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Capítulo 3  – O ensino explícito da compreensão na leitura

3.2.  A compreensão na leitura 

3.2.4.  A sua interação 

Os diferentes processos ativados em perguntas/tarefas de compreensão na leitura  dependem da interação leitor, texto e contexto (Viana, Ribeiro, Santos & Cadime, 2012).  Apesar  de  alguma  variação  taxonómica  na  nomenclatura  (Català,  Català,  Molina  &  Monclús, 2001; Cruz, 2007; Swaby, 1989), é possível distinguir os seguintes: 

i) Compreensão  literal  –  capacidade  de  localizar  informação  explícita  e  concreta presente no texto; 

ii) Compreensão  inferencial  –  respeitante  à  combinação  da  informação  literal  com a formulação de suposições para além do conteúdo explícito no texto,  partindo de indícios facultados pelo mesmo;  

iii) Compreensão  crítica  –  referente  ao  estabelecimento  de  juízos  próprios  a  partir do lido e à formação de opiniões pessoais que resultem da avaliação  das  intenções  do  autor  do  texto,  que  o  leitor  cruza  com  as  suas  próprias 

opiniões; 

iv) Reorganização  –  sistematização  da  informação,  sua  consolidação  e  reordenação a partir do lido, para que seja compreendida.    3.3. A motivação para a leitura    3.3.1. Sua natureza  A atenção concedida à motivação para a leitura no âmbito da investigação tem sido  crescente  (Schiefele,  Schaffner,  Möller  &  Wigfield,  2012;  Willingham,  2015).  Como  sublinham Viana et al. (2010, p. 6), “A motivação para ler é uma variável importantíssima.  Se a motivação para ler um determinado texto pré‐existe à leitura, ela ditará uma maior  atenção e um maior envolvimento do leitor” (negrito da autora).  Schiefele, Schaffner, Möller e Wigfield (2012) estabelecem uma distinção entre:  i) Motivação atual para a leitura, que diz respeito à intenção de ler um texto  específico, que o leitor manifesta em determinada situação/momento; 

ii) Motivação  habitual  para  a  leitura,  que  se  refere  à  disposição  para  iniciar, 

com regularidade, uma atividade de leitura. 

No que se refere aos constructos centrais da motivação para a leitura, a literatura  de  especialidade  identificou  dois  grupos  (Schiefele,  Schaffner,  Möller  &  Wigfield,  2012;  Wang & Guthrie, 2004):  

i) Os que dizem respeito a formas de motivação  

 Intrínseca,  definida  como  “vontade  de  ler  pelo  facto  de  tal  atividade  ser  satisfatória ou compensatória por si mesma” (Schiefele, Schaffner, Möller &  Wigfield, 2012, p. 429), referindo‐se, assim, ao facto “de uma pessoa querer  ler pelo prazer implícito no ato” (Lopes & Lemos, 2014, p. 122); 

 Extrínseca,  que  diz  respeito  às  razões  externas  que  lhe  subjazem,  quer  relativamente à atividade de leitura em si, de modo global, quer no que se  refere  ao  assunto  do  texto;  está  associada  a  aspetos  como  a  vontade  de  obter reconhecimento por parte de outrem (professores, pais, sociedade em  geral), a procura de recompensas (por exemplo, boas notas) e os incentivos 

recebidos  (por  exemplo,  a  oferta  de  livros,  elogios  por  parte  de  familiares,  etc.). 

iii) Os  que  se  referem  às  predisposições  para  a  leitura  (por  exemplo,  o  modo 

como o leitor se perceciona) (Park, 2011; Sainsbury & Schagen, 2004). 

Para  que  haja  motivação  intrínseca  para  a  leitura,  Viana  e  Martins  (2009)  consideram que a leitura tem de: i) constituir novidade; ii) apresentar desafios ao leitor,  para  porventura  lhe  dar  o  alento  necessário  para  que  se  envolva,  em  pleno,  no/com  o  texto; iii) ter valor estético. 

Como frisam Viana e Martins (2009), embora por vezes se atribua menor relevância  à motivação extrínseca para a leitura e até haja tendência para a considerar em oposição  à motivação intrínseca para a leitura, muitas vezes estão intimamente relacionadas: por  exemplo,  de  um  incentivo  como  a  oferta  de  um  livro  pode  vir  a  resultar  um  interesse  particular  pelo  seu  autor,  levando  à  descoberta  de  outros  itinerários  de  leitura,  por  prazer. 

