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Capítulo 2 A Política Racial no Brasil: da eugenia a políticas de promoção da

2.7 Ciclo de protesto negro e a crise da democracia racial (1978 2001)

2.7.3 A 3ª Conferência Mundial contra o Racismo e o Papel da Cooperação

Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância (CMR), em 1997, fez com que organismos internacionais, como o Programa das Nações Unidades para o Desenvolvimento (PNUD), fomentassem agências do governo brasileiro para a produção de estudos e pesquisas sobre a realidade nacional, tomando como referências sua composição racial, para subsidiar os debates preparatórios para a participação brasileira na referida conferência. Assim, o PNUD incentivou o IPEA a realizar e publicar pesquisas sobre as desigualdades raciais. O primeiro estudo do órgão de pesquisa sobre desigualdades raciais produziu grande impacto no governo, estimulando o instituto a se embrenhar nas investigações sobre o tema (MARTINS, 2002). De fato, após a conferência de Durban (2001), o IPEA constituiu um setor para se debruçar sobre o fenômeno do racismo e seus efeitos, produzindo inúmeras pesquisas e publicações.

A cooperação internacional desempenhou um papel importante, mais uma vez, na realização de pesquisas e no aprofundamento e ampliação do debate público acerca das desigualdades raciais no Brasil. Além do estímulo ao IPEA, após a 3ª CMR, o PNUD liderou o desenvolvimento do Programa de Combate ao Racismo Institucional (PRCI) juntamente com o Department for International Development (DFID), órgão do governo britânico para o desenvolvimento internacional.

Sem dúvida, a cooperação internacional deu forte impulsão no tema. Convênios foram firmados com o Ministério da Saúde (PCRI-Saúde) e com as prefeituras municipais do Recife e de Salvador (PCRI – municípios) para a execução de projetos-pilotos, a respeito do qual falaremos no Capítulo 5.

O anúncio da realização da 3ª CMR provocou rebuliço tanto no movimento negro quanto no governo brasileiro.107 Nas duas conferências anteriores (1978 e 1983), não houve repercussão interna. À época, as conferências da ONU não contavam com a participação da sociedade civil, mas apenas com representantes governamentais. As mudanças introduzidas no formato e na dinâmica das conferências da ONU, iniciadas com a Conferência do Meio Ambiente, a Rio-92, permitindo e incentivando a participação da sociedade civil, galvanizaram o movimento frente à possibilidade de participar da 3ª CMR.

As conferências da ONU são precedidas de encontros preparatórios nacionais e regionais (por continente ou fração continental). Em maio de 2000, a ONU havia escolhido o Brasil para sediar a reunião regional das Américas, preparatória para a Conferência Mundial. Inicialmente, o governo brasileiro aceitou, mas depois apresentou argumentos, todos igualmente pífios, para a não realização do encontro. Primeiro, seria porque os líderes negros brasileiros não queriam. Como tal alegação não se sustentava, o governo ensaiou que era por falta de recursos. Conforme afirma Telles (2003), as conferências da ONU são subsidiadas; países pobres, como Senegal e Iraque, realizaram as reuniões preparatórias.108

Dessa maneira, o encontro regional das Américas foi assumido pelo Chile. Ocorreria em Santiago em dezembro de 2000. Antes, porém, movimentos negros de 10 países da América Latina, membros da Aliança Estratégica de Afro-Americanos (La Alianza), criada em 1998, realizaram uma reunião em San José, Costa Rica, em outubro de 2000, na qual elaboraram um documento que seria apresentado aos governos latino-americanos na pré- conferência do Chile. Esse documento foi aceito na íntegra pelos governos, sendo incorporado como parte das plataformas oficiais. Na reunião regional das Américas, em Santiago, “o governo brasileiro, pela primeira vez, mostrou seriedade e determinação para resolver as questões levantadas pelo movimento negro” (Telles, 2003, p. 91).

O governo do Brasil instituiu um comitê nacional, formado por representantes do governo e da sociedade civil (afrodescendentes, indígenas, homossexuais e judeus, entre outros), a fim de preparar a ida da delegação brasileira a Durban. Em agosto de 2000, organizações da sociedade civil e alguns parlamentares resolveram criar um grupo executivo com o objetivo de dinamizar e permitir uma ampla participação de entidades do movimento negro no processo de preparação para a 3ª Conferência, o chamado “Comitê Impulsor” (SANTOS, 2005).

