Capítulo 3 – O ensino explícito da compreensão na leitura
3.4. Estratégias didáticas para o ensino explícito da compreensão na leitura
3.4.1. Centradas na motivação para a leitura
O desenvolvimento de estratégias didáticas de motivação para a leitura por parte dos profissionais da Educação é consensualmente reconhecido como fundamental na investigação sobre a leitura (International Reading Association, 2000; Malloy, Marinak, Gambrell & Mazzoni, 2013).
No entendimento de que a formação do leitor é construída ao longo da vida, tais estratégias têm ganho relevo no âmbito da literacia emergente, antes do ensino formal da leitura e da escrita (Leal, Gamelas, Peixoto & Cadima, 2014; Viana & Ribeiro, 2014). Ramos e Silva (2014) destacam, por exemplo, no que respeita à leitura com bebés e crianças pequenas: i) a promoção do contacto com textos do acervo literário tradicional (as “rimas infantis” e as lengalengas, entre outras); ii) a audição de pequenas narrativas; iii) o cruzamento da leitura com a dramatização, com recurso a materiais diversos tais como fantoches, marionetas, etc.
Nas Orientações Curriculares para a Educação Pré‐Escolar (Silva & Núcleo de Educação Pré‐Escolar, 1997) é apontada a relevância da partilha das estratégias de leitura do educador com o leitor, nomeadamente estando em causa a leitura de histórias, sendo frisado que tal leitura “ (…) é um meio de abordar o texto narrativo que, para além de outras formas de exploração, noutros domínios de expressão, suscitam o desejo de aprender a ler” (Silva & Núcleo de Educação Pré‐Escolar, 1997, p. 70).
Alguns autores sugerem, especificamente, a operacionalização de um conjunto de estratégias centradas na motivação para a leitura, que ilustram o seu caráter multifacetado, bem como a necessidade da sua planificação por parte dos profissionais da Educação/professores nos contextos múltiplos em que possam vir a atuar.
Gambrell (2011), por exemplo, aponta as seguintes sete estratégias:
i) Desenvolver, na sala de aula, práticas que potenciem a conexão entre a leitura realizada na Escola e as vivências quotidianas dos alunos, de modo a favorecer valorização da leitura (por exemplo, estimular a criação de um “diário de leitura”, onde os alunos deverão escrever diariamente, durante
três minutos, o que os incitará a refletir sobre o que leram durante o tempo consagrado na aula à leitura, independentemente do tipo/género textual selecionado, e a estabelecer relações entre o texto lido e a sua vida);
ii) Criar um ambiente que acolha a leitura na sala de aula, tendo à disposição dos alunos livros, revistas, ligação à Internet, etc.; no entanto, a autora frisa que a quantidade de materiais não é o elemento mais importante, referindo que “Access to books also implies that teachers should invite children to read by raising interest and curiosity about books and other materials” (Gambrell, 2011, p. 174);
iii) Aumentar o tempo consagrado à leitura, de forma continuada; no caso dos alunos menos motivados para a leitura, iniciar, por exemplo, o período de aulas a seguir às férias com uma atividade de dez minutos de leitura, aumentados gradualmente;
iv) Incentivar os alunos a escolher autonomamente o que querem ler;
v) Criar oportunidades para os alunos interagirem socialmente sobre aquilo que leram (por exemplo, partilhando pontos de vista sobre livros, realizando leituras em conjunto, emprestando livros uns aos outros); vi) Selecionar textos moderadamente desafiadores para os alunos, de modo a
que não fiquem desmotivados por um texto ser demasiado fácil ou difícil; vii) Promover incentivos à leitura na sala de aula, que reflitam a sua
importância e respetiva valorização (por exemplo, dando feedback construtivo e de apoio aos alunos, de modo a que encarem a leitura de forma positiva, elogiando os progressos realizados).
Sá (2009a, com base em Weaver, 1980), refletindo a relação holística entre os fatores leitor, texto e contexto apontados anteriormente (cf. 3.2.1; 3.2.2; 3.2.3.), destaca as seguintes estratégias de motivação para a leitura:
i) Criar materiais para a leitura (recorrendo a atividades que, por exemplo, impliquem ler em voz alta textos escritos pelo próprio aluno);
para serem manuseados e lidos pelos alunos e realizando atividades como, por exemplo, ler alto para os alunos ou convidar alguém para o fazer);
iii) Variar as experiências de leitura dos alunos (recorrendo a atividades como, por exemplo, comparar um texto lido com outros do mesmo género ou ler diferentes tipos de textos e com diferentes finalidades (para obter informação precisa, para seguir instruções, para aprender, para praticar a leitura em voz alta, por prazer, etc);
iv) Promover a partilha de experiências de leitura (por exemplo, através de atividades como ler em voz alta para os outros, cruzar a leitura com outras atividades relativas ao tratamento da língua – tais como escrever a partir de textos lidos – ou de outras formas de expressão – tais como dramatizar, mimar, ilustrar, musicar textos lidos ou passagens destes).
Como sublinha Solé (2009, p. 58), o desenvolvimento de estratégias de motivação para a leitura está também estreitamente dependente de uma variável raramente mencionada: “el grado en que los docentes muestran ellos mismos su interés por la lectura, el placer de leer”. A autora destaca que tal influenciará o modo como auxiliarão as crianças e os jovens a ler, num labor conjunto com outros profissionais da Educação.