Os  fatores  leitor,  texto  e  contexto,  de  cuja  interação  se  reconhece  resultar  a  compreensão  na  leitura  (cf.  3.2.4.),  desempenham  também  um  papel  importante  na  motivação  para  a  leitura.  Fazemos  seguidamente  uma  síntese  de  cada  um  deles,  procurando lançar luz sobre o seu contributo.    3.3.2. Fatores relevantes  A literatura de especialidade ressalta que há aspetos ligados ao próprio leitor que  podem condicionar a sua motivação para a leitura (por exemplo,  Lopes & Lemos, 2014;  Sainsbury & Schagen, 2004), de entre os quais se destacam:  

i) A  atitude  face  à  leitura,  que  diz  respeito  aos  sentimentos  expressos  em 

relação à leitura, configurando uma componente afetiva (McKenna, Conradi,  Lawrence,  Jang  &  Meyer,  2012);  embora  se  reconheça  que  os  constructos  motivação  para  a  leitura  e  atitude  face  à  leitura  sejam  muitas  vezes  empregues  na  literatura  de  especialidade  enquanto  sinónimos  (Lopes  &  Lemos, 2014; Schiefele, Schaffner, Möller e Wigfield, 2012), considera‐se ser  possível  uma  distinção  teórica  entre  os  dois  conceitos;  segundo  Schiefele, 

Schaffner,  Möller  e  Wigfield  (2012,  p.  429),  “Whereas  reading  motivation  refers  to  intentions  or  reasons  for  reading,  reading  attitude  involves  the  expression of feelings towards reading”; nesse sentido, alguns estudos sobre  a motivação para a leitura contemplam escalas que incluem a atitude face à  leitura  (McKenna,  Conradi,  Lawrence,  Jang  &  Meyer,  2012;  Sainsbury  &  Schagen, 2004); 

ii) O autoconceito de competência em leitura, que diz respeito ao modo como 

o  sujeito  avalia  a  sua  habilidade  leitora,  sendo  construído  pela  rede  de  experiências que se vão tecendo ao longo do seu percurso de formação (por  exemplo,  o  feedback  dado  na  Escola,  a  opinião  que  outros  manifestaram  sobre a sua competência em leitura); 

iii) As  perceções  de  autoeficácia,  que  se  referem  às  expetativas  do  leitor, 

relativamente ao modo como pode ser bem ou mal sucedido numa tarefa de  leitura; tais perceções desenvolvem‐se em interação com as tarefas em que  o leitor se envolve, sendo responsáveis “pelo início do comportamento (ler  ou  não  ler),  pelo  esforço  que  o  leitor  está  disposto  a  despender,  e  pela  persistência face a obstáculos” (Viana & Martins, 2009, p. 31). 

A investigação tem igualmente incidido na relação entre a motivação para a leitura  e alguns aspetos relativos ao comportamento leitor, tais como:  

i) A quantidade de leitura, um dos aspetos habitualmente focados em estudos 

nacionais  e  internacionais  em  que  é  utilizado  o  inquérito  por  questionário,  com  o  objetivo  de  traçar  os  perfis  de  hábitos  de  leitura  da  população  em  geral (Eurobarometer, 2013; Freitas, Casanova & Alves, 1997; Santos, Neves,  Lima & Carvalho, 2007) ou de conhecer o perfil de leitor dos alunos e pais,  em particular (Ribeiro, Leal, Ribeiro, Forte & Fernandes, 2009; Santos, 2000);  alguns desses estudos têm apontado para uma possível associação positiva  entre  a  motivação  intrínseca  para  a  leitura  e  a  quantidade  de  leitura  (por  exemplo, Becker, McElvany, Kortenbruck, 2010; Lau, 2009), nomeadamente  quando  está  em  causa  a  leitura  com  fins  recreativos  (Wang  &  Guthrie,  2004);  no  entanto,  como  sublinham  Schiefele,  Schaffner,  Möller  e  Wigfield 

(2012), é preciso ter em conta o facto de a quantidade de leitura de leitura  ser  medida  de  diversas  formas,  de  acordo  com  os  objetivos  traçados  especificamente  para  cada  estudo,  pelo  que  estes  apontam  caminhos  para  uma reflexão atenta, mais do que resultados de cariz permanente; 

ii) A utilização de estratégias de leitura (cf. por exemplo, Cox & Guthrie, 2001; 

Lau,  2009),  sobre  a  qual  Duke,  Pearson,  Strachan  &  Billman  (2011,  p.  61)  comentam  que  “if  our  goal  is  to  stretch  students’  comprehension  muscles  we should provide them with texts of interest”. 