107 Sobre a mobilização, organização e participação do Movimento Negro na 3ª CMR, cf. Santos (2005).

108 Analistas e militantes interpretaram como um temor do governo federal que a reunião fosse um palco de

Embora não tendo realizado a reunião regional das Américas, o Brasil realizou a sua conferência preparatória, que reuniu cerca de dois mil ativistas, em julho de 2001, no Rio de Janeiro. Segundo Telles (2003), após as reuniões de San José, Santiago e Rio de Janeiro, as autoridades brasileiras, sobretudo o Itamaraty, já não mais podiam ignorar a problemática do racismo no Brasil, assumindo uma seriedade jamais vista antes, empenhando grande esforço e recursos para a conferência mundial. A questão não poderia ser mais negada ou arguida como algo do passado escravista. “As autoridades governamentais não podiam fazer outra coisa senão notar que o movimento negro não se baseava apenas em um pequeno grupo de ativistas, e sim que tinha desenvolvido uma ampla rede de apoio” (TELLES, 2003, p. 92).

A comitiva brasileira a Durban era bastante numerosa. A delegação governamental era formada por cerca de 50 membros, entre eles o ministro da Justiça, o secretário nacional de Direitos Humanos, deputados federais e embaixadores. Aproximadamente 200 ativistas do Movimento Negro embarcaram para Durban. Durante a conferência, os militantes negros brasileiros deram demonstrações das injustiças raciais no Brasil, além de denunciar o fracasso na implementação de políticas antirracistas. A imagem do Brasil sofria mais um arranhão. A imagem de “democracia racial” desmoronava.

Após a 3ª CMR o Estado brasileiro passou a admitir a possibilidade de ações afirmativas para populações historicamente discriminadas. De imediato, o governo federal criou o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), vinculado à Secretaria de Estado de Direitos Humanos, do Ministério da Justiça, cujo objetivo era suscitar a formulação de políticas afirmativas e resguardar direitos de indivíduos e grupos suscetíveis à discriminação racial (JACCOUD, 2009).109

No plano estadual, em outubro de 2001 um projeto de lei de iniciativa de um deputado estadual do Rio de Janeiro, de um partido político conservador, sem vínculo com Movimento Negro, estabelecia cotas raciais para o ingresso de estudantes negros (pretos e pardos) nas universidades públicas do seu Estado - Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade Estadual Norte Fluminense (UENF). O projeto foi aprovado por unanimidade pela Assembleia Legislativa e sancionado na íntegra pelo governador do Estado.

109 O governo FHC anunciou programas de ações afirmativas nos Ministérios do Desenvolvimento Agrário, da

Cultura e da Justiça. O Ministério da Educação, contrário às cotas raciais, adotou o Programa Diversidade na Universidade, com o objetivo de apoiar cursinhos pré-vestibulares para negros e carentes (JACCOUD, 2009; HERINGER, 2006).

Tanto o Movimento Negro quanto o restante da sociedade civil foram surpreendidos com a rapidez da proposição, aprovação e sanção governamental110.

O estabelecimento de cotas raciais para o ingresso nas universidades públicas desencadeou um intenso e acirradíssimo debate nacional. Desde o seu início, o assunto transformou-se em um embate polarizado e de alta voltagem. Dois campos bem distintos foram desmarcados: de um lado, os contra as cotas raciais; de outro, os a favor. No primeiro grupo, encontram-se os apoiadores da “democracia racial”; no segundo grupo, os pregadores da igualdade racial (JACCOUD, 2009).

Os autodenominados antirracistas, defensores da “democracia racial”, contrários não só às cotas raciais para ingresso no ensino superior, mas a qualquer política pública que tenha como objetivo modificar as hierarquias sociais baseadas na raça. Para os defensores da “democracia racial”, o Brasil se caracterizaria por uma mistura cultural e racial. Um país mestiço, onde não se pode determinar quem é branco ou quem é negro. Afirmam ainda que medidas como as cotas raciais são uma imitação dos Estados Unidos. Argumentam também que a principal mazela brasileira é a pobreza. Esta não distinguiria raça ou cor. Segundo eles, há brasileiros pobres pretos, pardos e brancos. Como corolário desse raciocínio, advogam políticas universalistas de combate à pobreza e de melhoria da escola pública. Para eles, os brancos pobres seriam prejudicados com políticas dessa natureza. Chegaram a argumentar que se tratava de uma política racista, comparável ao nazismo.

