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4.  Organização da tese 

1.1.5.  Abordagens das representações sociais 

1.1.5.3.  A abordagem etnográfica 

Na sequência da linha de pensamento de Moscovici (1976), Jodelet (1993) encara as  representações enquanto sistemas de interpretação e fenómenos cognitivos. No primeiro  caso,  possibilitam  regular  a  nossa  relação  com  outras  pessoas  (reconstruindo  a  nossa 

identidade pessoal e social e interações grupais), sendo a sua “intervenção” plurívoca. No  segundo caso, resultam de um processo de seleção de algo que nos é exterior, que está  na base da elaboração psicológica e social da realidade. 

Jodelet pôde aperceber‐se da importância destes aspetos no âmbito de um estudo  etnográfico  que  realizou  numa  comunidade  rural,  em  França,  onde  viviam  doentes  mentais  em  liberdade,  no  intuito  de  estudar  as  representações  sociais  no  contexto  em  que  emergiam  e  os  seus  modos  de  funcionamento.  O  trabalho  de  campo  realizado,  descrito em pormenor em Folies et représentations sociales (Jodelet, 1989), possibilitou à  investigadora desocultar um conjunto de representações da loucura, (re)construídas pela  comunidade na interação quotidiana com os doentes. Dado que a presença dos doentes  mentais  punha  em  causa  a  identidade  social  da  comunidade  enquanto  grupo,  foram  criadas representações que tornaram possível conferir‐lhes um estatuto de alienação, de  forma a preservar a integridade da comunidade em causa (por exemplo, acreditavam na  transmissão da loucura através de fluidos corporais e tudo o que estava em contacto com  eles).  Este  estudo  permitiu  destacar  o  modo  como  a  abordagem  etnográfica  pode  contribuir  para  o  destrinçar  de  representações  sociais  emergentes  da  interação  gerada  em  contextos  particulares  que  exigem  que  o  investigador  mergulhe  na  sua  trama  para  compreender, holisticamente, o seu possível caráter multifacetado. 

Na esteira de Moscovici (1976), Jodelet (1993, pp. 43‐44) considerou a existência de  quatro aspetos que distinguem as representações sociais:  

i) Representam  sempre  alguma  coisa  (o  objeto)  e  alguém  (o  sujeito),  resultando de uma interação conjunta de ambos;  

ii) Estabelecem  com  o  seu  objeto  uma  relação  simbólica  e  de  interpretação,  dado que são construídas através de processos cognitivos, a nível individual,  em conjugação com processos de pertença e participação cultural e social;  iii) Constituem  uma  forma  de  conhecimento,  apresentando‐se  como 

“modelização”  do  objeto  inferido  através  de  diferentes  suportes  –  comportamentais, linguísticos, ou outros;  

dos  sujeitos  a  partir  da  qual  foram  produzidas  com  o  contexto  global  no  qual  se  enquadram  –  neste  sentido  são  orientadas  para  o  sujeito  e  deste  para outros. 

Em  seu  entender,  a  articulação  destes  aspetos  entronca  no  seguinte  conjunto  de  questões: Quem sabe e a partir de onde sabe? O que sabe e como se sabe? Sobre o que  se  sabe  e  com  que  efeito?  Do  seu  ponto  de  vista,  estas  questões  levam  a  considerar  a  existência  de  três  planos  –  distintos  mas  interdependentes  –  relacionados  com  as  representações sociais: 

i) Condições  de  produção  e  de  circulação  das  representações  sociais,  plano  relacionado  com  aspetos  relativos  às  relações  entre  cultura  (coletiva,  de  grupo,  e  seus  valores),  comunicação  (interindividual,  institucional  e  mediática)  e  sociedade  (por  exemplo,  pertença  a  um  grupo  e  posição  dentro dele); 

ii) Processos  e  estados  das  representações  sociais,  englobando  os  aspetos  relativos  ao  conteúdo  e  estrutura  próprios  de  uma  forma  de  conhecimento prático, às suas funções e eficácia; 

iii) Estatuto  epistemológico  das  representações  sociais,  centrado  na  transformação  do  saber  científico  em  saber  prático,  do  senso  comum,  e  vice‐versa e nas suas implicações para a (re)construção da realidade.  Jodelet (1993) concede também particular atenção aos processos de formação das  representações sociais, pondo em evidência a relevância da ancoragem e da objetivação  enquanto processos interdependentes.   Na objetivação, distingue três fases (Jodelet, 1993):   i) A construção seletiva, que diz respeito à apropriação das informações e dos  saberes sobre um dado objeto pelo sujeito que retém alguns elementos e  ignora  outros;  essa  triagem  resulta  de  condicionantes  culturais  (maior  ou  menor acesso a determinados elementos face à inserção em determinado  grupo pelo sujeito), mas primordialmente de critérios normativos (retêm‐se  elementos  em  concordância  com  o  sistema  de  valores  que  rodeia  o 

sujeito); 

ii) A  esquematização,  relativa  à  representação  concetual  dos  elementos  constitutivos  do  objeto  da  representação,  que  o  sujeito  constrói;  a  organização desses elementos dá lugar a um núcleo ou esquema figurativo;  iii) A  naturalização,  decorrente  da  transformação  do  objeto  abstrato  em 

objeto  concreto;  o  núcleo  figurativo  torna‐se  real  para  um  determinado  grupo. 

No entender de Vala (2006, p. 467), “Não só o abstrato se torna concreto através da  sua  expressão  em  imagens  e  em  metáforas,  como  o  que  era  percepção  se  torna  realidade, tornando equivalentes a realidade e os conceitos.” 

No  que  se  refere  à  ancoragem,  esta  assegura,  no  entender  de  Jodelet  (1993),  o  enraizamento da representação e do seu objeto numa rede de significados, que permite  enquadrá‐los  em  contextos  sociais  mais  amplos,  conferindo‐lhes  coerência.  Nesse  sentido, atribui‐lhe um papel fundamental, por permitir a inscrição da representação no  âmbito do familiar do que já é conhecido para acomodar o novo, dando continuidade ao  processo de objetivação, mormente à “naturalização”, no âmbito da qual é atribuído um  valor concreto a elementos que passam a ser compreendidas e utilizadas quando agimos  em sociedade. Considera‐a capaz de desempenhar três funções (Jodelet, 1986; 1993):   i) Interpretação da realidade;   ii) Integração de algo novo num sistema já existente;  iii) Orientação das condutas e relações sociais.  

Alves‐Mazzotti  (2008)  considera  que  a  distinção  de  tais  funções  possibilita  compreender a relação intrínseca entre a ancoragem e a objetivação, lançando luz sobre: 

i) O significado atribuído ao objeto representado;  

ii) A  representação  enquanto  sistema  de  interpretação  do  quotidiano,  orientadora da conduta dos sujeitos;  

iii) O  modo  como  a  representação  é  integrada  num  sistema  pré‐existente,  influenciando e sendo influenciada pelos elementos que lá circulam.