Capítulo 3 – O ensino explícito da compreensão na leitura
3.5. A importância das estratégias do leitor
Atualmente auxiliar os estudantes a tornarem‐se leitores “estratégicos” é visto como um aspeto fundamental para o desenvolvimento de competências em compreensão na leitura, que poderá contribuir para uma maior motivação para essa atividade, sendo sublinhado que se deve ensinar porquê/quando/onde devem ser utilizadas determinadas estratégias do leitor em detrimento de outras (Duke, Pearson, Strachan & Billman, 2011; Woolley, 2011). Vários estudos têm apontado para o caráter benéfico de tal ensino em distintos níveis de escolaridade (por exemplo, Spörer, Brunstein & Kieschke, 2009; Solé, 2012).
Sá (2014) destaca as seguintes estratégias do leitor a mobilizar no âmbito da pré‐ leitura, da leitura e da pós‐leitura:
i) Pré‐leitura:
Ativar conhecimentos prévios sobre o tema abordado no texto; Fazer previsões sobre o texto;
Formular questões sobre o texto. ii) Leitura: Ler o texto com atenção; Ajustar a velocidade de leitura; Sublinhar elementos do texto; Tirar notas; Fazer inferências;
Confrontar predições feitas antes da leitura com a informação recolhida durante a leitura; iii) Pós‐leitura: Fazer uma síntese do que foi compreendido; Reler o texto várias vezes; Tentar identificar o tipo/género textual; Tentar identificar as ideias principais do texto. É igualmente reconhecido na literatura de especialidade que algumas estratégias do leitor devem ser especificamente ensinadas para o desenvolvimento da compreensão na leitura de determinados tipos/géneros textuais, como o texto narrativo, o texto informativo ou o texto poético (cf., por exemplo, Duke, Pearson, Strachan & Billman, 2011; Sim‐Sim, 2007).
Apesar do reconhecimento da relevância do ensino explícito das estratégias do leitor, da reflexão sobre as mesmas emerge igualmente, de acordo com Duke, Pearson, Strachan e Billman (2011), a necessidade do professor/profissional da Educação:
i) Rever periodicamente o ensino das estratégias de desenvolvimento da compreensão na leitura, de modo a que não seja realizado de forma repetitiva e acrítica, insistindo em algumas estratégias e ignorando outras; ii) Não adotar um posicionamento rígido e inflexível que não tenha em
consideração a necessidade de adaptar o ensino de tais estratégias a contextos específicos, nomeadamente o perfil de leitor do seu público. Dado o caráter multidimensional assumido hoje pela leitura (cf. 3.1.1; 3.1.2.), a literatura de especialidade tem apontado para a necessidade de repensar o uso das
estratégias de desenvolvimento de compreensão na leitura, de forma a ir ao encontro dos múltiplos e variados itinerários proporcionados pela leitura no ecrã, em geral, e pela leitura online, em particular (Coiro, 2011; Hartman, Morsink & Zheng, 2008; Henry, 2006). Tendo como ponto de partida as estratégias utilizadas pelos bons leitores, alguns estudos procuram lançar luz sobre as diferenças e semelhanças no âmbito da mobilização de estratégias de desenvolvimento da compreensão na leitura online versus as usadas no texto impresso (por exemplo, Coiro & Dobler, 2007; Schmar‐Dobler, 2003).
Recentemente Dobler e Eagleton (2015) apontaram para o seguinte conjunto de diferenças no que respeita às estratégias a mobilizar pelo leitor, relativamente à leitura online:
i) A ativação do conhecimento prévio tem um cariz mais complexo, dado que implica que o leitor recorra ao conhecimento que possui sobre como localizar o conteúdo ao qual pretende aceder e o itinerário a seguir para cumprir tal objetivo, para que não se perca numa “navegação” desorientada que o pode desmotivar;
ii) Formular questões assume maior relevo na leitura online, dado implicar não só que estas incidam sobre o texto a ler, mas também sobre aspetos como, por exemplo, onde se situam os links a que se pretende aceder e outro tipo de informação exigida pela navegação no ecrã e ainda a relação existente entre a informação encontrada e o que o indivíduo leu;
iii) A elaboração de previsões reveste‐se de contornos específicos; na leitura online, o leitor tem necessidade de fazer previsões, em permanência, sobre como se “movimentar” no texto para encontrar informação pretendida (por exemplo, se clicar no link X, devo obter a informação Y); iv) A identificação das ideias principais do texto é uma tarefa mais complexa, dado que o leitor é confrontado com um conjunto adicional de aspetos que estão ausentes do texto impresso, tendo que decidir qual a sua relevância (por exemplo, ícones, gráficos interativos, etc.); para além disso, mantém‐ se a necessidade, tal como no texto impresso, de distinguir o importante do acessório;
v) Sumariar e sintetizar à medida que se lê, tarefas consideradas em si mesmas complexas no que se refere ao texto impresso, tornam‐se um desafio maior para o leitor online, que, muitas vezes, é confrontado com a necessidade de sumariar informação de vários textos, provenientes de várias fontes, o que exige maior destreza e celeridade na execução de tal tarefa;
vi) A monitorização está subjacente a todos os aspetos anteriores, no entender de Dobler e Eagleton (2015), revestindo‐se de um caráter fundamental na leitura online, por esta exigir ao leitor maior aprimoramento no que se refere ao sanar das quebras de compreensão, bem como ao ajustamento do ritmo de leitura (tendo em consideração os desafios implícitos no caráter não linear da leitura online).
