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Ações do Sistema Único de Saúde (SUS) no tratamento dos toxicômanos no Brasil

COMPULSORY TREATMENT OF DRUG ADDICTS VERSUS HARM REDUCTION POLICY: IN WHICH PREVAILS HUMAN RIGHTS?

1. Ações do Sistema Único de Saúde (SUS) no tratamento dos toxicômanos no Brasil

O problema da dependência química traz consigo irradiações negativas que vão além da esfera privada do usuário e atinge toda uma sociedade que atualmente, como no caso do Brasil, se vê obrigada a conviver com a violência e insegurança pública advindas das “cracolândias” cujo nome se dá devido a aglomeração em locais públicos (como ruas e praças) por aqueles que são denominados pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) como usuários disfuncionais3.

Tendo em vista o dever de tutela à saúde individual devida pelo Estado, mesmo que o problema da dependência química residisse apenas na esfera individual do dependente, as políticas públicas de combate à dependência já seriam imprescindíveis. Contudo, o problema já é considerado caso de saúde pública, o que em regra justifica a prevalência do interesse público sobre o individual. Nessa esteira a discussão consiste no questionamento se a liberdade individual, direito de defesa se sobrepõe à segurança pública e consequente liberdade coletiva, direitos de prestação4. Haja vista que, em

alguns casos mais graves, os dependentes químicos oferecerem risco não só a si mesmos,

3 DIAS BELTRANI, M. A. Políticas Públicas para o Combate de drogas no Brasil, 2011, 51 f., Monografia (Curso de Graduação em Direito) Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC, Barbacena, 2011, P. 31.Disponível em: <http http://www.unipac.br/site/bb/tcc/tcc- 0635f6ff3a902553a60464031931a8fe.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2017.

4 MENDES FERREIRA, G; BRANCO GONET, P. G. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed, Saraiva, São Paulo, 2014, p. 159-160.

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mas a outras pessoas, já que, não raras vezes, a ânsia pela droga leva o indivíduo a quadros de violência5.

Destarte, faz-se imperioso apresentar quais são esses programas dos quais o Estado lança mão para tentar reverter essa situação.

Como maior referência de atuação estatal tem-se os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). As ações do programa contam com a atuação de equipes multidisciplinares e são dirigidas não só aos indivíduos que necessitam do atendimento, mas também às suas famílias, objetivando a reinserção social e familiar.

No programa os serviços são personalizados e existe uma preferência pelo tratamento ambulatorial ao invés da internação, apesar desta também ser prescrita e fornecida para os casos mais graves nos quais o usuário perdeu o suporte familiar. Já para aqueles que não necessitam de internação, o tratamento conta com a utilização de medicamentos para minimizar os efeitos da abstinência e eventuais sequelas que o vício já proporcionou, além de terapias e um trabalho de desintoxicação. Com o programa CAPS AD 24, para os casos mais graves, o atendimento é 24 horas6. No entanto, vale

dizer que a atuação 24 horas ainda não se dá em todos os municípios que tenham o número de habitantes compatíveis com o programa que é acima de 100 mil habitantes. Em atuação conjunta ao CAPS estão as Unidades de acolhimento de caráter residencial, todavia sua cobertura ainda é pequena, tendo em vista que até o ano de 2014 somente 21 unidades se encontravam em funcionamento7.

O Ministério da Saúde, pela Portaria nº 1.612 de 2005, instituiu o Serviço Hospitalar de Referência para álcool e outras drogas (SHRad) nos hospitais gerais em municípios com mais de 200 mil habitantes. Este tem por função atender as emergências causadas pelo consumo das drogas e álcool, como os casos de overdose. Em suma, a rede de atenção psicossocial (RAPS) oferece atendimento em Hospitais Gerais, por meio de internações de curta duração àqueles que se encontram em sofrimento físico e psíquico em decorrência do uso de drogas e álcool, como os quadros de abstinências e intoxicações graves. No entanto, de acordo com uma estatística feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil oferece apenas 0,34% dos leitos que deveria ofertar para o tratamento dos toxicômanos8. Isso em números significa 11,5 mil leitos distribuídos entre

5 BENNETT, T; HOLLOWAY, K; FARRINGTON, D. The statistical association between drug misuse and crime: A meta-analysis. Agression and Violent Behavior, vol. 13, no. 2, Mar.-Apr, pp. 107- 118, 2008.

6 BRASIL. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Ações Programáticas Estratégica"; Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (coord). Saúde

mental em dados 12 edição da saúde mental em dados, Ano 10, nº 12, 2015, p 19. Disponível em: <

http://www.consultaesic.cgu.gov.br/busca/dados/Lists/Pedido/Attachments/430410/RESPOSTA_PEDI DO_SMD%2012%20-%20Verso%20para%20o%20Site%202.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2017.