Muitos daqueles contrários às cotas raciais, ao longo das suas carreiras políticas ou acadêmicas, nunca haviam dado atenção nem ao tema racial e muito menos ao educacional. Todavia, mais grave foi a revelação demonstrada cabalmente de que, no afã de defender seus pontos de vista e atacar a proposta das cotas raciais, chegou-se a manipular, adulterar e falsificar trechos do livro Thirteen ways of looking at a black man, de Henry Louis Gates Junior, como se ele e outros negros afro-americanos fossem contrários às cotas.111 Por fim, pregavam ainda que as cotas seriam inconstitucionais, porque a Constituição brasileira estabelece que todos são iguais perante a lei sem distinção de raça, credo ou classe social. Para os defensores da “democracia racial”, a questão se resolveria por meio da miscigenação e na esfera privada (AVRITZER; GOMES, 2013).

110 Em 2003, a Universidade de Brasília (UnB), primeira universidade federal, aprovou o sistema de contas

raciais (CARVALHO, 2005). A Universidade Estadual da Bahia (Uneb) aprovou seu sistema de reserva de vagas, em junho de 2002 (MATTOS, 2006).

111 Cf. Gonçalves, Ana Maria. “A mídia, as cotas e o sempre bom e necessário exercício da dúvida”. Disponível

em (https://www.revistaforum.com.br/2012/05/09/yvonne-maggie-falsificacao-de-citacao-adulteracao-de- arquivos-e-desonestidade-intelectual/.

Os favoráveis às cotas raciais, partidários da igualdade racial, procuram demonstrar, com base em estatísticas dos órgãos governamentais, indicadores sociais e econômicos, acrescentando dados históricos, que a desigualdade socioeconômica existente entre brancos e não-brancos não decorre de uma fatalidade histórica, mas é o resultado da ação seletiva do Estado brasileiro, que favoreceu o contingente branco da sociedade. No que se refere ao texto constitucional, contra-argumentam que, pelo contrário, a Constituição autoriza o Estado a adotar políticas para a redução das desigualdades.

O debate público sobre as cotas raciais no ensino superior alcançou nível de tensão bastante elevado. No Brasil, esse tipo de debate sempre foi silenciado, interditado quer seja pelo Estado, quer pela intelectualidade conservadora e progressista. Os negros sempre foram desautorizados a falar das suas experiências de discriminação. Suas queixas minimizadas, quando não ridicularizadas e infantilizadas. Dessa vez, uma diferença era marcante, a unidade racial branca havia se rompido. A “democracia racial” não era mais um valor compartilhado por todos. A hegemonia e a dominação racial foram postas em xeque. Nos anos seguintes, em meio ao renhido debate das cotas raciais, muitas universidades públicas federais e estaduais adotaram alguma modalidade de cotas raciais para ingresso nos cursos de graduação. Em todas as proposições, havia uma combinação de aspectos: racial, econômicos, e egresso de escola pública. 112

2.8 O Debate Público sobre as Ações Afirmativas e Iniciativas para a Igualdade Racial

No período de 2001 a 2004, Heringer (2006) listou 69 iniciativas classificadas como de promoção da igualdade racial. Dessas, 23 eram iniciativas do governo federal, 21 de governos municipais e estaduais, 12 do setor privado e 11 de organizações da sociedade. Destaque para as ações afirmativas de acesso ao ensino superior. O governo FHC formulou algumas propostas de ações afirmativas, tais como a criação de um fundo de reparação social para financiar políticas inclusivas e o Programa Nacional de Ações Afirmativas, no âmbito da administração pública (Decreto nº 4.228/2002). Entretanto, apenas a adoção de cotas raciais na ocupação de cargos comissionados no Ministério do Desenvolvimento Agrário e o programa de ações afirmativas do Instituto Rio Branco, destinado a incentivar e apoiar o

112 A literatura sobre cotas raciais no ensino superior no Brasil é abundante. Um levantamento pela palavra-

chave “cotas raciais” obteve 136 títulos de artigos acadêmicos para o período 1997-2016. No portal de Teses da Capes, com a mesma palavra-chave, para o período 2004-2015, há 121 teses e dissertações registradas. Cf. o site do GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa), em http://gemaa.iesp.uerj.br.

ingresso de negros da carreira diplomática,113 foram implementados. As demais iniciativas tiveram execução errática e resultados pífios (HERINGER, 2006; TELLES, 2003).