Face ao exposto, Douglas, Hartman e Morsink (2015) consideram que o ensino da compreensão na leitura é um crescente desafio, quer em contexto escolar, quer em contexto extraescolar, para os professores e para os profissionais da Educação em geral. No que se refere ao contexto escolar, sublinham que (Douglas, Hartman & Morsink, 2015, p. 83):
Reading instruction will need to be more explicitly tailored to genre, medium, discipline, context, purpose, student, language and more. In new digital reading environments with new types of texts, students will need new knowledge, new skills, new strategies, even new dispositions to thrive.
No que se refere ao contexto extraescolar, os mesmos autores (Douglas, Hartman & Morsink, 2015) chamam igualmente a atenção para a relevância crescente da diversidade de práticas de leitura em que estão imersos crianças e jovens, aspeto que, em seu entender, deve ser objeto de reflexão no âmbito da formação de futuros profissionais da Educação, de modo a que estejam a par do novo “ecossistema” de leitura que abrange, igualmente, o público em geral.
3.6. Síntese final
A reflexão realizada sobre o ensino explícito da compreensão na leitura, sustentada na investigação sobre a mesma, possibilitou‐nos compreender o seu caráter multifacetado e a sua complexidade nos dias de hoje, espelhados no âmbito:
Da leitura, da literacia em leitura e seus desdobramentos…
O itinerário que fomos delineando pôs a descoberto que a leitura atualmente se desdobra, em permanência, numa multiplicidade de dimensões, alimentadas porventura pela necessidade crescente de nos tornarmos leitores‐cidadãos proficientes. Numa sociedade plasmada de ecrãs (nos quais lemos e nos revemos), tal desafio tem‐se agigantado, invadindo a leitura o nosso quotidiano de formas cada vez mais plurais.
Das repercussões no seu ensino…
Foi possível compreender que os desdobramentos a que aludimos têm contribuído para o alargamento de tais práticas de leitura à Escola, desejavelmente repercutindo‐se no seu ensino. A formação de leitores autónomos e críticos passará, pois, pelo cruzamento das “leituras reais” com as “leituras invisíveis para a escola” (Bueno & Rezende, 2015), que, de forma crescente, a ela se estendem.
Alguns testemunhos do esforço para acompanhar tais mudanças podem ser encontrados quer a nível nacional, quer a nível internacional. A nível nacional, por exemplo: i) através dos documentos curriculares orientadores em vigor, tais como a criação das Metas Curriculares de Português (Buescu, et al., 2012a) em articulação com o respetivo programa (Reis et al., 2009); ii) através da criação de um programa de formação de professores, promovendo a atualização das suas práticas educativas (PNEP – Programa Nacional do Ensino do Português); ii) através da implementação do PNL (Plano Nacional de Leitura). A nível internacional: i) através de estudos de largo escopo, como o PISA (Programme for International Student Assessment) e o PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study); ii) através de outros estudos que contemplam o ensino da leitura na Europa (EACEA/Eurydice (2012) e fora da Europa (Cunningham & O’Donnell, 2015; Goldman & Snow, 2015).
Do percurso realizado, a compreensão na leitura emergiu na literatura de especialidade enquanto processo complexo e multifacetado, resultando da interação entre o leitor, o texto e o contexto (Giasson, 1993; 2004). Estes três fatores têm sido objeto de atenção na investigação sobre a leitura, em particular no que se refere ao leitor, nomeadamente em relação aos processos que pode ativar quando lê – sendo concedido destaque, de forma crescente, aos processos metacognitivos (Carretti, Caldarola, Tencati & Comoldi, 2014; Pressley & Gaskins, 2006).