7 XAVIER, R. T.; MONTEIRO KIELING, J. "Tratamento de Pacientes Usuários de crack e outras drogas nos CAPS AD". Psic. Rev. São Paulo, v. 22, n.1, 61-82, 2013. Disponível em: https://revistas.pucsp.br//index.php/psicorevista/article/viewFile/16658/12511. Acesso em: 13 jun. 2017

8 "BRASIL oferece 0,34% dos leitos que seriam necessários para tratamento de dependentes químicos". Em Discussão. Brasília. 2011. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/dependencia-quimica/tratamento-para-

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2,5 mil leitos nos hospitais gerais e 9 mil leitos nos Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD)9.

Outrossim, a política de saúde mental no Brasil, que engloba a assistência aos dependente químicos, foca nos programas de desinstitucionalização com os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), e o programa de Volta para Casa. No primeiro, a atuação se atém a um trabalho de resgate da autonomia para a reinserção na sociedade das pessoas que passaram por longos períodos de internação, mas que a partir de então, passam por unidades residenciais que contam com os serviços de saúde em maior ou menor intensidade a depender da necessidade do morador. Assim, metaforicamente, podem ser comparados a passarinhos engaiolados que necessitam de uma reserva ambiental antes de voltarem à floresta aberta. Segundo dados do Ministério da Saúde no ano de 2014 o país se encontrava com 610 unidades em funcionamento que contavam com uma média de 3.475 moradores. Já quanto ao programa de volta para casa, instituído pela Lei nº 10.708 de 200310, esse corresponde a um auxílio pecuniário, no

valor de R$ 240,00, àqueles que tentam restabelecer o convívio social11.

Não obstante tais ações, a realidade mostra o aumento do número de usuários. Logo, faz-se necessário indagar quais as principais causas da impotência do sistema público. Para responder essa pergunta é importante mencionar que entre os anos de 1995 e 2003 as ações estavam concentradas nas mãos do governo federal que contavam basicamente com um plano de redução de danos (PRD). A decadência do programa teve início com a passagem da responsabilidade da execução das políticas públicas de saúde para os Estados e Municípios, que diferentemente da União, não tinham a prática com esse tipo de atuação o que acabou por enfraquecer o programa e reduziu o número de núcleos que ofereciam os serviços. Pois:

Em 2003, segundo dados da OMS11 o Brasil contabilizava 279 PRD. Com a transferência dos financiamentos do Ministério da Saúde para os estados e municípios, a partir de 2004 houve um rápido declínio do número destes Programas. Dos 136 PRD ainda existentes em 2005, os 45 que responderam ao questionário de um estudo realizado por Massard e cols. revelaram grande fragilidade em seu funcionamento: 85,8% tinha equipe técnica constituída por autônomos ou voluntários; apenas a metade tinha equipes com coordenador,

dependentes-quimicos/brasil-oferece-034-dos-leitos-que-seriam-necessarios-para-tratamento-de- dependentes-quimicos.aspx.> Acesso em: 15 jun. 2017.

9 BRASIL. Ministério da Saúde, op. cit., p. 19, nota 5.

10 BRASIL. Lei no 10.708, de 31 de julho de 2003, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da

União. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.708.htm>.

Acesso em: 15 jun. de 2017.

11BRASIL. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Ações Programáticas Estratégica; Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (coord). Saúde mental em dados 12 edição da saúde mental em dados. Ano 10, nº 12, 2015, p. 19. Disponível em: < http://www.consultaesic.cgu.gov.br/busca/dados/Lists/Pedido/Attachments/430410/RESPOSTA_PEDI DO_SMD%2012%20-%20Verso%20para%20o%20Site%202.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2017.

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supervisor e redutor de dano e a quase totalidade ainda dependia exclusivamente de recursos federais12.

Desse modo, apesar de posteriormente terem sido implementados os programas supramencionados, sua eficácia resta prejudicada por dependerem da atuação conjunta de outros programas como o denominado Estratégia de Saúde da Família (ESF) que pelo fato do uso de entorpecente não ser o seu foco, os profissionais da saúde, por inexperiência e receio, acabam se afastando dos locais onde o uso da droga e álcool se faz presente, o que dificulta que os casos cheguem até os CAPS da região13.

Todavia também é notória a falha da atuação do CAPS que inerte espera que o usuário, que em muitos casos não tem o discernimento e força para pedir ajuda, procure os centros pra se tratar. Desse modo uma das falhas reside na atuação passiva do CAPS quando na verdade deveria ser mais ativa, indo até o problema com uma abordagem sutil e convincente.

Apesar do exposto em 2011 a política Nacional de Atenção Básica (PNAB) criou equipes que atuam em consultórios nas ruas, que de forma itinerante levam atendimento, psiquiátrico, psicológico, médico e de assistência social aos moradores de rua. Todavia a atuação ainda se mostra pequena tendo em vista a demanda14.

2. O questionamento sobre a legalidade da aplicação da lei 10.216/ 2001

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