Nesse entendimento, operacionalizar estratégias como Rodear os alunos de um universo de leitura e Variar as experiências de leitura dos alunos (Sá, 2009a) implicará, por exemplo, como sublinha Cerillo Torremocha (2010), que os responsáveis pela formação do leitor:
i) Conheçam um conjunto alargado de livros que possam selecionar, adequadamente, de acordo com os interesses do seu público; ii) Consolidem o contacto com os livros com a integração das estratégias que considerem mais oportunas, tendo em consideração o contexto em que se inserem; iii) Tenham hábitos de leitura e se entusiasmem com a mesma; iv) Estejam a par dos mecanismos editoriais da literatura para a infância; v) Para além do livro como suporte essencial da leitura, conheçam outros
público.
Relativamente aos dois últimos aspetos focados por Cerillo Torremocha (2010), importa sublinhar que, a par do possível impacto positivo da leitura de ebooks no que respeita à motivação para a leitura (Picton, 2014; Zucker, Moody & McKenna, 2009), a crescente oferta editorial em Portugal no que respeita à literatura para a infância tem sido reconhecida enquanto um aspeto relevante a considerar no âmbito do desenvolvimento de estratégias de motivação para a leitura (Ramos & Silva, 2014; Ramos, 2007). 3.4.2. Centradas no desenvolvimento da compreensão na leitura É reconhecido que muito do que sabemos sobre a compreensão na leitura se deve aos estudos acerca dos bons leitores, possibilitando uma reflexão multidimensional sobre a sua complexidade (McLaughlin, 2012; Williams, 2015).
Duke, Pearson, Strachan e Billman (2011) apresentam um conjunto de características sobre o que fazem os bons leitores quando leem que passamos a sintetizar:
i) Estabelecem objetivos precisos e reavaliam‐nos constantemente;
ii) Têm em atenção a estrutura do texto que vão ler, verificando que seções do mesmo serão mais relevantes face aos objetivos que previamente traçaram; iii) Fazem previsões sobre o que vão ler;
iv) Fazem uma leitura seletiva, ou seja, escolhem o que ler mais rapidamente ou mais devagar, o que reler, o que não vão ler;
v) Reveem e questionam o significado construído enquanto leem;
vi) Tentam descobrir o significado de palavras e de conceitos com os quais não estão familiarizados;
vii) Baseiam‐se no seu conhecimento prévio sobre o conteúdo do texto lido e integram‐no na compreensão do texto em questão;
viii) Refletem sobre as intenções, conceções e contexto histórico do(s) autor(es) do texto;
necessários;
x) Estabelecem critérios de valorização qualitativa do texto lido, quer do foro emocional, quer do foro intelectual;
xi) Leem de forma diferente diferentes tipos/géneros textuais;
xii) Processam os conteúdos lidos, não apenas durante a leitura, mas também nos intervalos da mesma e até após esta ter terminado.
Face à complexidade que lhe está inerente, considera‐se que é possível e desejável que a compreensão na leitura seja ensinada de forma explícita, tornando os leitores em devir conscientes do que fazer para compreender um texto (Sim‐Sim, 2007; Vaz, 2010; Viana, Ribeiro, Santos & Cadime, 2012).
O ensino explícito da compreensão na leitura implica que seja mobilizado pelo professor/profissional da Educação um conjunto de estratégias, cuja relevância tem vindo a ser sublinhada na literatura de especialidade (cf., por exemplo, Sá, 2004; Viana et al., 2010).
Sá (2009a) refere o seguinte conjunto de estratégias centradas no desenvolvimento de competências em compreensão na leitura:
i) Trabalhar a apreensão das ideias veiculadas pelos textos lidos, através de atividades centradas
Em elementos do texto (palavras, frases, parágrafos) e nas ligações entre eles (tais como, por exemplo, ordenar elementos do texto, identificar ligações entre eles – explícitas e implícitas –, fazer inferências, fazer previsões),
Em ideias veiculadas pelos elementos do texto (tais como, por exemplo, parafrasear ou recontar o texto, responder a questões – orais ou escritas – sobre o texto, formuladas pelo professor ou pelos colegas, formular as suas próprias questões sobre o texto e pedir resposta para elas aos colegas ou até ao professor);
ii) Trabalhar a identificação das ideias principais dos textos lidos, contemplando atividades centradas na identificação
Do tema do texto (por exemplo, a partir do seu título, de algum sumário que o acompanhe),
Das suas ideias principais e secundárias (por exemplo, associando partes do texto a enunciados que resumem o seu conteúdo, fazendo o resumo do texto, levando os alunos a formular perguntas sobre o texto);
iii) Trabalhar a identificação da estrutura característica de um dado tipo de texto num texto lido, realizando atividades centradas na identificação
Das diferentes categorias da estrutura característica do texto e da sua organização no texto lido (por exemplo, formular/responder a perguntas direcionadas para as categorias da estrutura do texto; ordenar elementos do texto lido, sobretudo parágrafos);
De marcas textuais que ajudem a definir as diferentes partes características da respetiva estrutura num dado texto.