Da motivação para a leitura…
A revisão da literatura respeitante à motivação para a leitura permitiu compreender que se trata de um constructo complexo com múltiplas dimensões, tendo recebido particular atenção: i) a motivação intrínseca e a motivação extrínseca para a leitura e ii) as predisposições para a motivação para a leitura (Lopes & Lemos, 2014; Schiefele, Schaffner, Möller e Wigfield, 2012). Estes dois parâmetros, à semelhança do sucedido em relação à compreensão na leitura, têm sido estudados à luz dos fatores leitor, texto e contexto, resultando do enquadramento da sua relação holística.
Apesar de ser alvo de atenção crescente na literatura de especialidade, foi possível compreender a necessidade de realizar mais estudos sobre a motivação para a leitura que acompanhem a diversificação crescente das suas práticas e consequente evolução do perfil dos leitores.
Das estratégias didáticas para o ensino explícito da compreensão na leitura…
A investigação recente no âmbito da leitura tem destacado a necessidade de os profissionais da Educação, mormente em contexto escolar, dedicarem particular atenção ao ensino explícito da compreensão na leitura, contemplando estratégias didáticas centradas na motivação para a leitura e estratégias centradas no desenvolvimento da compreensão na leitura (Gambrell, 2011; Sá, 2009a).
Foi possível compreendermos que, no entendimento da formação do leitor enquanto processo perene ao longo da vida, tais estratégias deverão ser operacionalizadas desde cedo. Nesse sentido, a investigação reconhece a sua importância no âmbito dos comportamentos emergentes de leitura (Ramos & Silva, 2014; Viana & Ribeiro, 2014), concedendo particular relevo ao percurso escolar, pela complexidade
associada aos diferentes tipos/géneros textuais que fazem parte do quotidiano na Escola (Duke, Pearson, Strachan & Billman, 2011; Sim‐Sim, 2007).
Das estratégias do leitor…
A relevância do ensino explícito de estratégias do leitor emergiu também da revisão da literatura realizada, sendo consensualmente reconhecidos os benefícios de tal ensino (Solé, 2012; Wooley, 2011). Em particular, as estratégias do leitor que deverão ser mobilizadas antes, durante e após a leitura (Sá, 2014) têm sido encaradas como fundamentais no âmbito da compreensão e fruição das práticas diversificadas de leitura em que nos envolvemos no quotidiano (Sim‐Sim, 2007).
Verificámos também que a literatura de especialidade tem vindo a conceder algum destaque à possível necessidade de refletir, especificamente, sobre a mobilização de estratégias de desenvolvimento da compreensão da leitura online, para que o leitor possa aprimorar as suas práticas de leitura e delas usufrua, em pleno (Coiro, 2011; Hartman, Morsink & Zheng, 2008).
A partir do exposto, delineou‐se também um perfil do profissional da Educação porventura cada vez mais multifacetado, no âmago do qual o seu perfil de leitor poderá ser um importante contributo para o ensino explícito da compreensão na leitura e, desejavelmente, para a formação do futuro público.
Capítulo 4 – Metodologia de investigação
Só depois de ter conhecido a superfície das coisas (…) nos podemos aventurar a procurar o que está por baixo. Mas a superfície das coisas é inesgotável. (Calvino, 2009, p. 63)
Neste capítulo, procuramos descrever a metodologia de investigação seguida no nosso estudo, referindo o itinerário do percurso investigativo percorrido, de modo a clarificar as suas etapas principais e respetiva fundamentação.
Em primeiro lugar, indicamos e explicitamos as opções metodológicas que considerámos adequadas para o nosso estudo, mais concretamente a abordagem de natureza qualitativa, tendo como referencial metodológico o estudo de caso.
Em seguida, descrevemos a intervenção didática que realizámos, destacando os materiais utilizados e a sua contribuição para atingirmos os objetivos definidos para o nosso estudo e encontrarmos resposta para as questões de investigação formuladas.
Em terceiro lugar, referimos com detalhe as técnicas e os instrumentos de recolha de dados relativos: i) às representações sobre a leitura e a motivação para a leitura; ii) ao desempenho em motivação para a leitura e desenvolvimento de competências em compreensão na leitura.
Por último, no âmbito das técnicas de tratamento e análise de dados, fundamentamos a nossa opção pela análise de conteúdo, referindo os passos seguidos na sua prossecução, de modo a clarificar a sua adequação ao desenho de investigação pelo qual optámos. 4.1. Opções metodológicas 4.1.1. Abordagem qualitativa Segundo Freitas (2013, p. 1084), “O plano de uma investigação começa pela seleção de um tópico e de um paradigma adequado ao seu desenvolvimento.” Tendo em conta as questões e os objetivos de investigação traçados para o nosso