No primeiro governo do presidente Luiz Ignácio Lula da Silva (2003-2006), o tema recebe outra abordagem e ganha dinamismo. A primeira medida foi a sanção pelo presidente da República da Lei 10.639, 09 de janeiro de 2003, que institui o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (uma bandeira histórica do Movimento Negro). Naquele mesmo ano, em 21 de março, o presidente Lula assinou o decreto de criação da Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (SEPPIR),114 com o objetivo de formular, coordenar e articular as ações do governo federal destinadas às populações historicamente discriminadas por razões étnicas e raciais.

O passo seguinte foi a elaboração da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR); outros órgãos foram instituídos, como o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) e o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (FIPIR), órgãos estatais consultivos da PNPIR. Ainda em 2003, o governo federal publicou do Decreto nº 4.887, regulamentando o procedimento para reconhecimento, demarcação e titulação das terras das comunidades quilombolas (Ribeiro, 2014).

Após a formatação dos órgãos que compõem a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR), foi convocada a I Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (I CONAPIR), que se realizou em 2005, em Brasília. Esse ano foi definido pelo governo federal como o “Ano Nacional de Promoção da Igualdade Racial”. Das centenas de proposta aprovadas na I CONAPIR, 87 delas eram referentes à promoção da equidade em saúde (FAUSTINO, 2012). Dois anos depois, a II CONAPIR foi realizada. Todavia, somente em 2009 a SEPPIR conseguiu sistematizar as propostas das duas conferências, consubstanciando o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PLANAPIR), aprovado pelo Decreto 6.872, de junho 2009. Essas propostas também foram integradas ao Estatuto da Igualdade Racial, Lei 12.288/2010 (RIBEIRO, 2014).

O Estatuto da Igualdade Racial, Lei 12.288115, aprovado em 2010, instituiu o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), “como forma de organização e de articulação voltadas à implementação do conjunto de políticas e serviços destinados a

113 A experiência do Ministério de Desenvolvimento Agrário foi descontinuada. O Programa de Ação Afirmativa

do Instituto Rio Branco – Bolsa-Prêmio de Vocação para a Diplomacia, instituído em 2002, segue em vigor.

114 Decreto nº 4.651/2003. O dia 21 de março é o Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial. A

Seppir foi criada com status de Ministério. Em 2010, a Secretaria foi transformada em Ministério.

115 Sobre o processo de aprovação da Lei 12.288/2010, cf. SANTOS; SANTOS, BERTÚLIO (2011). Parte dos

bastidores da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial pode ser vista no documentário “Raça” (2013), de Joel Zito Araújo e Megan Mylan.

superar as desigualdades étnicas existentes no país, prestados pelo poder público federal” (ESTATUTO, 2010, Art. 47).

Na área da educação, o governo federal criou, em 2004, o Programa Universidade para Todos (PROUNI), institucionalizado pela Lei nº 11.096/2005. O programa concede isenções tributárias a Instituições de Ensino Superior (IES) da rede privada. Como contrapartida, as IES aderentes ao programa devem ofertar bolsas de estudos integrais e parciais. Um dos critérios a serem observados na oferta das bolsas de estudos é que elas devem obedecer ao percentual da população negra registrada pelo IBGE na unidade da Federação em que o IES opera. O PROUNI foi alvo de algumas ADINs – Ações Diretas de inconstitucionalidade. Uma ação foi impetrada pelo Partido da Frente Liberal, atual Democratas (DEM), outras pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN). Uma terceira ADIN foi movida pela Federação Nacional de Auditores Fiscais da Previdência Social (FENAFISC), mas rejeitada pelo Judiciário (JACCOUD, 2009).

O capítulo mais marcante tentativa de modificar a política racial brasileira foi o embate “democracia racial versus igualdade racial” (JACCOUD, 2009, p. 62) sobre as cotas raciais. Um dos episódios desse confronto foi o das “batalhas de manifestos públicos” (Id. Ib. 64). Ambos os grupos lançaram manifestos à nação na tentativa de influenciar a opinião pública e também o debate legislativo.116

O Judiciário tornou-se o campo de disputa escolhido pelos defensores da “democracia racial”. Talvez informados pelas muitas sentenças dos juízes de primeira instância, que segundo Sales Júnior (2006), raros são os casos de sucesso judicial em ações movidas com base na lei antirracista. A imensa maioria dos registros policiais de casos de racismo não chega, sequer, a se transformar em inquérito policial. Nos poucos casos que avançam no sistema judiciário, as vítimas de racismo, em geral negros, perdem as ações.