O  texto  é  outro  fator  relevante  na  motivação  para  a  leitura  (Duke,  Pearson,  Strachan & Billman, 2011), estando em causa nomeadamente: 

i) A preferência por determinado tipo/género textual, dado que a literatura de 

especialidade tem destacado, por exemplo 

 Uma  correlação  significativa  entre  a  motivação  intrínseca  para  a  leitura  e  a  preferência  por  textos  narrativos  e  expositivos  (Philipp,  2010); 

 O  modo  como  preferências  distintas  por  alguns  tipos/géneros  textuais  expressas  por  rapazes  ou  raparigas  podem  influenciar  positivamente  a  sua  motivação  para  a  leitura  (Bouchamma,  Poulin,  Basque & Ruel, 2013);  ii) A diversidade textual a que o leitor tem acesso, vista como relevante, quer  no âmbito da promoção de comportamentos emergentes de leitura (Gillen  & Hall, 2003; Ramos & Silva, 2014), quer ao longo da escolaridade (Custódio,  2014; Mata, Monteiro & Peixoto, 2009).  No entender de Viana & Martins (2009), importa também ter em consideração que,  quando  os  textos  a  ler  se  relacionam  com  atividades  e/ou  projetos  estimulantes  para  o  leitor, é expectável que a motivação para a leitura possa aumentar.  

No que se refere ao contexto, a Escola e a família – desejavelmente em interação –  são  consensualmente  consideradas  como  responsáveis  maiores  pela  motivação  para  a  leitura  (por  exemplo,  Dias  &  Neves,  2012;  Silva,  2012).  É  reconhecido  o  papel  que  a  família pode ter na promoção e consolidação de laços afetivos envolvendo o ato de ler, 

constituindo um pilar fundador da formação do leitor (Cruz, Ribeiro & Viana, 2012; Mata,  2012). Em estreita conexão com a família, a Escola é igualmente encarada enquanto local  de  acolhimento  privilegiado  dos  leitores  em  devir,  instituindo‐se,  ao  longo  dos  anos,  como  fomentadora  de  práticas  de  leitura  que  procuram  alimentar  a  missão  de  formar  leitores ao longo da vida. 

Castro, Expósito, Lizasoain, López e Navarro (2014), na síntese meta‐analítica sobre  participação  familiar  e  rendimento  académico  ao  longo  da  escolaridade  (do  jardim  de  infância  ao  ensino  secundário)  que  realizaram,  sublinharam  as  vantagens  associadas  ao  envolvimento da família na/com a Escola. Neste estudo, a importância da leitura com os  filhos  destaca‐se  como  parâmetro  que  contribui,  de  forma  positiva,  para  o  rendimento  académico  em  geral  e  para  o  possível  desenvolvimento  de  hábitos  de  leitura  em  particular.  

Em Portugal o projeto Ler+ em Família, integrado no PNL, aponta para as vantagens  da associação da leitura em contexto escolar e extraescolar como forma de incentivar o  gosto pela leitura (Plano Nacional de Leitura, s/d).  

O  envolvimento  das  famílias  é  também  valorizado  nos  seguintes  programas  desenvolvidos no âmbito do projeto Ler+ Escolas: 

‐  Está  na  hora  dos  livros,  a  decorrer  no  jardim‐de‐infância;  entre  as  ações  recomendadas destacam‐se, por exemplo, a “Organização de bibliotecas nos jardins‐de‐ infância  e  nas  salas  de  atividades,  de  forma  a  suscitar  o  interesse  das  crianças  pelos  livros” e a “Sensibilização de pais e encarregados de educação para a importância do livro  e da leitura no desenvolvimento da criança” (Ministério da Educação, s/d, p. 3); 

‐  Está  na  hora  da  leitura,  em  curso  no  1.º  Ciclo,  implicando  uma  hora  diária  consagrada  à  leitura  orientada  na  sala  de  aula,  bem  como  um  amplo  conjunto  de  atividades  centradas  no  livro:  assim,  é  dada  continuidade  aos  objetivos  traçados  para  o  jardim‐de‐infância,  de  modo  a  promover  a  consolidação  da  motivação  para  a  leitura  (Ministério da Educação, 2006a); 

‐  Quanto  mais  livros  melhor,  no  2.º  Ciclo,  alargando  as  ações  dos  programas  anteriores e contemplando o contacto reforçado com livros quer na sala de aula, quer na  biblioteca escolar (Ministério da Educação, 2006b); 

‐  Navegar  na  leitura,  referente  ao  3.º  Ciclo/Ensino  Secundário,  com  objetivos  semelhantes  aos  do  ciclo  anterior,  para  sua  possível  consolidação  (Ministério  da  Educação, 2006c). 

O  papel  que  as  bibliotecas  podem  desempenhar  na  motivação  para  a  leitura,  em  contexto  escolar  ou  extraescolar,  tem  igualmente  sido  reconhecido  como  uma  possível  mais‐valia para a formação do leitor ao longo da vida – nomeadamente no que respeita à  (re)construção do seu perfil, desde bebé à idade adulta (Ramos & Silva, 2014; Silvestre,  2008).  

