- ciplinares”, que detalhamos a seguir.

Provocando os momentos interdisciplinares