Sem embargo, a Suprema Corte Brasileira surpreendeu a todos. Em todas as ADINs contra o sistema de cotas ou outras decisões governamentais de promoção da igualdade racial, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem considerado que são medidas em total acordo com o arcabouço constitucional.

116 Em maio de 2006, os defensores da “democracia racial” lançaram "Todos têm direitos iguais na República

Democrática”. Os pregadores da igualdade racial, em julho, lançaram o "Manifesto em favor da lei de cotas e do estatuto da igualdade racial”. cf. Jornal Folha de São Paulo. Disponível http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u18773.shtml. Em 21 de abril de 2008, os arautos da “democracia racial” apresentaram o manifesto “Cento e treze cidadãos anti-racistas contra as leis raciais”. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1405200807.htm. Em resposta, os partidários da igualdade racial divulgam o “Manifesto em defesa da justiça e constitucionalidade das cotas”. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1405200808.htm

Em abril de 2012, por decisão unânime, o STF julgou a favor da constitucionalidade do sistema de cotas raciais como forma de acesso a universidades públicas brasileiras. Após esta decisão, o governo federal encaminhou o projeto de lei que tornava obrigatória a adoção de cotas raciais no ingresso em universidades públicas federais. Em agosto daquele mesmo ano, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.711/2012 (conhecida como “a lei das cotas”), regulamentando a adoção de cotas raciais para estudantes egressos de escolas públicas como um dos componentes para ingresso em universidades federais e institutos federais de ensino técnico e de nível médio. Dois anos depois, o governo federal sancionou a Lei 12.990/2014, que reserva 20% das vagas nos concursos públicos da União para candidatos que se autodeclaram negros. Em defesa da referida lei, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deu entrada a uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), que foi considerada constitucional, por unanimidade, pelo STF.

No campo da saúde, o Brasil igualmente experimentou um novo ímpeto, com o novo governo. Elaborado originalmente como a contribuição da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), seção Brasil, para a 3ª CMR, o trabalho Saúde da população negra – Brasil, Ano 2001, de autoria da médica Fátima Oliveira (2003), publicado em 2003, constituiu um importante documento para a construção do campo Saúde da População Negra no Brasil. O Ministério da Saúde (MS) criou, em 2004, o Comitê Técnico de Saúde da População Negra, com representantes das secretarias e departamentos do MS e representantes da sociedade civil. Posteriormente, representantes da SEPPIR e dos Conselhos Nacionais de secretários estaduais e secretários municipais de Saúde passaram a integrar o comitê. Nesse mesmo ano, iniciam-se as discussões para a elaboração de uma Política Nacional de Saúde da População Negra.

No processo, como forma de levantar contribuições e subsídios para a construção dessa política, é realizado o I Seminário Nacional de Saúde da População Negra. Em 2006, ocorreu o II Seminário de Saúde da População Negra. Nesse ano, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) foi aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde. Em uma demonstração de comprometimento, o MS incluiu a diretriz “promoção da equidade na atenção à saúde da população negra” no Plano Nacional de Saúde (JACCOUD, 2009).

O Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI) foi um dos desdobramentos da 3ª CMR. Sua implementação envolveu a parceria de órgãos estatais nacionais, como a SEPPIR, o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério da Saúde; órgãos multilaterais, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS); órgão estatal estrangeiro, o Departamento Britânico para o Desenvolvimento Internacional e Redução da Pobreza (DFID); e ainda

contou com a participação das prefeituras das cidades do Recife e de Salvador e com o Ministério Público do Estado de Pernambuco (MPPE) (JACCOUD, 2009).117

O PCRI começou a ser gestado em 2002. Ele era formado por dois componentes: PCRI-Saúde e o PCRI-Municípios. O PCRI-Saúde funcionava em parceria direta com o MS e a OPAS. No segundo componente, PCRI-Municípios, as ações foram desenvolvidas nas Prefeituras do Recife e de Salvador; a partir da segunda metade de 2003, no Recife, e a partir de 2004, em Salvador, assunto para o Capítulo 4 desta tese.

O conceito de racismo institucional considera que as manifestações do racismo não são expressões de âmbito individual, mas uma responsabilidade das instituições. Este conceito ajuda a pensar que medidas, ações e atos de organizações públicas e privadas estão eivados de racismo, mesmo que em nenhum momento seja explicitamente declarado. Esta abordagem tem como foco as práticas organizacionais que contribuem para a naturalização da