No que respeita à biblioteca escolar, Martins e Calçada (2014) elencam aspetos que  podem  promover  a  criação  de  laços  entre  o  leitor  e  a  leitura,  tais  como:  i)  facultar  o  acesso ao livro e a outros suportes de leitura, para “aguçar” o desejo de ler; ii) aceitar a  existência  de  diferentes  perfis  de  leitor,  pela  diversidade  de  conteúdos  que  alberga;  iii)  atuar  como  suporte  físico  e  virtual,  acedido  a  partir  de  múltiplos  espaços,  permitindo  a  interação desejável entre professores, pais, etc. 

As  bibliotecas  públicas  podem  ser  também  um  contexto  propício  ao  incentivo  à  leitura,  sendo  consensual  a  ideia  de  que  a  sua  articulação  com  a  Escola  traz  benefícios  (Plano Nacional de Leitura, 2008b, p. 25): 

 

Os resultados da investigação demostram que se as escolas e as bibliotecas trabalharem em  conjunto,  têm  uma  influência  considerável  no  prazer  de  ler  das  crianças.  As  bibliotecas  públicas  associam  aprendizagem  formal  e  informal  e  estão  bem  colocadas  para  apoiar  as  escolas, disponibilizando apoio especializado aos professores sobre livros e outros materiais  de leitura.  

 

Para  que  a  motivação  para  a  leitura  e  a  compreensão  na  leitura  sejam  objeto  de  atenção  de  forma  holística,  é  necessário  que  os  profissionais  da  Educação  operacionalizem  um  conjunto  de  estratégias  didáticas  para  o  ensino  explícito  da  compreensão  na  leitura,  centradas  na  motivação  para  esta  e  no  desenvolvimento  de  competências  neste  domínio.  Abordamos,  seguidamente,  tais  estratégias,  de  modo  a  clarificar a sua relevância na atualidade para a formação de leitores. 

     

3.4. Estratégias didáticas para o ensino explícito da compreensão na leitura   

3.4.1. Centradas na motivação para a leitura 

O  desenvolvimento  de  estratégias  didáticas  de  motivação  para  a  leitura  por  parte  dos  profissionais  da  Educação  é  consensualmente  reconhecido  como  fundamental  na  investigação  sobre  a  leitura  (International  Reading  Association,  2000;  Malloy,  Marinak,  Gambrell & Mazzoni, 2013).  

No  entendimento  de  que  a  formação  do  leitor  é  construída  ao  longo  da  vida,  tais  estratégias têm ganho relevo no âmbito da literacia emergente, antes do ensino formal  da  leitura  e  da  escrita  (Leal,  Gamelas,  Peixoto  &  Cadima,  2014;  Viana  &  Ribeiro,  2014).  Ramos  e  Silva  (2014)  destacam,  por  exemplo,  no  que  respeita  à  leitura  com  bebés  e  crianças pequenas: i) a promoção do contacto com textos do acervo literário tradicional  (as “rimas infantis” e as lengalengas, entre outras); ii) a audição de pequenas narrativas;  iii)  o  cruzamento  da  leitura  com  a  dramatização,  com  recurso  a  materiais  diversos  tais  como fantoches, marionetas, etc. 

Nas  Orientações  Curriculares  para  a  Educação  Pré‐Escolar  (Silva  &  Núcleo  de  Educação Pré‐Escolar, 1997) é apontada a relevância da partilha das estratégias de leitura  do educador com o leitor, nomeadamente estando em causa a leitura de histórias, sendo  frisado  que  tal  leitura  “  (…)  é  um  meio  de  abordar  o  texto  narrativo  que,  para  além  de  outras  formas  de  exploração,  noutros  domínios  de  expressão,  suscitam  o  desejo  de  aprender a ler” (Silva & Núcleo de Educação Pré‐Escolar, 1997, p. 70). 

Alguns autores sugerem, especificamente, a operacionalização de um conjunto de  estratégias  centradas  na  motivação  para  a  leitura,  que  ilustram  o  seu  caráter  multifacetado, bem como a necessidade da sua planificação por parte dos profissionais da  Educação/professores nos contextos múltiplos em que possam vir a atuar.  

Gambrell (2011), por exemplo, aponta as seguintes sete estratégias:  

i) Desenvolver,  na  sala  de  aula,  práticas  que  potenciem  a  conexão  entre  a  leitura realizada na Escola e as vivências quotidianas dos alunos, de modo  a favorecer valorização da leitura (por exemplo, estimular a criação de um  “diário de leitura”, onde os alunos deverão escrever diariamente, durante