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Globalização, empresa e estado: uma simbiose entre o público e o privado

(RE)SIGNIFICATION OF THE SOCIAL FUNCTION OF THE COMPANY FRONT TO THE HUMAN RIGHTS

2. Globalização, empresa e estado: uma simbiose entre o público e o privado

Chegada a era da globalização. Zygmunt Bauman (1999, p. 65), alerta para o intenso significado reverberado pelas ideias da globalização, sobretudo em termos econômicos, o “[...] caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos

11 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

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assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo. A globalização é a ‘nova desordem mundial’ de Jowitt com um outro nome.”

Stuart Hall (2003, p. 59) aduz que a atual globalização é uma “novidade contraditória”. Tal realidade deve-se às suas articulações econômicas, financeiras e culturais que são voltadas para o ocidente, dominadas pela hegemonia norte-americana, especialmente os Estados Unidos da América. Em sua ideologia, é guiada pelo neoliberalismo global, que rapidamente se torna o senso comum da época.

Estes impactos não se restringem aos aspectos econômicos. Numa análise ampliada da concepção jurídica, Luigi Ferrajoli (2001, p. 37, grifo no original, tradução nossa)12 sustenta ser “[…] um neoabsolutismo regressivo e de retorno em que se

manifesta pela ausência de regras abertamente assumidas, pelo atual anarco-capitalismo globalizado, como a nova grundnorm da nova ordem econômica internacional.”

Em 1999, José Eduardo Faria (2004, p. 13), refletia acerca da transnacionalização dos mercados de insumo, produção, capitais, finança e consumo, que em pouco mais de uma década foi responsável por transformar radicalmente as estruturas de poder, alterou significativamente as noções de tempo e espaço, extinguiu barreiras geográficas, modificou as relações trabalhistas, multiplicou em longa escala planetária o fluxo de ideias, valores culturais e problemas sociais.

É nesse turbulento contexto que se insere a crise paradigmática pela qual o Direito atravessa. Decorrido o momento inaugural de transnacionalização dos mercados, vive-se, conforme indica Faria (2004, p. 14) a fase relativa às mudanças jurídicas e institucionais, vitais para assegurar o funcionamento efetivo na economia globalizada. Diante disso, o Direito positivo presenta dificuldades na edição de normas gerais para regulamentar campos cada vez mais específicos e setorizados da vida socioeconômica, lado outro, direitos individuais e sociais acabam por ser flexibilizados13.

Na esteira da chamada globalização, encontra-se o neoliberalismo, ambos agentes de significativas mudanças ocorridas nas últimas décadas. O direito de empresa, diante desse cenário de mazelas e exclusão proporcionados pela globalização e pelo neoliberalismo, acolhe os ditames constitucionais referidos no decorrer deste artigo, como forma de garantir e limitar as atividades nocivas de um mercado excessivamente capitalista. (FERREIRA, 2004, p. 72-78).

12 No original: “[…] un neoabsolutismo regresivo y de retomo en que se manifiesta la ausencia de reglas abiertamente asumida, por el actual anarco-capitalismo globalizado, como una suerte de nueva grundnorm del nuevo orden económico internacional.”

13 Nesse sentido, indica como fundamento da ideia acima apresentada, a Lei da Terceirização recentemente aprovada (Lei n. 13.429, de 31 de março de 2017. Altera dispositivos da Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros).

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Em verdade, como demonstrado no tópico antecedente, a função social da empresa está umbilicalmente associada ao cumprimento das disposições contidas no Texto Constitucional e, é assim que o conceito contemporâneo de empresa sofre influências tanto do ambiente econômico, quanto do âmbito jurídico. “A liberdade de iniciativa” afirma Ferreira (2007, p. 95), “exerce função limitadora no plexo negocial agregando valores e modernizando, a um só tempo, o conceito de empresa e, principalmente, da atividade empresarial tanto quanto influenciada pelas significativas modernizações decorrentes do ambiente econômico, jurídico e da sociedade de consumo.”

Jussara Ferreira, acredita que a função social da empresa reúne, para além dos preceitos constitucionais já explicitados, verdadeiros princípios éticos, possibilitando uma nova compreensão das relações empresariais da atualidade. Tal proposta vai ao encontro da ideia defendida nesse ensaio, ou seja, as relações econômicas e sociais engendradas pela globalização foram responsáveis por uma ressignificação da função social da empresa. “A sociedade de consumo atual, o novo contorno das atividades empresariais fazem despertar, na empresa moderna, a necessidade de reflexão acerca de suas ações e funções em um mundo globalizado, onde diferenciais passam a ser imperiosos como forma de estar no mercado.” (FERREIRA, 2004, p. 79).

Dito isto, cabe ainda consignar, conforme sustenta Gustavo Tepedino (2009, p. 42), que “[...] a clivagem entre público e privado foi elemento constitutivo da chamada primeira geração dos direitos fundamentais.” Em larga medida a separação apresentada para pensar o fenômeno jurídico naquela conjuntura histórica, não significa irrestrita adequação para compreensão da contemporaneidade. Noutra passagem, o autor sustenta que as “democracias capitalistas globalizadas” amparada pela separação entre as esferas pública e privadas “[...] incrementam a exclusão social e o desrespeito à dignidade da pessoa humana.” (TEPEDINO, 2009, p. 43). O resultado imediato é o enfraquecimento de conquistas históricas e filosóficas, sob o argumento de se tratar de um assunto de interesse particular.

Contudo, cabe ainda uma reserva no sentido de não creditar uma série de circunstâncias políticas, econômicas e sociais apenas na separação dos ramos do Direito. A guinada epistemológica de despatrimonialização do Direito Civil decorre da força normativa da Constituição, sobretudo dos princípios constitucionais, portanto, no Estado Democrático de Direito não há espaço para que a rígida separação se desenvolva livremente.

O desafio que o paradigma democrático passa a enfrentar é, dentre outros, efetivar a ordem econômica observando suas funções, sem que ocorra excessos, como vetor dessa simbiose se faz necessário diálogos entre Direito e Economia, ou como diria Marcelo Neves (2009, p. 34), através do conceito de racionalidade transversal14.

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Convergindo para a proposta de imbricação entre os interesses públicos e privados defendida ao longo deste trabalho.

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